segunda-feira, 30 de maio de 2011

Adeus Coreia







Conheci o Iggy através do CouchSurfing, combinamos encontro no Centro para uma caminhada numa das montanhas de Seoul. Apareceu com um grupo de amigos e eu com a minha irmã.
Foi uma companhia muito agradável e talvez o melhor momento na Coreia do Sul. Nada como conviver com alguém do próprio país  para o conhecer melhor. Iggy é de Seoul e levou-nos a um local onde costuma ir para descomprimir do intenso stress e das imensas responsabilidades que  tem, tal como  fazem habitualmente os seus compatriotas. A Coreia do Sul  é  um país com muita competição entre os habitantes. As crianças são colocadas desde cedo  em institutos privados, que frequentam após o horário escolar normal, para melhorarem e aprenderam ainda mais nas diversas áreas que os seus pais pretendem.
A montanha é um pico  rochoso  visível do centro, com uma súbida muito ingreme mas bem delimitada por cordas e escadas nos locais mais abruptos. Conversamos sobre muita coisa, mas acima de tudo  era a curiosidade pelas nossas culturas, países, profissão, modo de vida, hábitos e história que mais nos motivava.  Um dos seus amigos, Choi, foi outra companhia muito prestável. Consultando o seu Ipad deu-nos sugestões para realizarmos em Seoul nessa tarde que nos restava na Coreia. Pedi-lhe para me indicar o nome de artistas coreanos, de musica Arirang e escreveu-mos num caderno no alfabeto próprio. Quando entrei numa loja de música ao fim da tarde mostrei o caderno e comprei 2 cd,s de música tradicional Coreana.
No regresso ao Centro da cidade passamos num local muito tranquilo, com vivendas  rodeadas de vegetação encostadas à montanha. Parecia que estava numa vila Portuguesa.
- Muitos habitantes de Seoul  não conhecem estes sitios assim.   Está sempre diferente de cada vez que aqui passo, a semana passada eram as cores e não havia tantas flores como agora - diz Iggy.
Seoul é uma cidade que se torna agradável devido às montanhas que tem em redor, aos recantos de sossego que  propiciam e às possibilidades de caminhadas, muito apreciadas e praticadas no país.
Por fim, almoçamos num restaurante do Centro de Seoul, comi pratos que nunca comeria sem a ajuda de um Coreano. Conhecedor dos meus hábitos alimentares, encomendou noodles e uma flor guisada. Não sei que flor era,  as pétalas eram tenras e saborosas.
Iggy, sempre muito prestável e simpático, fez com que as barreiras culturais não fossem um entrave para que nos sentissemos bem  a conviver. O nosso lauto almoço foi acompanhado por um vinho de arroz, saboroso e adequado para cortar  os efeitos muito fortes dos temperos.  Passeamos  junto do palácio de Gyongbokgung e depois despedimo-nos comovidamente, com a troca de endereços e  a esperança de um encontro breve em Portugal ou na Coreia.
Assisti  com a minha irmã à reconsttuição das cerimónias reais de entronização no palácio de Gyeongbkgung, quando Seoul foi capital do reino Joseon. Impressionante o aparato cénico. Muitas dezenas  de figurantes, mulheres de perucas a imitar os antigos penteados, trabalhados e rendilhados com tranças compridas,  instrumentos tradicionais, orquestra com músicos vestidos a rigor, guardas, ministros do reino, oficiais, toda a corte representada. A cerimónia consistia numa série de oferendas, separadas por danças e cânticos, em que  as cortesãs ofereciam vinho ao  monarca,  realizando ao mesmo tempo  uma dança  lenta e hipnotizante,  coordenadas entre si e terminando cada momento com um  batimento  vigoroso num tambor. 
Aproveitamos os ultimos momentos em Seoul passenado pela cidade, observando as pessoas, o ritmo, as lojas, a confusão e  o dinamismo. A temperatura tem sido sempre muito agradável e as noites de Seoul são apraziveis. A socialização é muito importante para os Coreanos, não admira que hajam milhares de pessoas a conviver em restaurantes que, ao fim da tarde, ficam   muito concorridos e animados.
Regressei sozinho a Portugal, ainda estou em trânsito. Passo a noite no aeroporto Charles de Gaulle em Paris. É o que dá comprar voos com as tarifas mais baixas, passam-se horas interminaveis à espera em aeroportos. Depois do cansaço de 10 horas de avião entre Pequim e Paris, ter que aguentar um noite a deambular pelo terminal 2  é saturante. Tento dormir, só consigo a espaços pequenos, estar sentado  não é cómodo e não tenho coragem para me deitar no chão. Muitas pessoas passam a noite no aeroporto, dormem recostadas às cadeiras ou deitadas no chão. Mudo de cadeira, sento-me a descansar, tento dormir, deambulo mais um bocado. Tenho o sono baralhado e a ressaca das longas viagens.





















