domingo, 24 de maio de 2009

Caminho do Carteiro



Aproveitei a organização do evento Arouca 360º e do Festival de Pedestrianismo organizado pelo Geoparque e Câmara Municipal para realizar um dos poucos percursos de Arouca que ainda não conhecia, o PR 6 – O Caminho do Carteiro.

Ao que parece, o carteiro que deu nome a este percurso ainda percorre este trajecto duas vezes por semana, entre Rio de Frades e Tebilhão.

O transporte realizou-se em autocarro alugado pela Câmara até à aldeia de Tebilhão, para início do percurso. O trajecto linear, quase sempre descendente, foi realizado num só sentido, reduzindo imenso o seu grau de dificuldade, embora o declive fosse bastante acentuado até ao fim do percurso em Rio de Frades.


Foram seis quilómetros percorridos na encosta sudeste da serra da Freita na qual são visíveis, próximo de Tebilhão, as marcas de incêndios recentes com as áreas de vegetação irregular e os esqueletos carbonizados de algumas árvores.
As carquejas e as giestas revestem o solo menos ardido e os castanheiros, com a sua folha inconfundível, são frequentes nas zonas mais verdes.

O relevo dos dorsos montanhosos é uma constante quando se olha o horizonte e o ribeiro Pequenino (é mesmo o nome dele) lá no fundo, é uma das panorâmicas mais bonitas do percurso.

O trilho é estreito em algumas partes pelo que é necessário algum cuidado para não se escorregar ou cair pela encosta abaixo.

Chegados a Rio de Frades, ficou-nos a sensação de ter sido pouco. Éramos capazes de regressar a Tebilhão, mas só depois de parar no tasco da aldeia para comer um bacalhau ou um Tofu à Lagareiro sugeridos por nós. Assim, o percurso seria realmente mais cansativo mas com o atractivo de uma petiscada pelo meio e, quem sabe, de uma banhoca na ribeira.

A nossa amiga P, habituada a percursos mais violentos e incertos na serra de Montemuro, não ficou convencida com o grau de dificuldade do percurso (médio, no folheto), - Isto não foi nada! - Dizia ela. Brava mulher!

Houve mais adrenalina dentro do autocarro, no regresso pelas estradas sinuosas e estreitas da serra, do que na caminhada. Do meu lado direito não via a estrada, apenas o precipício sem muro de protecção. Por momentos, parecia muito provável que as rodas direitas saíssem da estrada e o autocarro se despistasse por ali abaixo.
Alguns caminheiros, que viajavam no deck superior, ficavam ainda mais impressionados com a estreiteza da estrada e os precipícios do lado e, quando havia uma casa na berma ou um muro, diziam: - Ai que vai bater! – E parecia mesmo que o autocarro ia bater.

Quando os sustos passaram umas caminheiras mais velhas, provavelmente de Arouca, começaram a cantar:

Ao passar a ribeirinha pus o pé
Molhei a meia pus o pé
Molhei a meia…

Há muito tempo que não ouvia esta música popular e as senhoras cantavam tão bem! Lembraram-me os velhos coros femininos das aldeias da Beira Interior com as suas tradições e cânticos ancestrais ligados à terra e tradições sazonais.
É sempre comovente ouvir estas melodias cantadas desta forma.

Comecei a passar pelas brasas e suavemente a entrar num outro mundo…

Ao passar a ribeirinha pus o pé… (Tebilhão)
(minas de volfrâmio de Rio de Frades)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Serra da Estrela: Loriga - Torre


Saída de Grijó às 5. 30 da manhã e chegada a Loriga às 8 horas. 160 kilómetros pela EN1, A 25 (saída 18) e estrada Nacional 231 passando em Nelas e Seia.

O Trajecto começa num desvio à esquerda, à saída da vila para a Covilhã (ainda na EN 231) junto ao restaurante “O Vicente”.
O percurso desenvolve-se no Planalto Superior da Serra ao qual foi atribuído o estatuto de Reserva Biogenética pelo Conselho da Europa em Março de 1993. Trata-se de uma paisagem montanhosa, acima dos 1000 metros, com um solo considerado frágil que envolve as nascentes do Mondego, Alva e Zêzere.

