segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Mata do Bussaco









Sigo no encalço de Jaime Cortesão que aqui esteve e escreveu A Elegia Mística do Buçaco, uma das crónicas do seu livro: Portugal - a Terra e o Homem. Escrito no final da vida, após a autorização do Estado Novo para regressar do exílio no Brasil. Nota-se uma certa nostalgia no tom da escrita, pressentindo que não mais regressaria à mata do Buçaco, local  onde vinha frequentes vezes quando moço.

Natural de Ançã, Cantanhede, aqui próximo. Cursou medicina, alistou-se como voluntário na 1º Guerra Mundial. Sofreu os efeitos da guerra química, tendo ficado doente dos pulmões e vindo restabelecer-se em sanatórios que na época existiam na Praia de Mira. Experiência igualmente relembrada neste livro em O Levantar das Redes. No Porto, onde leccionou, colaborou na fundação da revista Águia.

Nesta cidade de tradições democráticas e liberais, palco do 24 de Agosto de 1820 e do 31 de Janeiro de 1891, foi um dos lideres da revolta de Fevereiro de 1927 contra a ditadura militar. Vencido,  fugiu para Espanha e depois  exilou-se em França, de onde sairia para o Brasil, após a Invasão Nazi em 1940.
Várias vezes preso e exilado por motivos políticos, faleceria em 1960 com 76 anos de idade, pouco tempo depois de regressar a Portugal e de escrever os textos deste Portugal- A terra e o Homem.

A Mata é gerida pela Fundação Mata do Bussaco .O trânsito, no interior, está condicionado e um automóvel ligeiro paga 5 € para entrar. Quem preferir não pagar e estiver disposto a fazer uma caminhada maior pode deixar a viatura no centro da vila do Luso e seguir as indicações pedestres até ao Palace Hotel do Bussaco.

No loja de turismo em frente do Hotel, além da venda de produtos típicos, fornecem-se mapas com a indicação de 5 trilhos pedestres: Água, Floresta Relíquia, Militar, Natureza e Via Sacra.

Releio A Elegia mística do Buçaco, identifico no mapa os locais descritos por Jaime Cortesão e sigo em direcção às Portas de Coimbra, pelo trilho da Floresta Relíquia, onde se encontram gravadas as duas bulas dos papas Gregório XV e Urbano VIII, que proibiam a entrada de mulheres no Deserto e o abate de árvores da mata pelos leigos. Pretendeu-se que a mata fosse como um Deserto, destinado à contemplação e ao silêncio. Isolado pelas árvores e vegetação frondosa, devotado à meditação dos Carmelitas Descalços, ordem a quem foi doada a mata pelo bispo de Coimbra em 1628.

Subo pelo mesmo trilho até à Cruz Alta. Talvez a principal característica da mata do Bussaco, e a mais deslumbrante, é a diversidade e riqueza da sua vegetação. Neste trilho podem ser admirados alguns dos seus mais belos exemplares. Os mais carismáticos são os Cedros, inicialmente plantados pelos monges, importados do México, que no entanto se tornaram endémicos e agora têm nomenclatura própria na botânica, sendo designados por Cupressos lusitanica, em nome comum, Cipreste-de-portugal ou Cedro-do-Buçaco. Os adernos, azereiros e loureiros são outras relíquias. Na Cruz Alta avista-se a Beira Litoral, a serra do Caramulo, que a divide da Beira Alta, e toda a planície costeira até à Figueira da Foz.

Regresso pela Via Sacra, passando pelas várias capelas que representam os passos da paixão de Cristo. No interior, escultoras de barro com figuras em tamanho real. Próximo da Varanda de Pilatos, fotografo o cedro de São José. Não o consigo apanhar na totalidade com a objetiva da minha máquina. É enorme, estende-se para o céu. Uma placa indica que terá sido plantado provavelmente em 1644.

Visito o Convento de Santa Cruz. É simples, pequeno, com uma igreja e várias capelinhas. A Capela da Sagrada Família tem uma tela com este nome da autoria de Josefa de Óbidos. Religiosa Andaluza que se radicou na vila que lhe deu o sobrenome e autora de alguns dos mais importantes quadros religiosos feitos em Portugal no século XVII. Apropriado a esta época.

Numa das celas pernoitou em 27 de Setembro de 1810 o Duque de Wellington, após ter vencido uma batalha contra os Franceses nas encostas desta serra. Os vestígios militares são comuns. Noutra altura virei cá realizar o trilho militar e descobrir mais sobre a história e os acontecimentos que se deram no Bussaco.