Palácio de Gyeongbokgung


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Bilhete para Pyongyang














O Fundador da Hyunday nasceu na Coreia do Norte. O homem mais rico do país resolveu ajudar a sua Coreia natal organizando visitas turisticas. Em 1988 começaram as visitas, os turistas podiam chegar ao Norte entrando pelo sul. Estavam  contudo sujeitos a um controlo e regras muito apertadas: recolher obrigatório, acesso restrito aos locais, presença constante de um guia Norte Coreano junto de cada turista. Em 1998 uma jovem Italiana quebra o recolher obrigatório, levanta-se de manhãzinha cedo e passeia na praia antes da hora permitida. Os soldados Norte - Coreanos dispararam imediatamente sobre ela, assassinado-a. A partir dessa data deixou de ser possivel entrar no norte através da Coreia do Sul.

Os únicos estrangeiros que agora entram na Coreia do Norte fazem-no pela China ou pela Rússia. Descrevem um povo deambulando como zombies, um país triste e cinzento.

Só  um número restrito de Sul Coreanos com família no Norte é permitido entrar no país, três dias por ano apenas. Os encontros familiares realizam-se sempre no Norte. Os lideres receiam que o contacto com o Sul seja prejudicial.

O Norte construiu casas bizarras e opulentas ao longo da fronteira como propaganda ao seu estilo de vida Comunista. Ninguém vive nelas.

Na zona desmilitarizada, uma linha situada ao longo do paralelo 38, os soldados dos dois lados vigiam-se mutuamente. Cada país escolhe os mais bonitos para ali estar. Fazem competição entre eles dos mais elegantes, bonitos e altos. A guia Sul Coreana diz com  desdém que a média da altura na Coreia do Norte é de apenas 1, 57 m.

Os soldados olham-se de frente a poucos metros de distância, não podem rir, conversar, mostrar qualquer sentimento ao inimigo, excepto desprezo talvez. Usam óculos escuros para não denúnciar  inseguranca, evitar a comunicação e o contacto visual entre ambos.

Os dois países colocaram as suas bandeiras frente a frente. A Coreia do Norte colocou uma bandeira mais alta do que a Coreia do Sul, esta ripostou com uma bandeira uns metros mais alta, ao que a Coreia do Norte respondeu com outra mais alta ainda. E assim sucessivamente até que a Coreia do Sul desistiu. Hoje a Coreia do Norte tem a bandeira mais alta do mundo e um recorde no Guinness Book.

Há uma zona industrial na Coreia do Norte cujos administradores são do Sul. Estes estão proibidos de comunicar com os operários que são todos do Norte. Existem mensageiros responsáveis por transmitir todas as informaçoes necessárias entre ambos.

As montanhas do Norte têm menos árvores do que as do Sul. Há menos energia e os habitantes têm que as cortar para aquecimento e combustivel caseiro. O governo também as derruba para que os possíveis desertores e espiões infiltrados não se possam esconder, excepto as existentes nas margens do rio Hajinim, que atravessa uma parte da zona desmilitarizada, para camuflar tanques e armas de ataque contra a Coreia do Sul.


A Guerra da Coreia começou em 1950, foi interrompida em 1953 e oficialmente ainda não terminou.

