sábado, 24 de dezembro de 2022

Bonobos


Por Greg Hume - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15057912

Os bonobos pertencem ao grupo dos grandes símios, a par dos chimpanzés, gorilas e orangotangos. São os menos numerosos, apenas 20 000 em estado selvagem, os que tem o habitat mais circunscrito (recantos remotos da floresta tropical da República Democrática do Congo), os mais vulneráveis e os que correm maior risco de extinção.

É quase impossível observá-los em estado selvagem. No documentário: “Os grandes símios do planeta”, produzido pelo canal alemão NDR, o melhor que o repórter conseguiu, ao fim de alguns dias embrenhado na floresta tropical acompanhado por ex-caçadores furtivos e uma ONG local, foi encontrar uma fêmea, morta e mutilada, a quem roubaram a cria. 

As fêmeas dão à luz uma vez em cinco anos.  É impossível retirar-lhes  a cria  sem a matar. Ela protegê-la-á até à morte.  

Nunca foi observado em estado selvagem ou em cativeiro um bonobo a assassinar outro. Os bonobos resolvem os seus conflitos através do sexo. Fazem muito sexo, em todas as posições, com vários parceiros. Ao invés, os seus parentes  e vizinhos chimpanzés são agressivos e violentos, capazes de matar e de  levar a cabo  guerras fratricidas,  só terminando com o extermínio total de um dos grupos rivais. Também fazem sexo, claro, mas não o usam para resolver conflitos e apaziguar as tensões.

O ser humano é geneticamente idêntico aos chimpanzés e aos bonobos em 98%. Com qual dos dois se assemelha  mais o seu comportamento? A evolução transformou-o  num grupo de chimpanzés mais sofisticado que desenvolveu ferramentas de destruição massiva. 

A invenção da agricultura no neolítico, o consequente surgimento de civilizações e de hierarquias sociais potenciaram a manifestação dos instintos mais violentos da humanidade. Thomas Klikauer estabelece um paralelismo entre os chimpanzés e o Homo sapiens - apelidando ambos de símios assassinos - e o ecocídio global, perpetrado pelos últimos, entre eles, contra  as outras espécies e  habitats, colocando-se a si próprios em risco de extinção. 

O autor refere que há uma tendência castradora na história da humanidade,  manifestando-se no fascismo, na  religião e no autoritarismo.  Fenómenos repressivos  que exercem controlo sobre o indivíduo e as sociedades por meio da coação psicológica e, quando necessário, pela violência física e pelas  perseguições, intervindo no domínio íntimo das pessoas. São conhecidas as caças às bruxas na idade média, mulheres que muitas vezes tinham a ousadia de exercer livremente a sua sexualidade. Os ditames religiosos definem o correto e o errado, condenando e punindo quem sai da norma. A conhecida “posição do missionário” não foi mais do que a tentativa de impor e considerar aceitável uma única posição para o coito. Os missionários cristãos observaram escandalizados que os nativos americanos, além de andarem nus  “com as suas vergonhas a descoberto”, como descreveu Pêro Vaz de Caminha, também faziam sexo em diversas posições. 

A história humana está repleta de exemplos violentos. 

Pelo contrário, o bonobo representa o lado  tolerante que a humanidade podia ter seguido. 

A sexóloga Susan Block desejou que  2022 fosse mais  bonobo e menos chimpanzé. Acabou por ser um ano terrivelmente “chimpanzé”: a Rússia invadiu a Ucrânia, em Moçambique intensificou-se o conflito de Cabo Delgado, as perspetivas de paz continuaram desoladoras em muitas comunidades e países.

O único bonobo vivo que apareceu no documentário estava preso em condições degradantes num mini-zoo no topo de um prédio de Banguecoque, vítima de comércio ilegal. Tinha cerca de 10 anos, um jovem adulto que não compreendia porque estava ali, malnutrido, olhar vago e perdido. Condenado.

Os Bonobos capturados ilegalmente  na melhor das hipóteses participarão em espetáculos para diversão da assistência, vestidos como humanos, humilhados, destituídos da sua natureza.  

Os grandes símios são capazes de aprender a linguagem gestual, clicar em teclados e fazer tarefas simples em computadores e telemóveis.   Sofrem depressões e traumatismos psicológicos, tal como os humanos.

