segunda-feira, 25 de março de 2013

Caminho Português de Santiago do interior (Bigorne- Peso da Régua)

4º Dia: Bigorne – Magueija- Penude – Lamego – Sandes – Peso da Régua (27 Km)
Peso da Régua

 
Vamos de Bigorne a Penude, ao longo da EN2,  debaixo de um vendaval de chuva, vento e frio.

Existem desvios pelo interior das aldeias, confusos e mal marcados que baralham totalmente o peregrino. Em Magueijinha vi setas amarelas a apontar em direcções opostas. Parece que alguém andou a brincar com os peregrinos em atos de vandalismo. Ou então é incompetência da Câmara Municipal de Lamego, responsável pela marcação do caminho dentro do seu concelho.

Recomendo seguir sempre pela EN2 entre Bigorne e Lamego, enquanto não se fizerem marcações decentes no interior das aldeias.

Outra falha neste concelho é a passagem pelo centro da cidade. Lamego tem um património histórico rico e diversificado, o caminho deveria passar pelos principais monumentos da cidade para os dar a conhecer e não passa. O pior troço do CPSI até ao momento.

De Lamego a Peso da Régua são mais 13 Km de estrada, sempre pela EN 2. A paisagem muda, entramos na zona demarcada do Douro e aparecem os socalcos.

Sempre chuva, vento e frio. Marcações irregulares, mal desenhadas e a estrada de alcatrão com curvas e contracurvas pelos socalcos até ao rio douro. O trajeto torna-se monótono e cansativo. Estamos exaustos, molhados e mal humorados.

Decidimos terminar o caminho no Peso da Régua e apanhar o comboio para o Porto. Talvez ainda este ano possamos retomar o caminho a partir desta cidade e seguir até Santiago, com melhores condições atmosféricas.

Encontramos os BTTistas na estação de comboio. Desistiram do caminho pelas mesmas razões que nós. Estão frustrados. A chuva persistente e terem de realizar o caminho sempre pela EN2 levaram-nos a optar por esta decisão. Os caminhos de terra enlameados e cheios de água foram obstáculos muito difíceis de transpor.

O regresso ao Porto foi agradável. Relembramos as peripécias, vimos as fotos e filmes do caminho, contamos as nossas histórias de bicicleta e a pé.

----------------------------------



Antes de iniciar o caminho pensei na probabilidade que teria de encontrar outros peregrinos. Caminhei com dois amigos que conheci em Viseu e não encontramos mais nenhuns peregrinos, excepto os BTTistas.

Se tivesse iniciado a jornada no dia anterior teria encontrado alguém?

Desde a inauguração do caminho, em Abril de 2012, passaram pelo albergue de Almargem apenas 51 peregrinos e no de Ribolhos 10. O mais provável seria caminhar totalmente sozinho.

Há quem acredite que nada acontece por acaso, que tudo tem uma razão de ser.

Que cordas do destino se teceram para nos encontrarmos neste caminho?




Lamego

Lamego

Pontes sobre o Douro em Peso da Régua

domingo, 24 de março de 2013

Caminho Português de Santiago do interior (Ribolhos - Bigorne)

3º Dia: Ribolhos – Vila Pouca – Moura Morta – Mezio – Bigorne (19,7Km)



Não para de chover. O céu está encoberto. Não há café em Ribolhos nem mercearia. Tenho algumas bolachas, uma lata de atum e uma maçã que me poderão ser úteis na caminhada de hoje.

A roupa que lavei ontem à noite está quase seca.

Somos só nós os três no albergue, espalhamos o nosso material na cozinha e fizemos dela uma lavandaria. Estendi um fio que trouxe, coloquei as molas, lavamos alguma roupa na bacia da louça e fizemos o estendal.

A cozinha tem eletrodomésticos mas não tem talheres.

Tomamos o pequeno-almoço com o pouco que temos.

--------------------------------------

O caminho atravessa o rio Paiva junto à praia fluvial. Não há nenhuma ponte ou passadiço para o atravessar, apenas poldras. A corrente estava muito forte e em alguns pontos as poldras eram tapadas pela água. É necessário muito cuidado e sangue frio para realizar esta travessia perigosa. Uma escorregadela é suficiente para cairmos à água e sermos arrastados pela corrente.

No meio da travessia comecei a tremer de nervosismo. Um momento com bastante adrenalina que nos entusiasmou depois de estarmos em segurança do outro lado do rio.

Mais à frente tivemos um desafio idêntico, desta vez no rio Paivó. Este rio é mais estreito, com menos corrente e profundidade do que o Paiva.