Foram descobertos quatro túneis escavados desde o Norte para invadir o Sul. De acordo com um engenheiro desertor que fugiu para o sul e planeou alguns túneis, existem ainda mais túneis por descobrir.

Ao redor da zona desmilitarizada existem  minas terrestres que ficaram da guerra: ainda só foram desactivadas trinta por cento.

Existe uma estação de Combóio à entrada da zona desmilitarizada. Tem seis ligações diárias com Seoul e pouquíssimos passageiros, apenas os soldados e os habitantes de uma aldeia próxima. No balcão carimbam simbolicamente os bilhetes para Pyongyang, capital da Coreia do Norte, enquanto se espera pela reunificação.















mapa da zona desmilitarizada

Soldados Sul-Coreanos


Espreitando a Coreia do Norte

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Perdido em Seoul














Deambulo sozinho muito tempo.  Apanho o metro e venho para o Centro onde começo a calcorrear as principais atracções e bairros. Visito os principais palácios de seoul e perco-me na zona mais tradicional de Bukchon, local com  muitas casas tradicionais hanok,  pequenos museus, galerias de arte e de artesanato. No Museu de Arte Asiática observo biombos, porcelanas, textos religiosos, mantras Tibetanos, objectos Chineses e Coreanos com mais de mil anos. Descalço as sapatilhas para entrar num dos pavilhões onde três Coreanos pintam leques  tradicionais.
Descalçar os sapatos é uma tradição tipicamente Oriental. É muito confortável e relaxante, os soalhos são em madeira e aquecidos por baixo. As casas tradicionais Coreanas possuem este sistema, chamado Ondol.  As camas são esteiras muito finas e os sapatos  deixados na entrada. 

Observo o Render da Guarda num dos palácios de Seoul, uma recriação feita para turistas dos velhos rituais que existiam quando o país era governado por reis. Um dos mais importantes foi Sejong. No século quinze, Sejong resolveu atribuir às mulheres 30 dias de licença de maternidade antes do parto e cem dias após  e aos pais trinta dias de licença após o nascimento do bebé.
Visito um Festival de Chá Coreano. Senhoras vestidas de forma tradicional, sentadas em mantas, servem chá e conversam com grupos sentados de frente para elas. Parecem conselheiras, falam e dão sugestões aos convidados. Não entendo o que dizem, contudo a postura e a atitude de respeito que os grupos demonstram ao ouvi-las, denota  um ritual de convivio e de fruição do chá.
Estou com sede e peço um chá, não mo servem. Um tipo simpático que fala Inglês com fluência, diz que se tratam de amostras não comercializáveis. Sinto uma barreira cultural dificil de ultrapassar. Sou um estranho, quero provar o chá, conhecer o ritual, participar nele mas sou  impedido. Mesmo tentando perco a vontade de insistir. Mais uma vez sinto que não pertenço aqui, sou o único Ocidental a deambular neste jardim e saio.

Subo a dois morros de Seoul. Num deles fica a torre de telecomunicações, no outro um templo Xamanista. De acordo com os guias, o mais importante da cidade. Destruído pelos Japoneses e reconstruído noutro local diferente uns anos mais tarde. Tenho dificuladades em encontrar o acesso a este último local. Ando com um livro na mão com o nome escrito em Coreano para mostrar às pessoas. Não falam Inglês, dão a entender que não sabem onde fica ou recusam  perceber o que pretendo, gesticulando para me desviar. Novamente sinto-me estranho. Apetece-me voltar para o centro da cidade, onde aí pelo menos há mais estrangeiros e não estranham tanto quando um deles lhes pede ajuda. Encontro sózinho o acesso ao templo, nada de especial. Tem a arquitectura idêntica aos que já vi. As vistas, no entanto, são surpreendentes. Vale a pena subir a estes oásis de verdura e sossego dentro da cidade para observar partes da urbe gigantesca que é Seoul.