Um ex-caçador disse quase a chorar que quando apontava a arma para um bonobo, ele não fugia, olhava-o fixamente, começava a emitir sons tranquilos, como que a falar calmamente, perguntando-lhe por que motivo o ia matar, que mal lhe fez ele,  a tentar dissuadi-lo de disparar.

sábado, 5 de novembro de 2022

Nossa Senhora do Salto

O rio Sousa na Nossa Senhora do Salto

Estamos a apenas 20 km do centro do Porto e, no entanto, é como se estivéssemos bem mais longe. O troço de Alvre é mais aberto, os eucaliptos desapareceram. As encostas da serra de Santa Iria têm o solo seco, propício aos matagais, onde crescem as urzes, o tojo, a carqueja, a giesta. Os sobreiros estão-se a expandir. Cercamos um medronheiro frondoso repleto de frutos amarelos e vermelhos, redondinhos como bolas de ping-pong. Apanhamos e comemos os dos ramos mais baixos.

Alvre pertence à freguesia de Aguiar do Sousa, concelho de Paredes. São bem visíveis ainda os vestígios rurais: ramadas de uvas americanas, campos cultivados em socalco, quintais,  quintas e casas de xisto. Mas são poucos os que realmente se dedicam à agricultura:  uma idosa corta erva com a foice, as ovelhas pastam à sua volta. Dali a pouco ela passará por nós na estrada de paralelos levando-as para o curral. Os restantes habitantes devem trabalhar nos serviços e alguns no porto. A CREP passa mesmo ao lado e dali segue-se para qualquer sítio. Por enquanto, esta proximidade viária não se nota na procura de casas e em novos moradores. O lugar continua pacato, o silêncio é interrompido pelo ruído das moto quatro que percorrem a serra aos fins-de-semana.

A caminhada começou na Nossa Senhora do Salto. O local é bonito, as falésias são abruptas, caem a pique. Conta a lenda que um cavaleiro gritou: “Valha-me Nossa Senhora!”, enquanto se despenhava no precipício. Esta fez o milagre de o pousar como uma pena no chão. O rio Sousa forma aqui um canyon de águas rápidas e agitadas, correndo impetuoso, atravessando a garganta estreita que escavou na rocha dura. Uma das colegas diz que foi no rio Sousa que aprendeu a nadar. Imagino que atualmente ninguém nade nele, a água está poluída. Há um cheiro ligeiramente desagradável no ar.  

A 3.ª sessão da formação “Aprender no Campo” terminou  com um convívio pic-nic na margem do rio, iluminado pela lua quase cheia.  A Glória, professora de Geografia, veio de Guimarães. Trouxe uma broa caseira: “a broa de Guimarães”, como rapidamente se tornou conhecida, que todos quiserem provar e elogiaram.  O José Fernandes levou um vinho do Porto “Velhotes” – uma aposta certa – que ajudou a aquecer a noite fria. A Dra. Raquel Viterbo, Diretora Executiva do Parque das Serras do Porto, fala dos projetos  e do modelo de gestão dinâmica em que participam  diversas entidades e parceiros, atuando ao nível da conservação, recuperação do património histórico e ambiental. “Há muitos eucaliptos, é verdade,  mas não podemos cruzar os braços. Continua a haver muito património e biodiversidade para defender e valorizar.” Oferece - nos um pacote com todos os guias da rede de percursos pedestres das serras do Porto e um chapéu do parque. Todos os percursos de Paredes começam na Senhora do Salto. Cada concelho criou os seus próprios trilhos, que se cruzam e ligam entre si.  Foi criado um percurso de grande rota com 108 km de comprimento.  Ao todo 18 percursos.  Há muito para explorar e descobrir  nas serras ao pé do Porto.

Tivemos a companhia de um podengo esfomeado que ora ia à nossa frente, farejando, vasculhando os muros e as árvores, ora voltava atrás verificando se não faltava ninguém.

Provavelmente foi abandonado. Novito, dócil, mas desconfiado, nunca se aproximou em demasia, talvez  traumatizado pelo abandono e maus tratos recentes. Não entrou em Alvre. Quando iniciamos o regresso à Senhora do Salto, lá estava ele à saída da aldeia, à nossa espera. A companhia que nos fez foi recompensada com as fatias de chouriço, os restos de empadão de atum e de folhado de carne que lhe fomos atirando para o chão. Arrefeceu muito ao início da noite.  Ele colocou o rabito entre as pernas, fazendo com que as suas costelas no corpo  esquálido se notassem mais. Por fim, desapareceu algures na escuridão, procurando um abrigo onde se pudesse proteger do frio, menos esfomeado do que habitualmente.  