Por enquanto, após descobrir as Portas de Coimbra, subir à Cruz Alta e visitar o convento, circundo o Hotel. Observo-lhe os temas Manuelinos na fachada, a decoração barroca e rendilhada, o estilo revivalista do edifício. Sítio silencioso, estiloso, belo, com um restaurante e hotel de luxo. Observo os painéis de azulejos com temas da mitologia dos descobrimentos, o Adamastor, as colunas ao longo do corredor. Edifício contíguo ao convento, construído entre 1888 e 1907, desenhado segundo os cânones que citei.

Do outro lado do jardim do Hotel decorre a apresentação de um presépio vivo. Aproximo-me.

- Bom dia – digo aos figurantes.

- Shalom – respondem.

“Isto é que é realismo”, penso.

Uma “Judia” faz o pão ázimo. De um lado, os Judeus adoradores do Messias acabado de nascer, do outro os Centuriões Romanos, inimigos dos Judeus. Numa encenação que coloca em sítios opostos estes figurantes, simulando isso mesmo, a oposição dos dois povos.

- Avé – levanta o braço, fazendo a saudação Romana, um dos figurantes.

- Bom dia – respondo. “Estes tipos levam isto mesmo a sério”.

No interior do armazém a representação da virgem com o Deus Menino, o São José e um burro verdadeiro. Outros “Judeus” tocam instrumentos de percussão e sopro.

Os trilhos não parecem ser demasiado compridos. Dependendo da hora a que se começa e do ritmo da passada, pode-se regressar ao ponto de origem e iniciar outros trilhos, ou parte deles. Como ainda me restava algum tempo e gostei do nome resolvi visitar o Vale dos Fetos Um caminho em terra batida rodeado de fetos, alguns com mais de dois metros de altura. Uma paisagem Jurássica e uma escadaria com água a escorrer (a Fonte Fria) até um pequeno lago com cisnes.

A Vila do Luso é conhecida pelas termas e pela água mineral engarrafada. No centro da localidade há uma nascente com várias bicas onde as pessoas se abastecem gratuitamente de água. Foi vê-las com dezenas de garrafões de 5 litros a fazer fila para os encher e depois a transportá-los para os carros estacionados ali perto, enquanto outros familiares continuavam a encher mais garrafões. Comprar uma garrafa de água seria o cúmulo do desperdício na vila do Luso.

Palace Hotel do Bussaco

Presépio Vivo

Hotel do Bussaco

Convento de Santa Cruz do Bussaco

Sagrada Família, Tela de Josefa de Óbidos
Cela do Convento


Portas de Coimbra


Em frente às Portas de Coimbra



 
Bulas dos Papas Gregório XV e Urbano VIII

Cruz Alta


















Beira Litoral


Vale dos Fetos


















sábado, 3 de dezembro de 2011

Caminhos do Vale do Urtigosa
























O caminho está repleto de cogumelos. A minha frustração é não saber identificar os comestíveis. Alguns, exceptuando o inconfundível Amanita muscaria, têm um aspecto bastante apetecível. Por questões de segurança e bom senso não os apanhei, claro.

Há muitos castanheiros e ouriços no chão. As árvores começam a perder a folha e em muitos troços do percurso, para além dos ouriços, há um tapete denso de folhas amarelo acastanhadas que, ao serem pisadas, fazem um barulho característico, como se estivéssemos a caminhar com água pelos pés.

O percurso tem muita sombra, há zonas de bosque denso e nesta altura do ano, com muita chuva, há muita humidade e os regatos têm um caudal maior.

Em determinadas partes, o carreiro é estreito e íngreme com uma ribeira a correr lá em baixo. É necessário algum cuidado para não escorregar e cair pela ribanceira. A vegetação densa que existe nas margens pode ser uma ajuda.

Para quem começar a realizar o percurso na Igreja matriz de Rossas, independentemente do sentido que siga, terá sempre que começar a subir. Este ponto de partida está à cota mais baixa. A vantagem é apanhar as maiores subidas no início da caminhada, quando não se está tão cansado, e as descidas na parte final, quando o cansaço é maior. No entanto pareceu-me que o sentido Rossas, Lourosa de Matos tem uma parte inicial menos íngreme do que o sentido inverso. Talvez por esta razão seja menos cansativa esta opção.

A igreja matriz de Rossas é muito antiga, tem um aspeto românico e com altos relevos da Cruz de Malta no pórtico de entrada. Nos marcos de pedra que delimitam os limites da freguesia também está gravada a mesma cruz. Creio ter lido algures que em tempos estes terrenos foram doados à ordem de Malta, daí a razão de haver estes símbolos (mas não tenho a certeza, é apenas uma hipótese minha).

Uma parte do caminho coincide com a Grande Rota de Arouca (GR 28). Muito próximo do lugar de Souto Redondo passa um outro PR de Arouca, o 16 - Caminhada Exótica. Lá no alto, no estradão de terra batida que começa próximo da capela de Nossa Senhora da Laje.
As aldeolas dispersas pela encosta Norte da Serra da Freita pertencem às freguesias de Urro e Rossas: Lourosa de Matos, Souto Redondo, Póvoa, Provisende.

