domingo, 8 de dezembro de 2013

Pé do Cabril

Por detrás da velha e abandonada casa do guarda-florestal, na Portela do Leonte, a 862 metros de altitude, há uma encosta que leva ao Pé do Cabril. O maciço rochoso é visível desde muito longe, a vários quilómetros de distância. Imponente e difícil de acreditar que é possível chegar lá acima. A subida tem pouco declive inicialmente. Há a sombra de vários azevinhos – uma árvore protegida – carvalhos e pinheiros. O trilho é de terra batida, bem definido e, mais adiante, as mariolas orientam o caminhante em direção ao Pé do Cabril. Quem sobe por esta encosta passa obrigatoriamente por um túnel numa rocha. Uma curta passagem de vinte metros, feita de cócoras e com a mochila arrastada pelo chão. Depois, a inclinação torna-se mais acentuada, quando começa a subida para o maciço rochoso, sendo necessário trepar com a ajuda das mãos. Lá no alto ficamos numa situação delicada, com precipícios de paredes rochosas, quase lisas, de um lado e do outro. Almoçamos num pequeno espaço, cercados pelas falésias. Que medo! Que vertigens eu tenho! O vento por vezes sopra com força e uma rajada qualquer parece capaz de nos desequilibrar e mandar-nos cá baixo. A panorâmica é estonteante: o vale encaixado do rio Gerês, a barragem da caniçada e mais montanhas para poente. O Pé do Cabril tem cerca de 1200 metros de altitude. Para chegar mesmo ao topo é necessário subir a rocha por uns apoios metálicos que servem de escadaria. Não o fizemos. Eu nunca o faria de qualquer forma, com medo das alturas. No regresso necessito da ajuda de dois colegas, há uma passagem muita estreita e não posso olhar para baixo, com vertigens. Um de cada lado protege-me do precipício. Tentamos descobrir um trilho que contorne o Pé do Cabril para não ter que regressar pelo mesmo caminho. Não descobrimos. Há tempo ainda para ir ao outro lado da encosta e ver a barragem de Vilarinho das Furnas e os contrafortes despidos e austeros da serra Amarela.




Excrementos de lobo

Azevinho

Vale do Gerês, visto do Pé do Cabril


Barragem de Vilarinho das Furnas


domingo, 3 de novembro de 2013

Percurso de Fermelã



Foi inaugurado recentemente o percurso de Fermelã, sinalizado como PR8 de Estarreja. Faz parte da rede de percursos pedestres do BIORIA e é talvez o mais diversificado e bonito de todos os que conheço em Estarreja. Suplanta o percurso de Salreu. Como todos, é totalmente plano e ciclável. As vias são estradões de terra largos e bem definidos. No entanto a diversidade de cores é maior, observam-se mais culturas e mais espécies de árvores. O percurso passa pelo labirinto de terrenos do Bocage e junto de esteiros que desaguam na ria. Há vacas marinhoas, cavalos e muitas aves. Está bem sinalizado, com as cores vermelho e amarelo de pequena rota. Tem painéis explicativos, bem cuidados sobre a fauna e flora local. Uma boa oportunidade para aliar o desporto de natureza à interpretação da paisagem. Este ambiente, embora com muita flora e fauna selvagem, foi sendo transformado pelo Homem ao longo dos tempos, que aproveitou a presença da ria e dos esteiros para construir uma rede de canais de irrigação, controlando o fluxo de água através de comportas. Quem segue na EN109 vira à direita depois de Canelas. Segue em direção ao parque do Canal ou à rua do Carregal, os pontos de início e fim do percurso.






domingo, 6 de outubro de 2013

Ermida Gerês


Caminhada circular com início na ponte do Arado, improvisando e descobrindo novas encostas do Gerês. Dia de Sol magnífico com direito a mergulho numa lagoa de água gélida. Regresso ao local de partida pela ribeira e cascata do Arado.
Nas proximidades fica a aldeia de Ermida, pertencente ao Concelho de Terras de Bouro, distrito de Braga, no limite com o concelho de Montalegre e o distrito de Vila Real.
Uma pequena parte deste percurso coincidiu com  o PR  14 de Terras de Bouro – Trilho do Sobreiral da Ermida do Gerês .