 




As marmitas de gigante, fenómeno geológico.

Madressilva

Outro troço do Rio Sousa. É evidente o problema da eutrofização.

A ribeira de Santa Comba, entre a Nossa Senhora do Salto e Alvre. Desagua no rio Sousa.  Ao contrário deste, tem águas límpidas e transparentes.

Medronhos

Sobreiro à entrada de Alvre

Campo agrícola em Alvre. Vê-se ao longe o viaduto da CREP sobre o rio Sousa. 

Entrada em Alvre

Ambiente totalmente diferente a 20 km do centro do Porto: 





O rio Sousa em Alvre

O nosso companheiro especial, pouco antes de desaparecer na escuridão.

sábado, 15 de outubro de 2022

Fojos da Serra de Valongo

Fojo das Pombas

Nos dias frios de Inverno  as neblinas evolavam dos buracos escavados nas encostas da serra. Diziam as gentes de então que eram os cozidos das mouras. Na realidade, trata-se apenas de um simples fenómeno atmosférico: o calor do solo em contacto com o ar frio provoca a condensação da humidade. A serra fica envolvida num ambiente de brumas, propícias ao misticismo. Assim, surgiu mais este mito de mouras encantadas, que cozinhavam escondidas nas entranhas da serra, cujos fumos chegavam cá fora. 

Os inúmeros fojos espalhados na  serra de Valongo são túneis escavados no tempo dos romanos, para oxigenar o interior das minas. Muitos estão sinalizados e vedados por cordas e arames. Outros continuam ocultos entre as silvas e as rochas. É perigoso caminhar fora dos trilhos. Este foi provavelmente o maior complexo mineiro do império romano. "Tratava-se de um sistema produtivo brutal", diz o José Rio Fernandes. Era um sítio pouco habitado, como continua a ser atualmente (comparativamente com outras zonas do grande Porto), dedicado exclusivamente à extração e transporte do ouro e à alimentação dos escravos. O ouro partia depois de Crestuma para Roma. 

No fojo das Pombas, onde terminamos a nossa visita, o microclima húmido e quente permitiu o desenvolvimento de fetos, plantas raras e o estabelecimento de colonias de morcegos-de-ferradura que se alimentam de insectos. 

Antes havíamos parado na aldeia de Couce e junto de formações rochosas nas quais a Isabel Fernandes explicou a origem do relevo dos locais que visitamos. O V invertido da anticlinal de Valongo é o resultado dos movimentos tectónicos que dobraram a crusta e do posterior desgaste provocado pela erosão dos xistos, onde os rios Sousa e Ferreira foram escavando  os seus vales. Restaram as cristas quartziticas, muito mais resistentes à erosão, que hoje formam a anticlinal, constituída, entre outras, pelas serras de Pias e de Santa Justa.  



Umbilicus rupestris (Umbigo-de-Vénus)

Couce, Valongo



Linária




sábado, 8 de outubro de 2022

Valongo, terra do pão


 “Valongo é terra de pessoas supersticiosas”, diz Raquel, a guia na Oficina da Regueifa e do Biscoito. O centeio ganhava o esporão (Claviceps purpúrea), o fungo a partir do qual se começou a extrair o psicotrópico LSD.  Na idade média era o “pão das bruxas”, provocava alucinações e comportamentos bizarros, supostamente “fazia voar” quem o ingeria. Outra curiosidade surpreendente: a farinha é combustível. O atrito do rodízio na pedra podia faíscar e provocar uma grande explosão, havendo muita farinha no ar.  Gravava-se uma cruz na parede “para o diabo não entrar lá dentro”. Acreditava-se assim que o moinho nunca explodiria.

