sábado, 4 de abril de 2009

Caminho Português de Santiago

Nos últimos quilómetros tive a companhia de Bárbara, uma Berlinense que assistiu à queda do muro e me diz que hoje já não se nota a diferença entre os Alemães dos dois lados.
Estava desapontada com o caminho Português. Começou em Tuy. Havia demasiada estrada. Um outro caminho de Santiago que fez, entre Siena e Florença, era percorrido maioritariamente por bosques e caminhos rurais.
O caminho está diferente desde a última vez que o fiz. Há mais partes em cimento que passam no interior das aldeias, onde antes existia terra. E continuam a haver muitos troços em estradas bastante transitadas.
Um peregrino em bicicleta diz-me que o caminho é “Excelente, uma maravilha”. Concordo, o caminho está cada vez melhor para os velocípedes. Há muito cimento, asfalto e terra batida. Contudo, fazem falta mais quilómetros de bosques, com trilhos irregulares e indefinidos, mais adequados a quem anda a pé.
O alcatrão e o cimento fazem moças maiores nos pés. Ao fim do dia o corpo ressente-se bastante destes pisos, sente-se mais a dureza do solo e o cansaço é maior.
Bárbara chegou ao Porto na Berlinair, é a primeira vez que está na península Ibérica. Foi de comboio até Tuy. Marcou o regresso igualmente na Berlinair, a partir de Santiago.
O aeroporto do Porto parece ser um bom interface para este tipo de turismo cultural nesta região da Ibéria. Chegar, visitar a cidade e partir para Santiago. Existe aqui um bom nicho turístico a explorar.
Antes de chegarmos ao albergue visitamos a Zona Natural do Rio Barosa, cascatas e trilhos pedestres em redor do curso de água.
Na recepção pedem-me a credencial, não tenho. Devia ter, diz-me a recepcionista. Sem ela é mais difícil ser aceite. Como estamos numa época com menos peregrinos condescende e deixa-me entrar. Empresto o BI para copiar os meus dados e pago três euros.
Encontro no Albergue de Briallos um grupo de escuteiros da Areosa que começaram o caminho em Valença. Falo com o chefe que diz ter arranjado as credenciais em São Pedro de Rates, no caminho Português Central.
Há uma bifurcação na rua das Flores no Porto, uma que segue pelo Bonjardim e igreja da Lapa em direcção a Braga, um caminho mais interior, por isso tem o nome de Caminho Português do Interior e outra que segue pela praça dos Leões e rua de Cedofeita até Barcelos, mais próximo do litoral, passando pela Póvoa de Varzim e São Pedro de Rates.
Confluem, ambos, em Ponte de Lima de onde seguem até Santiago.
Até Caldas de Reis, paralela e coincidente com o caminho em muitos troços, tem-se a via Romana XXI.
Uma rede de estradas Romanas ligavam, no tempo do império, os principais colonatos: Brácara Augusta (Braga), Aquae Flaviae (Chaves), Lucanum (Lugo).
Os vestígios desta via são quase inexistentes, contudo existem painéis interpretativos ao longo do caminho que explicam a sua importância no tempo dos Romanos.
Reparo que os riachos são comuns nas proximidades. As legiões Romanas, com pesados recursos militares, não suportariam o transporte de demasiados mantimentos, por isso a importância dos locais próximos de água onde o abastecimento (e sobrevivência) seria mais fácil.
Os amieiros, carvalhos e salgueiros são muito frequentes ao longo do trajecto.
No segundo dia faço a parte final na companhia de duas amigas Espanholas, Lúcia e Maria. Vinham em dificuldades e facilmente me aproximo delas. Perguntam-me se falta muito para Padron. Uns cinco quilómetros, mais ou menos.
Começaram em Tuy. É a primeira vez que fazem este caminho. Lúcia fez o Francês seis vezes em bicicleta desde Burgos, onde vive. Seis dias a pedalar até Santiago. O caminho Francês tem mais subidas. Existe uma muito acentuada que demora algumas horas, no Cebreiro, à entrada da Galiza, com um excelente restaurante no cimo. Há o contraste enorme entre a secura do caminho, antes de Leon, e o verde da Galiza. O Português é mais suave e homogéneo.