Encontro-me neste momento no bairro mais cosmopolita e multicultural da cidade, Itaewoon. Existe um base militar Americana e à volta dela desenvolveram-se lojas de comércio variado, muitas com imitações de marcas de roupa a preços bastante mais acessíveis, restaurantes típicos e internacionais. Igrejas Cristãs, a única mesquita de Seoul, Muçulmanos a vender artigos de couro nas esquinas, Africanos, Europeus, Asiáticos de outras partes. Vendedores  a impingir relógios e outros artigos aos transeuntes, bares, moteis, o distrito da luz vermelha.


Bairro de Bukchon , Seoul














Palácio Deoksogung, Seoul






























quarta-feira, 25 de maio de 2011

Nocturno Coreano














Empato o tempo caminhando junto ao    lago Bomhun antes de  apanhar o Shuttle Bus para Seoul. Entro na marina e um sujeito com fato de cozinheiro chama por mim. Quer conhecer-me: Chama-se lee Yu e tem uma vontade tremenda de aprender Inglês. Pergunta se não me importo de falar com ele e convida-me a sentar numa mesa da esplanada. Começa a escrever frases em Inglês num caderno antigo, soletrando as letras. Torna-se um pouco cómico ver este Coreano a soletrar o alfabeto Latino:

- A E I O U. It,s Very difficult! I work very hard. I want to learn English so much.

Aproveito a oportunidade de estar a falar com um cozinheiro e peço para escrever pratos Vegerarianos Coreanos. Lee Yu escreve-os, numa coluna ao lado faz a tradução em Inglês e dá-me sugestões de confecção. Fico com um cardápio de receitas e ideias para experimentar nos dias que me restam na Coreia e cozinhar quando chegar a Portugal.

Para quem estiver interessado, aqui vão os nomes de dois pratos:

Bi Bim Bap – Arroz misturado com vários vegetais numa caçarola

Ten Jang Chegae - Rebentos de feijão cozidos.

Oferece-me um café saboroso, Kopitee, que bebo num copo de plástico.

Não pára de falar, tenho o autocarro as 16.00 e olho discretamente para o relógio, até que digo que tenho que ir embora. Despede-se de mim com uma oração e no fim percebo: Amen.

- Are You Christian? – pergunto.

- Yes. Are you Christian too?

- Yes – faz um sorriso efusivo, abraça-me contente. Chama por uma miúda novita para nos tirar uma fotografia, ela aproxima-se timidamente e ri.

Pergunto porque  existem tantos Cristãos na Coreia. Reparei ao longo da auto estrada nas muitas igrejas em todas as povoações. Numa outra entrada explicarei o motivo.

Em Seoul apanho o metro para o Hotel onde está alojada a minha irmã. A recepção é uma discoteca: de um lado, o balcão de atendimento, do outro um balcão comprido com uma parede cheia de bebidas espirituosas iluminadas com muitas cores. Sofás e mesas com velas, estrangeiros e Coreanos em convivio alegre a beber shots. Musica Lounge com um ritmo agradável e cool, ecrãs nas paredes, imagens de bonecos robotizados a dançar ao ritmo da música. O pessoal da recepção é novo, bonito, bem vestido e simpático.

- Do you have a reservation, sir?

- No. I am waiting for my sister.

Uma das paredes é espelhada. Vêem-se os arranha-céus do outro lado do rio Han iluminados com  várias cores, design moderno, neons cintilantes. Lembro-me do filme Lost in Translation da Sofia Coppola e daquele ambiente feérico nocturno de Tóquio.