Como já é habitual nos percursos pedestres de Arouca, este está bem sinalizado e não há qualquer razão para os pedestrianistas se perderem.

Os acessos por estrada são fáceis, deve-se seguir a estrada nacional 224, que liga de Vale de Cambra a Arouca e, uns 5 Km antes do centro, virar à direita numa placa que diz Igreja, já dentro da freguesia de Rossas, cujo inicio é indicado por uma placa na mesma estrada.

O Rio Urtigosa é uma afluente do Arda que, por sua vez é afluente, do rio Douro. Nasce na serra da Freita.

O percurso discorre ao longo das margens destes dois rios e de outros pequenos ribeiros. As águas são límpidas, predominam as trutas, as bogas e os escalos. As margens têm moinhos abandonados, pequenas cascatas e vegetação ripícola abundante.
Igreja Matriz de Rossas
 














Este cogumelo tinha um aspeto tão apetitoso, seria comestível?

Souto Redondo











domingo, 27 de novembro de 2011

A Aldeia Mágica










O percurso está em obras entre Regoufe e Drave. Alguns trabalhadores da Junta de Freguesia de Regoufe andam com martelo pneumático e camião “Lagarta” a alargar (para mim, a destruir) o velho carreiro que une estas duas localidades. Dentro de semanas o percurso ficará a ser um estradão largo de terra batida entre as duas aldeias. O piso irregular, estreito, antigo, ladeado de muros de xisto com velhos sobreiros encostados é, para mim, um dos grandes atrativos do percurso. Infelizmente, talvez tenha sido a última vez que o vi assim. Isto é ” Se não acabar o dinheiro”, conforme me disseram os trabalhadores.

Ainda são visíveis em alguns troços as lages de xisto sulcadas pelas rodas dos carros de bois. Todas estas marcas desaparecerão e com elas mais alguns vestígios de atividades passadas que duraram centenas de anos. O percurso passará a ser mais um estradão de terra igual a tantos outros, depois virão as carrinhas, as motoquatros e outros veículos motorizados perturbar a paz do local. Perder-se-á o silêncio e a fruição de caminhar em vias estreitas e irregulares, o gozo que é ver Drave (a aldeia mágica) ao contornar uma curvinha, a aproximação entre os murinhos, sobreiros e pequenos regatos que escorrem para a Ribeira de Palhais. Alguns dos ribeiros serão provavelmente entubados ou simplesmente desviados.

Existe atualmente uma estrada alcatroada pela encumeada da serra que liga todas estas aldeolas de Arouca, não era necessário mais este acesso. Mas eu não sou de cá, talvez quem aqui viva esteja muito contente com as obras. No entanto, acho incrível a facilidade com que se decidem estas coisas e não se pensam em alternativas mais originais e surpreendentes do que construir mais estradas.

A aldeia está desabitada, o último casal que a habitou abandonou-a há cerca de 10 anos. Uma das casas foi doada aos escuteiros de Arouca que vêm para cá aos fins-de-semana.

A capela da aldeia tem uma placa que nos informa da realização de uma missa para 600 pessoas em 1946 mandada celebrar pela família Martins. No solar desta família foi realizado um banquete para todas essas pessoas nessa mesma data. Outra placa nos diz que o telefone e a Energia Solar foram inaugurados em 1993 por iniciativa de mais uns Martins de Drave.

A eira comunitária, os espigueiros, as casas fechadas, as portadas, as pontes em madeira construídas para passar para o outro lado do ribeiro, os prados, a profusão de água e pequenas cascatas, os sobreiros e pilriteiros em fruto nas margens, a total ausência de pessoas. Mágico, bucólico e paradisíaco.

No regresso ouviu-se novamente o barulho do martelo pneumático a quebrar o xisto e o camião a aplainar e deslocar terra.

Em Regoufe os animais domésticos deambulam pelas ruas. Dos currais chega o balir de ovelhas, as vacas Arouquesas cruzam-se com as pessoas sem se importunarem minimamente com a sua presença, cabras equilibradas nas encostas rochosas, galinhas nos degraus de um quintal, mais um rebanho de ovelhas que vem na mesma rua e volta para trás assustado com os estranhos que se lhes deparam no caminho.
Minas desativadas de Volfrâmio, Regoufe

Regoufe

Retrato de família, Regoufe


Regoufe


Ribeira de Palhais


O que está a ser feito ao velho caminho



O que resta ainda do velho caminho


Ribeira de Palhais

Quase em Drave

Drave
Drave




Drave

Drave



Regoufe