São 8500 metros de distância com início à cota dos 770 metros e chegada aos 1993 metros de altitude da Torre. Um declive de 14 %.

A freguesia de Loriga está enquadrada por enormes fragas e socalcos no dorso, transformados pelo homem ao longo dos séculos. A vila foi um importante centro de lanifícios e de extracção de Volfrâmio e Estanho. A riqueza do passado é hoje visível no charme de alguns dos seus edifícios.

O trilho está sinalizado pelas mariolas, colocadas por pastores, e outros andarilhos da serra. O Parque Natural da Serra da Estrela também identificou o percurso com uma linha cor-de-rosa que aparece pintada em muitas rochas.

Um ribeiro escorre pelos granitos. A vegetação é rasteira com muitas giestas e algumas alfazemas.
Lentamente vamos subindo até à primeira etapa do trajecto: a barragem do Covão do Meio. A paisagem muda e maravilha-nos com o imenso vale que percorremos. Observamos alguns pastos bucólicos. Um pastor dá-nos a indicação que ainda falta muito para a Torre e, sem perguntarmos, diz-nos que tem 76 anos e anda nesta vida desde os 16.
Os ribeiros refrescam-nos: água pura da montanha a correr cristalina. Que o diga a amiga V. que aproveita todas as oportunidades para se refrescar.
Não resisto e molho os pés na água translúcida de um ribeiro. É tão límpida que se vê a areia. Caminho uns metros pelo leito, mas está tão frio que parece que os pés racham. Não aguento mais e saio.
Paramos num pasto de turfa para o primeiro lanche da caminhada. Um local convidativo percorrido pela água de um riacho e com uma pequena lagoa em que se vê o fundo.
No fim, descansamos deitados no chão mole e arenoso a ouvir a queda de água próxima.

Ao reiniciar a caminhada, uns metros mais à frente, começa-se a ver o muro da barragem e tem-se uma das partes mais íngremes do trajecto sendo necessário agarrarmo-nos às rochas para subir.
A barragem do Covão do Meio é um imenso reservatório de água para fins hidroeléctricos.
A neve que ainda não derreteu começa a ser cada vez mais nítida nas encostas do vale e mais adiante começamos a caminhar nela.
O dia de sol radioso e a neve transmitem uma luminosidade invulgar. Os musgos do granito, os regatos de água e as novas lagoas que encontramos no caminho são uma paisagem soberba. Apetece escorregar pela neve a fazer “sku” até à água.
Há alguma perigosidade ao caminhar na neve, debaixo pode não haver nada. Foi assim que coloquei um pé em falso e enfiei a perna quase até à anca. Ao chegar a casa descobri que tinha uma pisadura na coxa.
Grita-se de alegria e alivio no meio desta paisagem que nos devolve o eco e depois o silêncio.
Que alegria caminhar na neve com sol e em manga curta. Tiram-se mais umas fotografias e brinca-se com a situação: pode ser que dê para enganar alguém e depois dizer que tivemos umas férias de neve algures num sítio exótico.
Começam-se a ver as Torres cilindricas do observatório astronómico. Depois de um percurso tão bonito a chegada à Torre é uma desilusão: um local feio, arquitectonicamente desarmonioso, com uns barracões de artesanato, muitos carros de turistas e o teleférico.
Então isto é que é a Torre, um dos pontos mais turístico de Portugal? Um sítio estragado e desmazelado de turismo de massas onde se vendem muitas recordações da serra e onde o forasteiro é explorado: uma cerveja Tagus de 33 cl a 1, 6 € !?
Quem vem de carro não vê a serra: é como estar em casa a vê-la na televisão, digo eu. Não capta a sua essência, diz o amigo P.
Quem percorre os trilhos ancestrais de pastores e cabras sente-a, cheira-a, imbui-se nela, tem a oportunidade de mexer na neve e na água, bebê-la límpida e fresca, caminhar e cansar-se, sentir os seus mistérios e limites individuais. Estamos dependentes de nós próprios e da entreajuda do grupo.
Ao fim de sete horas terminámos o caminho - o tempo suficiente de algumas paragens para comer e simplesmente observar e fruir a paisagem.