6 horas de duração aproximada, dificuldade média/elevada, devido principalmente a uma encosta com um declive extremamente acentuado e à dificuldade em encontrar um trilho seguro . Finalmente, foram encontradas as mariolas dos pastores para orientar os caminhantes.










domingo, 14 de abril de 2013

Fragata D. Fernando II e Glória



Em 1963 um incêndio destruiu a Fragata D. Fernando II e Glória, a última a fazer a carreira das Índias.


Construída em 1843 em Damão, na índia Portuguesa, fez a carreira nas últimas décadas do século XIX.


Foi o navio chefe da armada na campanha militar do Ambriz, em Angola no ano de 1855, e mais tarde das forças navais Portuguesas; escola da artilharia naval e, a partir de 1940, sede da obra social, que acolhia rapazes de fracos recursos económicos, ensinando-lhes as artes da marinha.


Entre o incêndio de 1963 e 1992 esteve encalhado no rio Tejo, até ao início dos trabalhos de restauro nos estaleiros de Aveiro.


Foi apresentado remodelado na expo de 1998, encontrando-se exposto atualmente na base naval do Alfeite, em Almada.


D. Fernando II foi rei consorte, marido de D. Maria II, que reinava Portugal no ano do lançamento da fragata à água.


A viagem entre Lisboa e a Índia demorava 5 meses e a fragata chegou a transportar mais de 600 pessoas, entre tripulantes e passageiros. Também eram transportados animais vivos, que iam sendo mortos durante a viagem para haver sempre carne fresca.


Imagino que as condições de higiene eram deploráveis. O cheiro e os dejetos dos animais, ovelhas e galinhas principalmente, colocados a bordo de um navio com centenas de pessoas, amontoadas num espaço exíguo. Provavelmente não existiam latrinas, talvez um simples balde servisse para as necessidades, ou o mar diretamente.


Não existiam lugares fixos, os passageiros que desejavam um pouco mais de privacidade, recolhiam-se em mini camaratas, protegidas por tapumes de madeira, desmontáveis diariamente. A maioria dormia em camas de rede ou no soalho.


Apesar das limitações, existia uma botica onde eram preparados os medicamentos e um pequeno altar para a realização das missas.


É um precioso restauro. Mantêm-se detalhes originais que, imagino, terão sido muito difíceis de restaurar.


Como encontrar pessoas, mestres e artífices, capazes de recuperar um navio com as mesmas características de há 150 anos atrás?


A fragata D. Fernando II e Glória conta uma parte importante da História de Portugal e das relações com a India. Um período trágico e grandioso ao mesmo tempo, que durou quase 500 anos, desde a construção do império, no início do século XVI, até ao século XX. As viagens eram realizadas em condições que nós hoje dificilmente imaginamos, foi preciso entrar no navio para perceber um pouco como se vivia a bordo.












segunda-feira, 25 de março de 2013

Caminho Português de Santiago do interior (Bigorne- Peso da Régua)

4º Dia: Bigorne – Magueija- Penude – Lamego – Sandes – Peso da Régua (27 Km)
Peso da Régua

 
Vamos de Bigorne a Penude, ao longo da EN2,  debaixo de um vendaval de chuva, vento e frio.

Existem desvios pelo interior das aldeias, confusos e mal marcados que baralham totalmente o peregrino. Em Magueijinha vi setas amarelas a apontar em direcções opostas. Parece que alguém andou a brincar com os peregrinos em atos de vandalismo. Ou então é incompetência da Câmara Municipal de Lamego, responsável pela marcação do caminho dentro do seu concelho.