De noite passeamos em Seoul por vielas iluminadas com reclames de cores berrantes, as ruas estão apinhadas de gente nos bares, sentadas em degraus, esplanadas, bancos de jardim. As barraquinhas nos passeios vendem cervejas, licores, tripas de porco do intestino grosso e delgado espetadas em palitos prontas a fritar no local pelos clientes, crustáceos estranhos, bichos marinhos retirados na hora dos aquários e prontos a comer quase vivos, Sushi, bolinhas de arroz frito. Mulheres jovens elegantes e bonitas, tipo executiva, passeiam-se nas ruas.
Discuto com a minha irmã o conceito de beleza. Ela acha as mulheres Coreanas em geral pindéricas e mal vestidas: vestidos de folhos, camisas foleiras que em Portugal se compram nas feiras. A mim não me parecem tao pindéricas assim, talvez em Portugal porque não é comum vestir desta forma, aqui parece-me perfeitamente normal e mais feminino. É mais comum ver  mulheres de saia, tacão alto e carteira a tira-colo.
- Sim ...mas fica mal tacão alto com calções de ganga por exemplo, e vês muito isso. As cores também são berrantes, vês vestidos às pintinhas e mal combinados com o resto. Em Portugal isso é super-piroso - insiste a minha irmã.
Passamos no CheongChong Stream, no centro da cidade. Um ribeiro recuperado com cascatas iluminadas artificialmente e espectáculos nocturnos  de raios laser na parede, acompanhados com música de Mozart, onde os Seulitas descansam os pés rodeados de arranha-céus, sedes de bancos e empresas.
Subimos a um restaurante no 33 andar de uma das torres de  design mais vanguardista de Seoul.   O mais alto onde estive até hoje. Novamente as luzes feéricas da cidade, os reclames, os farois dos automóveis que circulam cento e cinquenta metros abaixo de nós. A vista é um cenário  futurista de ficção científica. Sente-se a torre  a tremer, a libertar a energia acumulada na arquitectura anti-sísmica.
Ao fim de uma   avenida passamos num local mais escuro a tresandar a álcool, um casal de velhos bêbados está deitado a namoricar, outros vagabundos encostados nas esquinas,  o ambiente não parece o melhor e voltámos para trás.


















segunda-feira, 23 de maio de 2011

Entre Templos e Eremitérios Budistas



Namsan é uma montanha na região de Gyongju. Trata-se de um parque natural, protegido por lei. No  solo existem inúmeras ruínas do período em que Gyongju foi capital do reino Silla, há cerca de 1200 anos. Nas encostas verdejantes construiram-se templos budistas - locais ideais de silêncio e beleza natural para os monges meditarem - grutas para orar e outros pequenos locais de culto, junto das nascentes de água, em recantos silenciosos, protegidos pela floresta e pelas rochas. 
O parque natural tem vários trilhos, sinalizados em Coreano e Inglês. A prosperidade Coreana e o zelo na conservação destes espaços denota-se nos passadiços de madeira e nas cordas  que os delimitam, colocados ao longo da floresta para que os visitantes não danifiquem o solo original. 

Para aceder à Montanha deve-se apanhar o autocarro no centro da Gyongju. A viagem demora aproximadamente 30 minutos. Os transportes públicos são regulares, eficientes, pontuais e baratos. 

Por vezes temos que estar atentos às diferenças culturais, uma situação curiosa aconteceu  dentro do autocarro. Entrei e sentei-me num dos lugares da frente, o autocarro ia quase vazio. Numa das paragens entrou uma senhora idosa que não se quis sentar nos lugares vagos mais atrás, ficou de pé ao meu lado, sem dizer palavra, sem olhar para mim. Tive um pressentimento, levantei-me e fui sentar-me no fundo do autocarro. A senhora ocupou imediatamente  o lugar, sem agradecer. 
Na Coreia há uma reverência muito grande  para com os mais velhos. Têm a prioridade em tudo. Felizmente informei-me sobre estes hábitos culturais e não me enganei. A senhora podia ter ido para um banco mais recuado, mas julgou que não tinha que caminhar mais, havia ali um junto da  entrada, ocupado por uma pessoa mais nova, encostou-se e usufruiu de um direito que a sua cultura lhe confere. 
Os idosos são bastante mais venerados e respeitados do que no ocidente. Vi várias vezes pessoal mais novo a baixar a cabeça em sinal de respeito com os mais velhos. Em qualquer refeição são  os primeiros a ser servidos e os últimos a terminar. 


