terça-feira, 17 de agosto de 2010

Subida ao Pico

















O barco para a Madalena parte do cais da Horta às 8.00 horas, viajam alguns turistas com mochila e outros passageiros que trabalham do lado de lá do canal. É como um cacilheiro que atravessa o Tejo levando as pessoas para a outra margem, só que não é um rio que as separa mas o mar alto. As margens das duas ilhas estão a quinze quilómetros uma da outra e a travessia dura meia hora. Vejo o Pico descoberto, o tempo está bom para a subida. Olho para imponência e magnitude da montanha e sinto-me contente com o desafio que tenho hoje pela frente. A temperatura já é agradável a esta hora do dia, vou de manga curta e calções com uma pequena mochila às costas. Um taxista leva-nos para a casa da Montanha, o preço da viagem 20€. Pareceu-nos demasiado caro, com mais 20€ para o regresso e só o táxi fica nos 40€. Preço para turista Alemão e Francês, vejo muitos por cá, mas não para Portugueses.

Na Casa de Montanha perguntam-nos se algum de nós já subiu o Pico.

- Eu já – respondo.

- Então, se não se importar, dá-me o seu número de telemóvel. Você não vai levar GPS, estamos com poucos. Há muita gente lá para cima. Mantenha o seu telemóvel sempre ligado.

O meu amigo nunca subiu o Pico, apesar de viver aqui ao lado na ilha do Faial.

- Já que você subiu ao Pico, fica o responsável pelo seu amigo –

Preenchemos uma lista com o nosso nome e contactos, somos os números 815 e 816, o que significa que neste mês subiram a montanha antes de nós 814 pessoas.

A casa da Montanha foi inaugurada em 2008 e é uma estrutura de apoio aos montanhistas. Está aberta 24 horas por dia, tem uma pequena exposição sobre a vulcanologia da ilha, um bar (soube tão bem beber umas cervejinhas fresquinhas quando chegamos cá abaixo), casas de banho e acciona os meios de socorro em caso de acidente.

Pode-se pernoitar no interior da cratera, neste caso é obrigatório levar tenda e saco cama.

- Fazemos uma média de subida de 7 horas por pessoa. Tentem estar cá em baixo às 5 da tarde.

O tempo é inconstante, muitas nuvens cobrem esta encosta da montanha que tem o principal trilho e o mais seguro para a subida. Nalguns momentos pouco se vê à nossa frente. Este é o grande risco, perder a visibilidade e a insegurança aumentar drasticamente. Muito rapidamente a montanha se cobre de nuvens como muito rapidamente elas desaparecem (felizmente foi o que aconteceu ao longo da subida). Fomos com muita calma, parando várias vezes para comer, tirar fotos e apreciar a paisagem quando o céu ficava mais aberto. A subida é no início pouco íngreme mas vai-se tornando cada vez mais inclinada e escorregadia.

O trilho de terra está bem marcado devido às centenas de montanhistas que o pisam, escorrega bastante por ser muito inclinado e há troços com gravilha que se desprende. É necessário usar as mãos e ter um calçado adequado para não escorregar.



Chegamos ao interior da cratera e avistamos uma paisagem lunar. O tempo abriu e por baixo dos farrapos de nuvens brancas dispersos pela encosta da montanha vê-se as Lajes do pico e o mar azul. Um grupo numeroso de adolescentes Franceses encontra-se a descansar nas rochas e várias pessoas sobem e descem do Piquinho, o último cume da montanha. Parece uma romaria ao Nosso Senhor dos Milagres. Todos querem chegar ao ponto mais alto de Portugal e tirar umas fotografias para recordar. O Piquinho é muito íngreme e escorregadio, subo até meio mas começo-me a sentir muito inseguro. Não sei onde me agarrar, olho para baixo e vejo o desnível. Não consigo ficar de pé, tenho medo de me desequilibrar e rolar pela montanha abaixo. Sento-me indeciso. A quantidade de pessoas põe-me mais confuso ainda. O meu amigo passa por mim.

