3º Dia: Ribolhos – Vila Pouca – Moura Morta – Mezio – Bigorne (19,7Km)
Não para de chover. O céu está encoberto. Não há café em Ribolhos nem mercearia. Tenho algumas bolachas, uma lata de atum e uma maçã que me poderão ser úteis na caminhada de hoje.
A roupa que lavei ontem à noite está quase seca.
Somos só nós os três no albergue, espalhamos o nosso material na cozinha e fizemos dela uma lavandaria. Estendi um fio que trouxe, coloquei as molas, lavamos alguma roupa na bacia da louça e fizemos o estendal.
A cozinha tem eletrodomésticos mas não tem talheres.
Tomamos o pequeno-almoço com o pouco que temos.
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O caminho atravessa o rio Paiva junto à praia fluvial. Não há nenhuma ponte ou passadiço para o atravessar, apenas poldras. A corrente estava muito forte e em alguns pontos as poldras eram tapadas pela água. É necessário muito cuidado e sangue frio para realizar esta travessia perigosa. Uma escorregadela é suficiente para cairmos à água e sermos arrastados pela corrente.
No meio da travessia comecei a tremer de nervosismo. Um momento com bastante adrenalina que nos entusiasmou depois de estarmos em segurança do outro lado do rio.
Mais à frente tivemos um desafio idêntico, desta vez no rio Paivó. Este rio é mais estreito, com menos corrente e profundidade do que o Paiva.
Um pescador que se encontrava no local disse-nos que mesmo assim era impossível não molhar os pés. Descalçamo-nos, arregaçamos as calças e atamos as sapatilhas na mochila para atravessar o rio.
Em Vila Pouca de Castro Daire tivemos que nos despedir da Natália. Vinha muito fatigada, física e psicologicamente, com as pernas doridas, joelhos inchados, constipada, enregelada, com dores de cabeça e indícios de febre. Paramos num café para comer e ali ficou a nossa amiga a aquecer-se à lareira, com as idosas da aldeia, à espera que a fossem buscar do Porto.
Despedimo-nos com emoção e lamentamos não poder continuar a contar com ela. No entanto aquela era a melhor opção a tomar, o trilho que fizemos a seguir veio a revelar-se muito complicado.
O trajeto é árduo. Não há pontos de apoio entre as localidades. Estas ficam distantes umas das outras e muitas vezes é difícil encontrar pessoas com quem falar. Não há pontos de abastecimento, multibancos, mercearias.
É adequado levar dinheiro e reservas suficientes de comida para alguns dias.
Mas o percurso é maravilhoso. Não cessa de surpreender e deslumbrar. Tem sido incrível caminhar nestas serras, atravessar as aldeias perdidas de granito, austeras e rústicas, por caminhos de terra batida com murinhos de pedra, trilhados apenas por pastores e gado. Caminhos ancestrais, rotas primitivas construídas pelos Romanos e depois aproveitadas pelos peregrinos de Santiago.
O caminho tem sido trilhado quase sempre por este tipo de caminhos e não por asfalto como acontece muito em Espanha e no litoral.
Um deslumbramento. Um país mítico, mágico e misterioso, perdido e envelhecido que se vai descobrindo.
Sentimo-nos uma espécie de pioneiros na divulgação deste caminho. A informação existente é ainda muito pouca e, em alguns casos incorreta, como darei a conhecer mais à frente. Na internet encontrei apenas o site do caminho e nada mais.
Espero que as minhas impressões e fotos o ajudem a divulgar em Portugal e no estrangeiro e que muitas pessoas fiquem com vontade de o realizar, porque até ao momento tem sido bastante “radical” e surpreendente em muitos aspetos.
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O Inverno tem sido chuvoso, muitos trilhos de terra transformaram-se em riachos. Caminhei pela lama, com água pelos tornozelos, molhei as calças até cima, debaixo de muita chuva e nevoeiro. As mãos enregelaram e doeram com o frio. Foi duro. Não é um percurso para qualquer um. Mas o sentimento tem sido de liberdade, purificação e alegria.
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Em Bigorne entramos no primeiro café que apareceu, café Giesta, para descansar e telefonar para o albergue.
- Não há albergue em Bigorne – diz-nos a proprietária do café – o próximo é em Penude, a 11 Km daqui.
- Mas diz aqui neste guia que há albergue em Bigorne.
- Pois, mas a junta de freguesia acabou por não se comprometer com o albergue.
- Então, onde é que podemos ficar? – perguntamos.