Nas caminhadas vê-se muito pessoal vestido a rigor, usando vestuário impermeável, chapéu, bastões, óculos com lentes anti ultravioleta, todo High tech. Grupos de amigos, famílias, excursões. Apanhei um grupo numeroso logo no inicio da subida e, para os evitar, fiz um desvio até um templo Budista.   Não avancei mais, fiquei ao longe a observar, no meio do silêncio e dos pássaros apenas. As sandálias dos monges encontravam-se pousadas na  entrada. Senti que avançando  mais estaria a profanar algo. Há uma barreira cultural muito forte, a minha inibição não me deixou  espreitar o interior do templo. Fiquei ao longe a gozar apenas o silêncio e a tranquilidade que se pode sentir num sitio assim. Não sou daqui, este não é o meu mundo, iria interferir com a harmonia do local.  
Continuei a subida, passando por muitos  Coreanos que ficavam surpreendidos por se depararem com um Ocidental. A maior parte faz de conta que não vê, uma minoria sorri e diz annyeong  haseyo, Olá. 
Os pedestrianistas ocupam os locais com as melhores panorâmicas para descansar e comer. Muitas vezes quis parar num desses locais para tirar fotografias, descansar, desfrutar a paisagem, mas iria intrometer-me no meio dessas pessoas. As vistas são magníficas.
Caminho aproximadamente 3 Km até ao pico Tohamsan e a chuva vai aumentado. Vim preparado,  tenho o impermeável comigo, visto-o. Fico bastante confortável, apesar de começar a ficar com os calções molhados. Deparo-me cada vez menos com outros caminhantes, sinto-me cada vez mais sozinho no meio destes montes. Passo num eremitério apenas com um senhor idoso a dormitar debaixo do alpendre. Não se podem tirar fotografias ao interior dos templos. Não há ninguém e o  senhor  está  a uma certa distância, discretamente preparo a máquina fotográfica e tiro algumas fotografias. Uma vela de incenso arde no altar, o cheiro espalha-se pela montanha debaixo da chuva. Um aroma agradável paira na humidade da tarde. Tudo muito propício à serenidade e à contemplação. 
O som de uma flauta soa na montanha, alguém toca numa colina próxima.
Continuo a caminhar por trilhos que não sei onde me levam, resolvo regressar ao início. Acho que nunca na minha vida estive tão distante e  isolado como hoje. 
Espero pelo autocarro que me levará de volta ao centro da cidade. Como alguns bagos de uva que levo no tupperware, estou feliz e tranquilo. Dentro do autocarro ouço uma música na rádio, mesmo a condizer com o momento: Morning has Broken, do Cat Stevens, que me põe ainda mais bem disposto e relaxado. Há quanto tempo não ouvia esta música...





Encontro em Gyongju uma das passageiras que veio de Seoul. Cumprimenta-me e  pergunto:
- Where are you from?
- Malaysia.
 Conversamos sobre o que  fizemos em Gyeongju desde a chegada.  
Deambulo depois  pelo centro da cidade, declarada património da Humanidade pela UNESCO.  Foi capital de Reino silla durante aproximadamente 1000 anos,  um dos três reinos históricos da Coreia.  Os outros dois foram: Joseon, o último dos três, que transferiu a  capital para  Seoul e o outro, o primeiro, Goreyo, que deu o nome ao país. 
O que mais distingue a cidade  atualmente são os inúmeros túmulos reais, feitos de colinas cobertas de erva.  Existe a tradição, ainda hoje comum,  de sepultar os mortos debaixo destes montículos. Vi vários  ao longo da auto estrada Seoul - Gyeongju, sempre com um lápide  a assinalar o nome do morto. Apesar da religião oficial do reino Silla  ter sido  o Budismo, os montículos não são exclusivos da religião. É uma tradição muito antiga, praticada também por outros credos do país.  Os  reis  tinham que ter uma sepultura bastante maior do que as dos  súbditos, naturalmente.  A cidade possui ainda um dos mais antigos observatórios astronómicos do mundo, datado do século sétimo depois de Cristo, hoje em ruínas.
Na minha deambulação por Gyeongju encontro o senhor Kim, proprietário de um hostel no centro da cidade. Em Portugal tentei fazer uma reserva on-line, à qual me respondeu muito simpaticamente, agradecendo o interesse, mas informando que estava lotado. Encontrei-o por caso, na entrada do hostel.
 Disse-lhe quem era e agradeci a resposta enviada para mim.