Um pescador que se encontrava no local disse-nos que mesmo assim era impossível não molhar os pés. Descalçamo-nos, arregaçamos as calças e atamos as sapatilhas na mochila para atravessar o rio.

Em Vila Pouca de Castro Daire tivemos que nos despedir da Natália. Vinha muito fatigada, física e psicologicamente, com as pernas doridas, joelhos inchados, constipada, enregelada, com dores de cabeça e indícios de febre. Paramos num café para comer e ali ficou a nossa amiga a aquecer-se à lareira, com as idosas da aldeia, à espera que a fossem buscar do Porto.

Despedimo-nos com emoção e lamentamos não poder continuar a contar com ela. No entanto aquela era a melhor opção a tomar, o trilho que fizemos a seguir veio a revelar-se muito complicado.

O trajeto é árduo. Não há pontos de apoio entre as localidades. Estas ficam distantes umas das outras e muitas vezes é difícil encontrar pessoas com quem falar. Não há pontos de abastecimento, multibancos, mercearias.

É adequado levar dinheiro e reservas suficientes de comida para alguns dias.

Mas o percurso é maravilhoso. Não cessa de surpreender e deslumbrar. Tem sido incrível caminhar nestas serras, atravessar as aldeias perdidas de granito, austeras e rústicas, por caminhos de terra batida com murinhos de pedra, trilhados apenas por pastores e gado. Caminhos ancestrais, rotas primitivas construídas pelos Romanos e depois aproveitadas pelos peregrinos de Santiago.

O caminho tem sido trilhado quase sempre por este tipo de caminhos e não por asfalto como acontece muito em Espanha e no litoral.

Um deslumbramento. Um país mítico, mágico e misterioso, perdido e envelhecido que se vai descobrindo.

Sentimo-nos uma espécie de pioneiros na divulgação deste caminho. A informação existente é ainda muito pouca e, em alguns casos incorreta, como darei a conhecer mais à frente. Na internet encontrei apenas o site do caminho e nada mais.

Espero que as minhas impressões e fotos o ajudem a divulgar em Portugal e no estrangeiro e que muitas pessoas fiquem com vontade de o realizar, porque até ao momento tem sido bastante “radical” e surpreendente em muitos aspetos.

-----------------------------

O Inverno tem sido chuvoso, muitos trilhos de terra transformaram-se em riachos. Caminhei pela lama, com água pelos tornozelos, molhei as calças até cima, debaixo de muita chuva e nevoeiro. As mãos enregelaram e doeram com o frio. Foi duro. Não é um percurso para qualquer um. Mas o sentimento tem sido de liberdade, purificação e alegria.

----------------------------

Em Bigorne entramos no primeiro café que apareceu, café Giesta, para descansar e telefonar para o albergue.

- Não há albergue em Bigorne – diz-nos a proprietária do café – o próximo é em Penude, a 11 Km daqui.

- Mas diz aqui neste guia que há albergue em Bigorne.

- Pois, mas a junta de freguesia acabou por não se comprometer com o albergue.

- Então, onde é que podemos ficar? – perguntamos.

A proprietária ofereceu-nos alojamento na casa de familiares. O Vasco e eu dormimos num pequeno quarto, enfiados nos sacos camas e com as mantas da cama por cima. As pessoas da casa foram simples, humildes e generosas por receber dois estranhos.
O Rio Paiva

Os meus companheiros mentalizando-se para a difícil e perigosa travessia do rio

A intrépida Natália

O destemido Vasco

Na travessia do Paivó

O Rio Paivó















A estrada transformada em regato






Uma estrada de água



sábado, 23 de março de 2013

Caminho Português de Santiago do interior (Almargem - Ribolhos)

2º Dia: Almargem- Cabrum- Vila Meã – Mões – Vila Boa – Grijó – Ribolhos (23.6Km)



Uma chuva diluviana abate-se de noite sobre o albergue. Durmo mal e acordo regularmente com o barulho da chuva e com o ressonar do vasco que dorme no saco cama ao lado.

“Como estará o terreno com toda a chuva que tem caído?”

Os meus companheiros também acordam com o barulho da chuva. Natália está meia constipada e queixa-se que é a segunda noite que passa sem dormir.

O terreno provavelmente estará todo enlameado.

--------------------------------------------------------

O percurso segue pela serra de Montemuro entre tufos de carqueja, queiró e pinheiros.

Existem subidas com algum declive, longas e desgastantes. Nos pontos altos da serra desfruta-se de uma vista maravilhosa.

A paisagem é deslumbrante.

As pessoas com quem nos vamos cruzando parecem fechadas, mas depois de uma abordagem inicial gostam de conversar. O Vasco tem revelado um talento especial para as pôr à vontade e meter-se com elas.