Em Padron impõe-se uma visita à Casa-Museu de Rosália de Castro, a última residência da grande poetisa Galega nascida em Santiago em 1837 e falecida aqui em 1885.
A casa é uma habitação aristocrática rural do século dezanove. Possui um acervo de livros, primeiras edições, assinadas pela própria, objectos, mobília, fotografias e homenagens realizadas ao longo dos tempos dispersas pelas divisões. No exterior há um jardim bem cuidado e o Centro de Estudos Rosalianos.
Na igreja de São Tiago está exposta a pedra, “Pedron”, que deu origem ao nome da terra. De acordo com a tradição, nela foi amarrada a barca que trouxe o corpo do apóstolo. Esta pedra foi objecto de um culto pagão dedicado ao Deus Neptuno.
No albergue volto a ser questionado sobre a falta da credencial. Não me preocupei, nem me lembrei dela. Foi uma decisão súbita de fazer o caminho, apenas três etapas desde Pontevedra a Santiago e tento explicar que não é fácil arranjar a credencial porque o único local que eu conhecia que as fornecia, a Associação dos Amigos do Caminho de Santiago, na rua das Flores no Porto, fechou.
“Para a próxima tens que a ter, agora entras, mas noutra altura, com mais peregrinos, vai ser mais difícil.”
O dormitório é misto. No meu beliche dorme por cima uma escuteira da areosa. Sinto um intenso cheiro a chulé. Alguém se peida sem pudor e arrota igualmente sem pudor, os escuteiros riem com as brincadeiras.
Na cozinha um pequeno grupo joga cartas e outro janta.
As vieiras e setas amarelas sinalizam muito bem o trajecto, não havendo lugar para equívocos, excepto nas proximidades de Santiago em que se tornam mais escassas.
A aproximação a Santiago é desinteressante: muita estrada com movimento, algumas zonas residenciais novas e estaleiros de construção.
Cruzo-me com duas peregrinas Portuguesas de Lisboa. Começaram em Ponte de Lima, estão a fazer uma média de mais de trinta quilómetros diários. Passarão a noite em Santiago e só amanhã de manhã partirão para Lisboa. À hora que o comboio internacional chega ao Porto, dez da noite, não é possível apanhar a ligação.
Em Santiago merendo num café que conheço de outra caminhada. Novamente a mesma empregada parecida com algumas personagens dos filmes do Almodôvar.
Vêem-se na rua bastantes peregrinos com vieiras e cajados. Nas lojas das ruas próximas da catedral as vendedoras dão a provar os doces típicos. Compro um queijo Gallego em forma de teta, chamado Tetilla e biscoitos, Caprichos de Santiago, para a Páscoa.
No regresso a Redondela, no comboio regional, revejo no sentido inverso alguns locais onde passei: A Escravitude, Padron, Pontecesures, A Vallga, Pontevedra. Pouco mais de uma hora para fazer os setenta quilómetros destas três etapas.
A pequena mochila de quarenta e cinco litros foi suficiente, reduzir a bagagem apenas ao essencial deu-me maior autonomia no caminho e facilidade na arrumação nas entradas e saídas dos albergues. O que levei deu para três dias como também daria para um mês, se eu quisesse. Uma muda de roupa para trocar, molas e um sabão para a lavar e pendurar são suficientes. Pode-se andar assim indefinidamente.
É conveniente levar um livro, o tempo passado nos albergues pode ser monótono se não houver alternativa, especialmente se o albergue situar-se num local isolado como os de Barro, Briallos e Teo.
Para obter mais informações sobre os Caminhos de Santiago o melhor sítio da internet é: http://www.mundicamino.es/
Não preciso de mais nenhum, tem tudo: indicações detalhadas de todas as etapas e de todos os caminhos com o perfil do trajecto, quilómetros, descrição, indicação de lojas, albergues, hotéis, farmácias. Tudo o que é importante saber.
Sobre comboios para ligações na Galiza e outros locais de Espanha, consultar o sítio da Renfe: http://www.renfe.es/

Cascatas do rio Barosa
À saída do Albergue de Briallos



Albergue de Padron

Casa Museu de Rosalia de Castro (Padron)


Igreja de Santiago (Padron)