domingo, 21 de junho de 2009

De Covêlo de Paivó até Drave


Este percurso foi a união de dois PR de Arouca, o 13 e o 14, com início em Covêlo de Paivó, seguindo as marcas do PR13 até Regoufe e continuação pelo PR 14 até Drave, a Aldeia Mágica. O regresso foi feito pelo mesmo trilho no sentido inverso.
O total desta junção é de 17 Km, o que com o imenso calor que se sentiu sempre, a pouca sombra de partes do trajecto, as subidas acentuadas e demoradas, algumas com muitas pedras soltas, foi obra!
Logo na saída de Covêlo tomamos uma subida demorada que nos obrigou a algumas paragens prematuras para comer, descansar e principalmente beber água.
O rio Paivó, que nos acompanhava lá em baixo, ia-nos seduzindo com o sussurro e o brilho transparente da sua água para dar um mergulho. Talvez em Regoufe fosse possível, saberia tão bem! Estávamos já bastante transpirados.
Só em Drave - disse-nos um senhor - Aqui a água da ribeira está suja com os dejectos dos animais domésticos.
Quando passo nesta aldeia e noutras de Arouca há sempre um cheiro característico a bosta e urina de vaca e de cabra. Estes animais deambulam pachorrentamente por aqui a caminho dos currais ou das encostas da serra. Também se vêem umas galinhas que vão depenicando o que encontram e uns cachorritos.
O chão da aldeia está coberto por uma camada ressequida de bosta que já faz parte da própria pavimentação, de tão encrostada que está. É quase impossível caminhar nestas ruelas e não calcá-la.
Estas aldeias que parecem primitivas e com um modo de vida básico baseado no auto-sustento são mais ecológicas e sustentáveis do que muitas outras, ditas civilizadas. Os habitantes produzem muito do que consomem e ainda usam os carros de bois para recolher as medas de erva e lavrar os campos. Em covêlo cruzamo-nos com um boi que puxava uma carroça cheia de erva.

Na saída de Regoufe o trilho é íngreme e tem muito cascalho solto, aumentando as probabilidades de escorregar e romper as sapatilhas. No fim da subida vêem-se os aerogeradores da serra da Arada e vira-se à esquerda para Drave.

As cabras são as rainhas desta serra, andam por aqui às centenas e vemo-las nas margens do rio e no cume dos montes. Um dia uma pastora disse-me que são comunitárias, pertencem à aldeia e há sempre alguém que as vigia.

O calor aperta e o ritmo da marcha continua lento, obrigando-nos a parar algumas vezes. Ouvimos mais nitidamente os sons que nos chegam da serra: os chocalhos e balir distante das cabras mistura-se com o canto das aves e das cigarras nos pinheiros bravos e a reptação das cobras e sardões a esconderem-se nos arbustos.

Finalmente, vê-se Drave ao longe, a aldeia mítica e abandonada. Um estreito caminho de xisto conduz-nos entre murinhos e carvalhos frondosos até lá.

Procuramos um local mais apropriado para estender as toalhas e descansar nas margens do rio. Encontrámos uma poça larga e funda de água transparente com uma pequena cascata, o melhor sítio possível para nos refrescarmos, descansar e almoçar.

Vimos apenas um casal que acampava na margem. Tínhamos este local idílico todo só para nós.

Após o merecido descanso e de um passeio pelas ruas da aldeia tivemos que encher as garrafas com água para o regresso a Regoufe, arriscariamo-nos a ter uma desidratação com o calor que estava. Confiámos na pureza da ribeira e até hoje não me senti mal depois de beber litro e meio dessa água.

Em Regoufe, aproveitamos para parar no café, o único da aldeia, um velho tasco cheio de moscas e com um poster de uma mulher em roupas minúsculas transparentes. Um velhito simpático meteu conversa connosco e enquanto lá estivemos passou o tempo a falar da vida dele.
Fiquei a saber que Regoufe conta actualmente com 50 habitantes mas que já teve 3 000 no tempo em que as minas de volfrâmio eram exploradas pelos Ingleses. A grande maioria dos trabalhadores era de outros pontos do país e alguns deles estrangeiros.
É curioso que durante a Segunda Guerra Mundial as minas de Rio de Frades, a poucos quilómetros daqui, eram exploradas pelos Alemães. Os inimigos que se combatiam ferozmente nos palcos da guerra, encontravam-se muito próximos nestas terras de Arouca extraindo o precioso metal utilizado para endurecer as carapaças dos seus tanques.
Será que eles se cruzavam e conviviam uns com os outros aqui nestas aldeias fazendo de conta que não se passava nada lá fora ou ignoravam-se mutuamente? Ou será que nunca se cruzaram, o que é pouco provável em meios muito pequenos como estes nos seis anos que durou a guerra?
O que é certo é que a neutralidade e diplomacia (com muita perspicácia talvez) de Portugal permitiu que se exportasse este minério para os diferentes beligerantes.




segunda-feira, 15 de junho de 2009

Rota do Xisto


Entende-se perfeitamente por que razão é chamada a Rota do Xisto. As casas construídas com esta rocha são muito comuns em Canelas e na aldeia de Vilarinho, algumas foram recentemente recuperadas respeitando-se a arquitectura tradicional o que denota o bom gosto dos proprietários.
Nas pedreiras de ardósia foram descobertos fósseis de animais marinhos com 460 milhões de anos. Numa antiga pedreira está hoje instalado o Centro de Interpretação Geológica de Canelas (CIGC).