Desde que ontem me juntei ao Vasco e à Natália que temos andado sempre juntos. Três solitários peregrinos no caminho Português de Santiago do interior.

Há muita cumplicidade entre estes dois amigos. Conhecem-se bem e fico contente por partilhar estes episódios com eles.

O Vasco tem idade para ser meu pai. Foi forcado, ator, duplo de cinema, maratonista, mágico. Um homem com uma vida rica de experiências e com muita energia e atitude positiva.

A Natália é idealista, sonhadora, simpática e muito bonita.

O caminho está repleto de surpresas. Encontramos uma aldeia sem eletricidade e água canalizada, habitada por hippies modernos. Pessoal urbano que decidiu abandonar a vida desgastante e sem sentido e procurar um refúgio e um sentido de vida no meio da serra e no contacto com a natureza. Parecem felizes e saúdam-nos de sorriso aberto.

São uma comunidade formada por alguns casais jovens e crianças. Um miúdo anda feliz de bicicleta pelo trilho que atravessa a aldeia. Mete-se connosco e tem uma curiosidade tremenda. Faz perguntas que só uma criança de 10 anos consegue fazer e simpatizamos imediatamente com ele.

Surge um grupo de BTTistas que vai para Santiago. Ficamos conversar com eles enquanto os hippies passam atarefados por nós.

Depois da aldeia surge a ribeira de Cabrum que separa os concelhos de Viseu e de Castro Daire. Para a atravessar é necessário tirar as sapatilhas e as meias.

Mões surpreende pela beleza e arquitetura tradicional. Foi sede de concelho, tem pelourinho, comércio, lojas, multibanco e restaurantes. Uma raridade encontrar tantos serviços numa vila que nem sequer é sede de concelho. Pertence a Castro Daire.



------------------------------------------------------------

Às 6 da tarde telefonamos para o albergue de Ribolhos. Após descrevermos o local onde nos encontramos, julgando que estamos muito próximos, respondem-nos que ainda faltam 6 Km.

É um balde de água fria. A Natália queixa-se de dores no corpo, está mal disposta, caminha muito devagar e o Vasco tem que acompanhá-la.

Começo a ficar nervoso porque ao ritmo que vamos não será possível chegar de dia ao albergue.

Sugiro ficarmos por Mões e chamar um táxi para nos levar ao Albergue.

- Não! O caminho tem que ser feito a pé – responde o Vasco.

Ando mais depressa para tentar puxar por eles. Não adianta, continuam muito devagar, cada vez mais longe. Espero. Fico impaciente. Volto a insistir.

- De certeza que não querem chamar um táxi? Falta pouco para anoitecer e de noite é uma chatice.

- Se for preciso usamos lâmpadas – responde o Vasco.

Até que a Natália diz:

- Vai sozinho à frente, quando chegares ao albergue diz como é o percurso até lá e se for preciso chamas alguém para nos vir buscar.

Assim foi. Meti o turbo e comecei a caminhar contra o tempo. Ao fim de trinta minutos de uma passada rápida chego a uma aldeia e pergunto a dois idosos se estamos em Ribolhos.

- Ainda falta, tem que atravessar a floresta e descer.

Sigo o trilho, cada vez mais sombrio e escuro pelo meio da floresta. Surge uma subida e começo a ficar realmente cansado.

Ligo para os meus companheiros e com voz ofegante aconselho-os a não caminhar mais, a ficarem pela primeira aldeia que encontrarem, que depois chamaria alguém para os ir buscar.



Começo a imaginá-los perdidos no meio da serra e que a mim ainda me dá qualquer coisa. Caminho o mais que posso. A floresta sombria nunca mais acaba e está quase de noite.

Chego ao albergue. Espero impacientemente que venham abrir a porta. Conto a situação à senhora que aparece. Ligo para os meus amigos, o telefone está interrompido.

Entretanto, o Vasco consegue entrar em contacto com o presidente da Junta de freguesia que havia saído da missa. Dá-lhe uma localização aproximada e são recolhidos alguns minutos depois e transportados ao albergue.

--------------------------------------------------------------



Convém levar em cada etapa alguma comida energética, visto que distância entre as aldeias é grande e poucas têm mercearia.

Em Ribolhos não há restaurante ou café, o local mais próximo fica nas termas do carvalhal.

Para transportes a Castro Daire ou termas do Carvalhal, há um taxista na aldeia, o Sr. Pedro Almeida, cujo contacto é: 96 629 43 65.











A ribeira de Cabrum

Ribeira de Cabrum














Pelourinho de Mões

Mões
Mões


Mões


Albergue de Ribolhos