Fomos circulando pela oficina ouvindo a cativante Raquel e as suas histórias. No último piso estão expostos todos os tipos de biscoito fabricados na cidade: “estão aqui há dois anos e ainda não ganharam bolor”, diz-nos.  Os biscoitos eram desidratados e cozidos “duas vezes” (Bis – Coito?), não tinham sabor, aguentavam muito tempo, eram imprescindíveis nas grandes viagens marítimas. Mais tarde, com o advento das especiarias, os fabricantes começaram a introduzir os diversos sabores que os caracterizam atualmente, indo ao encontro do gosto mais refinado dos comerciantes Ingleses da cidade do Porto,   que os acompanhavam com o chá. 

Raquel mostra-nos “o percurso do pão” uma linha sinuosa que vai de Valongo ao Porto pela antiga estrada real, coincidente em parte com a atual EN 15. As padeiras percorriam descalças 14 km com a jiga na cabeça.  Subiam a serra de santa Justa, local isolado frequentado por assaltantes, atravessavam Baguim do Monte e Rio Tinto – aqui as saias compridas iludiam  os fiscais, escondendo-lhes os pés, caminhando  descalças mais alguns quilómetros. No Porto era  proibido andar descalço na rua. Vendiam o pão em Mijavelhas (?),  Corujeira, Praça de São Bento e Cedofeita. 

Vimos o holograma da Dona Teresa, uma das mais idosas padeiras da cidade, durante décadas foi de Valongo ao Porto vender  pão. Fala do pai, também padeiro,  que ia ao Porto e à feira dos Carvalhos. Saia de madrugada  e regressava  na camioneta das sete: “uma vida difícil!” 

No pequeno trajeto que fizemos da igreja matriz à capela da Boa-hora, pela rua Sousa Pinto, os cartazes colocados nas fachadas devolutas  com as fotografias dos antigos proprietários relembram as padarias que ali existiram.  Chegaram a funcionar em simultâneo 123 fornos. Em Cedofeita, no Porto, na mesma época, apenas três. Eram comuns os casamentos entre famílias de padeiros: a noiva transferia para o futuro marido  os clientes do pai. A nova família recebia assim, como dote, uma nova carteira de clientes. As mulheres estavam impedidas por lei de serem herdeiras. 

Visitamos a exposição Earth to Earth   no Museu e Arquivo Municipal, contando a origem dos principais cemitérios do  Porto, cujos jazigos eram construídos com lousa de Valongo.  

Terminamos na sede do Parque das Serras do Porto na companhia do Nelson Branco, nosso guia durante uma parte da visita.  Sempre prestável e um valonguense  orgulhoso da sua terra. No auditório alertou-nos para o problema da eucaliptização das serras, referiu o papel que a câmara de Valongo está a ter na mitigação do mesmo,  rescindindo contrato com a Navigator e plantando cerca de 2000 árvores autóctones nos terrenos sob a sua jurisdição. Os restantes continuam na alçada dos privados, sem dinheiro para proceder à limpeza e plantar espécies autóctones, sendo mais rentável alugá-los às empresas de celulose que exploram os eucaliptos e pagam renda. Outro problema na gestão do parque é o conflito de interesses com os veículos motorizados, que todos os fins de semana atravessam a serra, adulterando e abrindo novos trilhos, provocando desequilíbrios. Estabeleceu-se um diálogo interessante entre o José Rio Fernandes e o Nelson Branco analisando estes conflitos e os novos desafios que, no entanto, surgiram, como a possível colocação de eólicas nos cumes.    A gestão do parque “é como um puzzle que se vai montando”, concluiu o Nelson Branco.

No fim da visita foi-nos oferecido um  simpático lanche com típicos biscoitos de Valongo, confecionados na padaria Paupério: lenas de chocolate, fidalgos, milhos e torcidos.   


Rua de Sousa Paupério


Igreja matriz de Valongo, teve como modelo a igreja da Lapa



Fábrica e loja Paupério

Palácio de Bernardo Martins da Nova: Museu Municipal e Arquivo Histórico

Oficina da Regueifa e do Biscoito, praça do Centenário

Dona Teresa (Holograma), Oficina da regueifa e do Biscoito

Variedade de biscoitos de Valongo (ORB)

Sede do Parque das Serras do Porto

sábado, 1 de outubro de 2022

Soajo

Mais uma caminhada da ADALE. Saída da praça Velásquez às 7h 30 em direção ao Soajo. A camioneta não vai totalmente cheia. A maior parte dos companheiros são professores na reforma e outros com muitos anos de serviço, na casa dos  cinquenta e sessenta. Sou o segundo mais novo, atrás de mim só um ex- aluno do Jorge Ferreira, há quase trinta anos. 