O percurso é bastante irregular e variado e tem troços comuns com a Grande Rota de Arouca.

Iniciei o caminho em Canelas e segui o sentido dos ponteiros do relógio em direcção ao rio Paiva. A primeira dificuldade surgiu: aqui o trilho é apertado e pouco definido, está rodeado de mato o que dificulta a visualização das marcas. Contudo este troço é de uma beleza invulgar devido à intensa vegetação das margens, ao rio que corre do lado esquerdo encaixado nas rochas e à passagem pela cascata do ribeiro da Estreitinha.
O tempo muito abafado causou um cansaço maior, pouco comum para quem estava ainda no início de uma caminhada de 16 quilómetros.
Chegado ao Vau vi uma pequena praia fluvial, interessante para dar um mergulho numa próxima oportunidade.
Cruzei-me com um casal de Galegos e a filha que estavam a fazer este PR no sentido inverso. Trocamos algumas palavras e informações e seguimos adiante.

Tinha pela minha frente uma subida íngreme até às minas do Pereiro. Os Romanos exploravam ouro nesta serra, os túneis são um resquício desses tempos e dessa riqueza. No CIGC existe uma rocha que tem as marcas das rodas dos carros Romanos que faziam a ligação entre Arouca e Alvarenga, o que é mais uma evidência da importância destes locais para esse povo.

A subida continuou até ao Cabeço do Pereiro e depois para o miradouro da cascata das Aguieiras, onde passei por outra dificuldade e perigo. Não vi a seta que indicava o miradouro, vi apenas as marcas e estava convencido que o trilho continuava por ali. À minha frente deparei-me com um precipício enorme com mais de cem metros de altura, o rio Paiva, a cascata e Alvarenga do outro lado. Uma local fantástico mas sem continuação.
O meu instinto fez-me voltar para trás e vi a placa que indicava o miradouro, era apenas um desvio para observar aquela panorâmica, e reencontrei as marcas no sentido que eu queria.

À entrada de Vilarinho existe uma ardósia que refere a existência desta povoação no ano de 883 “numa venda feita por Balterio e esposa Ogenia a vários entre os quais kartemiro e mulher Astrilli”.
Foi com gosto que vi algumas vivendas bonitas recuperadas em xisto dando um toque delicado à terra.
Novamente uma subida, agora até ao CIGC, por um estradão de terra entre pinheiros bravos e carqueja.
É curioso! Ouço a minha respiração cansada e os meus passos e, quando de repente resolvo parar, descubro que estou no meio de um silêncio incrível. Observo o horizonte interminável de montanha e ao longe um ponto mais elevado, a serra de Montemuro talvez.
Retomo a caminhada, uma subida que nunca mais acaba, e vejo outros caminheiros. Um deles cumprimenta-me, eram novamente os Galegos que estavam a chegar ao local de partida. Que coincidência! Como este percurso é circular, cruzamo-nos duas vezes. Apenas um Português e três Galegos num Domingo a trilhar estas serranias de Arouca.

Do Centro de Interpretação até à estrada nacional 326 é sempre a descer, passo novamente entre algumas vivendas de xisto recuperadas com bom gosto e termino o meu percurso, próximo do edifício da Junta de Freguesia de Canelas.
No regresso paro no CIGC e visito o museu dos fósseis. Os mais comuns são de trilobites, animais marinhos antepassados das lagostas e crustáceos que possuíam três carapaças distintas, daí o nome tri – lobite, e que tinham a capacidade de se enroscarem, como fazem os actuais bichos-de-conta, quando se sentiam ameaçados.
Há 460 milhões de anos muitos destes locais estavam submersos pelo mar. Existia um supercontinente chamado Gondwana e os movimentos tectónicos que originaram os futuros continentes emergiram muitos vestígios desses animais que se preservaram graças à sedimentação e pressão das rochas sobre as suas carapaças, ficando as marcas fósseis do seu exosqueleto.
No primeiro sábado de cada mês o CIGC disponibiliza uma visita guiada pelos geossítios da pedreira envolvente. Um local muito interessante dominado pelo escuro laminado do xisto e com uma vertente marcadamente pedagógica e cultural.
Canelas




Rio PaivaCascata do ribeiro da Estreitinha

Mina

Miradouro da cascata das Aguieiras

VilarinhoTroço Romano

Centro de Interpretação Geológica de Canelas