Grupo de alunos a posar junto de um túmulo

Mulher vestida com um traje tradicional


Parque em Gyongju. O pavilhão é um cenário conhecido de uma novela sul coreana. As novelas sul coreanas dão cartas na Àsia


Mapa de relíquias do Monte Namsan

Trilho pelo interior da montanha. Repare-se no empedrado e  nas cordas a delimitar o caminho 

Uma estatueta de Buda,esculpida na rocha entre muitas que fui encontrando

Um local cénico namontanha

Grupo escolar em visita às relíquias de Gyongju

Pormenor de alguns túmulos enquadrados na paisagem de Gyongju

O que resta do observatório astronómico mais antigo da Ásia, século VII


Refeição tipicamente Coreana: Kimchi, arroz, sopa de ovo, feijão e outros acompanhamentos 

domingo, 22 de maio de 2011

Um Extra - Terrestre na Coreia














Enquanto espero pela partida do autocarro especial Seoul - Gyeongju, um Americano vem ter comigo e pergunta o habitual Where are you from. Só mesmo os Americanos para ter este à vontade todo e meter conversa com os outros. Vai com a familia no Autocarro especial  para Busan. O filho dá aulas de Inglês na Coreia há alguns meses e veio  visitá-lo.
- Como é viver na Coreia? - Pergunto ao filho, mais novo do que eu.
- É agradável, as pessoas são simpáticas.
 - Quase ninguém sabe falar Inglês.
- Não é bem assim, as pessoas é que são muito tímidas e não gostam nem  arriscam  falar Inglês.
É a primeira vez que visita Busan.
-Tem o maior centro comercial do mundo.
O meu autocarro sai as 8.00 em ponto. Os Coreanos são pontuais e têm um sistema de transportes muito alargado e eficaz. É fácil e barato viajar dentro da Coreia. Os autocarros e o metro de Seoul são uma pechincha. Por 1200 Wons ( 80 cêntimos!!!)  faz-se uma viagem de 10 Km em boas condições e  saídas regulares de 10 em 10 minutos.  A dificuldade maior é perceber o  albabeto e as pessoas, contude  existe habitualmente informação bilingue nos transportes e nas placas  que facilita bastante o entendimento. 
No autocarro viajam poucas pessoas. É destinado apenas a estrangeiros, além de mim e  de um casal ocidental, os restantes passageiros são Asiáticos. Numa das estações de servico  (continuo com muitas dificuldades em identificar os alimentos)  peço  castanhas recheadas com chocolate. A rapariga olha para mim muito surpreendida, não está habituada a ver Ocidentais. Os adultos tambem não, mas disfarçam melhor.
Gosto de ver a paisagem. Durante a viagem vou observando os contornos e as cores do país, há muitas montanhas (não muito altas) quase sempre cobertas de árvores. As cidades e algumas culturas de arroz distribuem-se pelos vales encaixados. O perfil das cidades é feio, muitos arranha-céus cinzentos no meio.  Seoul está rodeada de montanhas verdejantes, olha-se em volta, e quando não há arranha-céus a escondê-las é o que se vê.
Em Gyeongju ouço falar Português, é o casal Ocidental. São Brasileiros em viagem  pela Ásia e  chegaram da China há dois dias. Perguntam  se também ando em viagem pela Ásia.
- Não,  só vim mesmo à Coreia do Sul. 
 O fulano do Bangladesh julgou que eu  devia ser muito viajado.
Vir  à Coreia do Sul não faz de mim uma  pessoa viajada. É natural que quem me encontra aqui julgue que sim.  Para  visitar  este pais tão afastado e com vizinhos bastante mais atrativos, como a China e o Japão, é porque já  deve ter visitado muitos outros antes.  
As razões que me trouxeram  foram a segurança; ser um país pequeno (ligeiramente maior do que Portugal e por este motivo mais fácil de conhecer); a cultura muito antiga,   um carácter forte com  história rica e tradições culturais;   a possibilidade de fazer caminhadas e, o mais importante, encontrar a minha irma  daqui a alguns dias.  