A camioneta deixou-nos no centro do Soajo, junto à estátua de pedra  que homenageia o cão sabujo - raça que eu desconhecia. Importante no passado: daqui eram enviados anualmente  "cinco valentes cães"  para os reis de Portugal, por esta razão os soajeiros beneficiaram de isenção de impostos e de outros privilegios concedidos no tempo da monarquia. Outro monumento homenageia um episódio que deu boa  fama aos juízes da terra:

"Juiz do Soajo, cadeira em  que se sentou, nunca consigo a levou" - e os heróis da guerra da restauração. 

Vejo roulotes de matrículas estrangeiras  estacionadas no largo, alguns turistas e percursos pedestres sinalizados. Percebo que estou numa terra com história e motivos de interesse, para além da beleza natural que a envolve. 

Descemos ao  ex-libris, capa de revistas turísticas do alto Minho e nacionais: o conjunto dos espigueiros tradicionais. Percorremos a eira sobre a rocha granítica e não foi fácil encontrar um ângulo sem pessoas para fotografá-los. 

Na padaria de outra rua comprei uma fatia de  pão-de-ló do Soajo para conhecer mais este doce tradicional, estava saboroso e fresco. Bastante  delicioso. Ficou aprovado! 

O Jorge Ferreira sobe os degraus do pelourinho e dá-nos a conhecer um pouco da história do extinto concelho do Soajo.  No ensaio "Ibéria Esvaziada", Carlos Taibo considera que estamos na eminência do colapso económico, neste cenário muitos  optarão pelo retorno às pequenas comunidades descentralizadas, autónomas e autossuficientes. O Soajo esteve séculos isolado do mundo, rodeado de serras difíceis de transpor, desenvolveram-se  fortes traços comunais que deixaram a sua marca na cultura local e no espírito das pessoas mais velhas que viveram sempre aqui. Gostei de ver as idosas com o cajado e o lenço na cabeça. Não as fotografei, seria mais um a intrometer-se e a assedia-las. Devem estar fartas de ser fotografadas por turistas de fim-de-semana como eu. Alguns companheiros meteram conversa com elas, mostraram-se solicitas e contentes por poderem falar de si. Se Paul Theroux estivesse aqui talvez escrevesse um livro de viagens com as suas histórias.

Seguimos em direção  ao rio Lima, atravessamos a ponte romana e fomos pela margem direita até ao lugar de Ermelo. Possui uma bela igreja românica restaurada, com  a rosácea um pouco escondida pela aresta do telhado.  Lá dentro a curiosa estatueta do São Bento:  tem  cartolinha na cabeça  e  fisionomia de criança. Contrasta com as representações  austeras e sofridas  de muitos   santos. Este é inocente, naive, pueril. 

Passamos debaixo de um frondoso carvalhal por uma calçada de muros cobertos de musgo,  o troço genuinamente mais natural do percurso, inalterado há centenas de anos. Do nosso lado esquerdo o rio Lima forma um extenso corpo de água, devido à barragem de Touvedo, a jusante. 

Uma parte do trilho segue pela ecovia. 

Por fim, paramos para o pic-nic no parque de merendas da  capela de São João. Dispersamos-nos pelas mesas. Partilhamos  frango de churrasco, bolinhos de bacalhau, empadas de atum e de frango, azeitonas, rissóis, uvas americanas apanhadas esta manhã, pão-de-ló, laranja descascada  para desenjoar. Outras mesas oferecem-nos  vinho, salada de bacalhau, pizza, bolo e doces para a sobremesa. Duas vacas cachenas observam-nos do  prado. 

Depois descansamos, vamos ao miradouro, vemos o rio, a  serra amarela, as localidades de Ermida e de Entre-ambos-os-rios. Silêncio. Sol. Tranquilidade. O cheiro da hortelã que os nossos pés foram pisando segue-nos desde o início do caminho, misturado agora com o da  bosta ressequida na terra. 

No regresso, dentro da camioneta, duas companheiras cantam  melodias simples, apenas as suas vozes afinadas e a vontade de cantar, indolentemente, maravilhosamente. Começo a fechar os olhos de sono. O mais simples é o mais belo.