sábado, 7 de julho de 2018

Até ao Porto, de bicicleta



Um vizinho da minha avó, já velhinho e acamado, que eu conheci quando era miúdo, trabalhou na alfandega do Porto muitos anos, quando funcionava no largo da Sé. Ia e vinha de bicicleta todos os dias. Foi há muitas décadas atrás: deve ter sido por volta dos anos 40, 50. Contou-me a minha mãe.
O que me parece importante recordar é que era normal fazer vários quilómetros diários de bicicleta para trabalhar. Havia pessoas que se deslocavam  20 km para o Porto e depois regressavam. As estradas tinham outras condições, havia poucos carros e seriam mais seguras. Hoje é totalmente diferente, e se houver alguém que ainda o faça, sem ser por lazer, tem muita coragem.
Num inquérito realizado à mobilidade no grande Porto, pelo INE, o automóvel tem um domínio esmagador sobre os outros meios de transporte, os transportes públicos não convencem e os modos suaves, a pé ou de bicicleta, tem mais utilizadores do que os transportes públicos. Este dado surpreendeu-me, visto que não conheço nem vejo ninguém, onde moro, que se desloque de bicicleta ou a pé para o trabalho.
Decidi recriar parcialmente o trajeto, seguir a nacional 1 até aos Carvalhos, passar na Rechousa, Canelas, Santo Ovídeo e entrar no Porto pela Ponte Dom Luís. Demorei quase duas horas na minha pequena “La Poderosa”, Roda 26, mistura de BTT com roda de passeio e selim de gel, duro. Pouco cómoda: faltam os amortecedores no selim (ajudam a coluna), o guiador mais subido e próximo do ciclista, para pedalar menos inclinado e, por fim, dava jeito ter um kit elétrico, para não ter que pedalar no regresso a casa, já derreado, após 40 km de estrada e com uma subida ingreme no final, depois de Espinho.
É normal ver, principalmente aos fins-de-semana e de manhazinha cedo, ciclistas a pedalar no tabuleiro superior da ponte D. Luís. Eu decidi cumprir à risca a sinalização, desci em direção ao rio e pedalei pelo tabuleiro inferior.  
O Porto estava magnífico. Um homem novo, apenas de calções que mais pareciam umas cuecas, esteve muito tempo em cima da grade lateral do tabuleiro a ganhar coragem para mergulhar, muitos turistas e transeuntes como eu observavam-no na expetativa de ver o mergulho, até que por fim se atirou ao rio. Uma cena digna do filme Aniki Bobó, do Manuel de Oliveira. O sol batia nas fachadas medievais da ribeira, muitos barcos, milhares de pessoas, animação de rua, as encostas ingremes das margens, o cheiro da sardinha assada na rua da Reboleira. Como é bela esta cidade.
Fui ao Palácio de Cristal à feira de produtos biológicos.  Vi uma parte da atuação da Mariana Root, eu não conhecia, gostei particularmente da percussão do adufe e da sua voz a acompanhá-lo, a lembrar a beira baixa, uma força telúrica que mexe comigo. Assinei a petição “Por um Porto mais ciclável”. 

Regressei ao longo do rio e do mar pela ciclovia até Espinho, um trajeto mais longo mas menos cansativo, julguei eu. Apanhei o barco no cais da Cantareira, o “Flor do Douro”, recentemente remodelado, como novo. O outro barco, “Flor do Gás”, está a ser remodelado. Ambos pertencem à companhia Menino do Douro. Fazem a travessia entre a Cantareira e a Afurada há mais de quarenta anos, sem qualquer apoio institucional.
"La Poderosa" no tabuleiro superior da ponte e o aviso para levar a bicicleta à mão
A descida em direção em rio e os magníficos enquadramentos da cidade


Rua Nova da Alfândega

"La Poderosa" prepara-se para a entrada no Palácio de Cristal


Fornos Solares

"La Poderosa" prepara-se para embarcar na "Flor do Douro"

Mais uma cena digna do filme Aniki Bobó, podia ser a preto-e-branco


O interior do barco

Praia fluvial no rio Douro

Foz do Douro