- Anda daí Paulo, não tenhas medo eu vou atrás de ti. Só falta um bocadinho, não fizeste este esforço todo para agora desistir.

- Tenho vertigens, vou ficar. Sobe tu, eu espero por ti na cratera.

- Tens a certeza?

-Tenho, é melhor assim.

A maioria das pessoas que vi subiu até lá acima. Uma fulana estava para desistir, mas o guia (pode-se subir o Pico com guia) convenceu-a, uma turista Italiana e o marido também ficaram pela cratera. Conhecemos um casal de Aveiro na subida, a mulher  também não quis subir o Piquinho e ficamos na cratera a falar dos Açores e a ver a Lajes do Pico por baixo das nuvens. Um casal de Franceses levou o filho de seis anos (grandes malucos!) e  uma sujeita subiu em sandálias.

Lá em cima o meu amigo fuma um cigarro, telefona à esposa e faz-lhe uma declaração de amor, orgulhoso do seu feito. Tira várias fotografias, faz um filme e descreve o que vê. As nuvens encobrem as ilhas da Graciosa, São Jorge e Terceira. Observa apenas partes do Pico e do Faial. Espero por ele bastante tempo.

Quando desce para a cratera damos uma volta demorada pelo interior, vamos até ao aparelho de medição dos gases atmosféricos. Ali próximo há um precipício, gostaria de me aproximar mais um pouco mas por causa das vertigens não o faço. O meu amigo aproxima-se mais, tira fotos e eu apanho-o numa foto espectacular acima das nuvens.

Na descida o céu está limpo e vê-se a enorme base da montanha a estender-se pela costa ocidental da ilha com os seus vários cabeços vulcânicos. Daqui desta altitude parecem pequenas concavidades num chão plano, uma ilusão de óptica provocada pelos dois mil metros acima do nível do mar em que nos encontramos.

O mais difícil no trajecto não é o esforço físico e o tempo que demora o caminho. É a incerteza do piso, a grande probabilidade de escorregar, a paciência para o descer agarrado à rocha, muito devagar em alguns pontos mais íngremes. Tive que me sentar e descer de costas em algumas partes. O trajecto está muito gasto, há terra solta e gravilha onde facilmente se escorrega e dá um trambolhão.

Demos baixa na recepção da Casa da Montanha e faço perguntas sobre o apoio prestado aos montanhistas.

Hoje, uma senhora simplesmente desistiu. Psicologicamente foi-se abaixo. Teve que ser auxiliada por um voluntário.

Existe uma equipa de apoio que em caso de necessidade, ferimentos, entorses, ataques de pânico, desorientação, sobe a montanha a pé para os trazer para baixo em qualquer época do ano. Nos casos mais graves chama-se um helicóptero. Felizmente estas ocorrências são raras.

O casal de Aveiro faz-nos companhia numa parte da descida. Um indivíduo que lhes deu boleia no dia anterior levou-os hoje à Casa da Montanha e também vai buscá-los.

- Ainda não chamem o táxi. Talvez o amigo que nos vem buscar vos possa levar à Madalena. Esperem um pouco que já vos dizemos.

Pode levar-nos. Depois de nos refrescarmos com umas minis vamos descendo a estrada alcatroada para ir ao encontro da boleia. É uma carrinha de caixa aberta. Um espectáculo, só mesmo nos Açores para acontecer isto. Arranjamos uma boleia graças a um encontro fortuito com um casal do continente e agora seguimos na carrinha de caixa aberta de um tipo que não conhecemos. Passam por nós serrados com vacas, hortênsias e vegetação que se vai tornando cada vez mais densa e alta à medida que nos aproximamos do nível do mar, o vento bate-nos na cara e falamos da vida. Na Madalena sente-se um bafo quente e agradável.

O último barco para a Horta é às 21.00 horas, ainda temos meia hora. Apeamo-nos todos da carrinha, dono incluído, e vamos beber umas minis para um bar junto ao cais como se fossemos amigos de longa data. Com a boa disposição e empatia que houve naquele momento era como se fossemos. O tempo passou a correr, eu e o meu amigo despedimo-nos deles e corremos para a lancha.

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