Em Gyeongju faco o check-in no Hotel e apanho logo um autocarro para o templo de Bulguksa, o mais importante da Coreia do Sul. Há muitos autocarros estacionados à entrada do recinto, excursões, familias, turistas Coreanos. Os Ocidentais continuam a ser raros. Na subida até ao templo vendem-se nas barraquinhas tradicionais   artigos esotéricos, budas em miniatura, intrumentos musicais , sombrinhas coloridas, balões e comidas.
Vejo um  tacho ao lume, pergunto à vendedora:
- Beondegui?
- Beondegui - confirma a senhora  que insite em  mo  vender.
- Não, de maneira nenhuma - dou a entender por gestos e sons. Só quero confirmar se é o que eu julgo, um dos petiscos mais apreciados  no pais,  larvas de bichos-da-seda cozidas.
Aqui não se passa fome, vendem-se batatas panadas para serem temperadas com sal ou açúcar, espetadas de animais desconhecidos,  temperos  muito fortes, doces de arroz. 
 Nas estações de servico vendem-se outras iguarias variadas e desconhecidas  a preços acessiveis. Quem não é  esquisito pode comer muito e barato.
Os visitantes rumam ao templo com fé, bebem água das fontes existentes ao longo da subida por  colheres de plástico ali penduradas, dão badaladas num sino gigante debaixo de um pagode, descalçam - se e rezam no interior dos recintos, prendem papelinhos no tecto dos templos.  
Tal como os Portugueses  quando visitam os locais de culto, aqui  só varia a forma e o destinatário dessa devoção. Em portugal são os Santos ou Jesus Cristo, aqui  Buda e as suas reencarnações.
Continuo a  visita e subo mais um pouco até à  gruta de Seokguram que tem um Buda gigantesco escavado no interior. É a principal estátua de Buda  no país, construida em granito há mais de mil anos, na época de um glorioso reino Coreano, Silla, com capital em Gyeongju.  A região tem muitas reliquias desse passado e obras de arte das mais importantes da Coreia. Este Buda tem um estilo arquitectonico representativo desse periodo e  um simbolismo muito forte,  está virado para o Japão, pais que invadiu a Coreia varias vezes e com o qual há muitos ressentimentos históricos.
Subo    até ao cume da montanha e fico deslumbrado com a paisagem. Sucessivos rebordos montanhosos, todos eles cobertos de verde. Uma mulher nova em fato de treino chega depois de mim,  olha para o horizonte, levanta os braços e cruza as mãos. Assim fica em posição de contemplação e oração perante tamanha  beleza natural.
No regresso ao Hotel passo por  um supermercado,  a senhora  da caixa é muito sorridente e diz Thank You. É uma vergonha ainda nao saber dizer Obrigado em Coreano. Pergunto como se diz Obrigado.
 - Gamsa namida.
- Gamsa namida. - respondo.  A senhora sorri mais ainda.
De  noite vejo um grande espectáculo de Folclore.   Muitissimo bom. Com percussão  de tambores em  madeira, flautas de bambu, instrumentos de corda  e artistas vestidos de forma tradicional. Tocam e cantam muito bem. Por fim, há um espectáculo de dança acrobática acompanhada pela percussão dos tambores e das flautas. Forte e mágico, o som parece desencantado das florestas primitivas. Os bailarinos fazem acrobacias até ao cansaço total, os percussionistas e flautistas sincronizados num ritmo  acelerado, o público a bater palmas. Chama-se Arirang esta dança tradicional, vi de noite mais um pouco num canal Coreano. Os artistas são seleccionados quando crianças e aprendem durante muitos anos a ser bailarinos e musicos de Arirang. 























Beondegui












Gruta de Seokguram