Recomendo seguir sempre pela EN2 entre Bigorne e Lamego, enquanto não se fizerem marcações decentes no interior das aldeias.

Outra falha neste concelho é a passagem pelo centro da cidade. Lamego tem um património histórico rico e diversificado, o caminho deveria passar pelos principais monumentos da cidade para os dar a conhecer e não passa. O pior troço do CPSI até ao momento.

De Lamego a Peso da Régua são mais 13 Km de estrada, sempre pela EN 2. A paisagem muda, entramos na zona demarcada do Douro e aparecem os socalcos.

Sempre chuva, vento e frio. Marcações irregulares, mal desenhadas e a estrada de alcatrão com curvas e contracurvas pelos socalcos até ao rio douro. O trajeto torna-se monótono e cansativo. Estamos exaustos, molhados e mal humorados.

Decidimos terminar o caminho no Peso da Régua e apanhar o comboio para o Porto. Talvez ainda este ano possamos retomar o caminho a partir desta cidade e seguir até Santiago, com melhores condições atmosféricas.

Encontramos os BTTistas na estação de comboio. Desistiram do caminho pelas mesmas razões que nós. Estão frustrados. A chuva persistente e terem de realizar o caminho sempre pela EN2 levaram-nos a optar por esta decisão. Os caminhos de terra enlameados e cheios de água foram obstáculos muito difíceis de transpor.

O regresso ao Porto foi agradável. Relembramos as peripécias, vimos as fotos e filmes do caminho, contamos as nossas histórias de bicicleta e a pé.

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Antes de iniciar o caminho pensei na probabilidade que teria de encontrar outros peregrinos. Caminhei com dois amigos que conheci em Viseu e não encontramos mais nenhuns peregrinos, excepto os BTTistas.

Se tivesse iniciado a jornada no dia anterior teria encontrado alguém?

Desde a inauguração do caminho, em Abril de 2012, passaram pelo albergue de Almargem apenas 51 peregrinos e no de Ribolhos 10. O mais provável seria caminhar totalmente sozinho.

Há quem acredite que nada acontece por acaso, que tudo tem uma razão de ser.

Que cordas do destino se teceram para nos encontrarmos neste caminho?




Lamego

Lamego

Pontes sobre o Douro em Peso da Régua

domingo, 24 de março de 2013

Caminho Português de Santiago do interior (Ribolhos - Bigorne)

3º Dia: Ribolhos – Vila Pouca – Moura Morta – Mezio – Bigorne (19,7Km)



Não para de chover. O céu está encoberto. Não há café em Ribolhos nem mercearia. Tenho algumas bolachas, uma lata de atum e uma maçã que me poderão ser úteis na caminhada de hoje.

A roupa que lavei ontem à noite está quase seca.

Somos só nós os três no albergue, espalhamos o nosso material na cozinha e fizemos dela uma lavandaria. Estendi um fio que trouxe, coloquei as molas, lavamos alguma roupa na bacia da louça e fizemos o estendal.

A cozinha tem eletrodomésticos mas não tem talheres.

Tomamos o pequeno-almoço com o pouco que temos.

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O caminho atravessa o rio Paiva junto à praia fluvial. Não há nenhuma ponte ou passadiço para o atravessar, apenas poldras. A corrente estava muito forte e em alguns pontos as poldras eram tapadas pela água. É necessário muito cuidado e sangue frio para realizar esta travessia perigosa. Uma escorregadela é suficiente para cairmos à água e sermos arrastados pela corrente.

No meio da travessia comecei a tremer de nervosismo. Um momento com bastante adrenalina que nos entusiasmou depois de estarmos em segurança do outro lado do rio.

Mais à frente tivemos um desafio idêntico, desta vez no rio Paivó. Este rio é mais estreito, com menos corrente e profundidade do que o Paiva.

Um pescador que se encontrava no local disse-nos que mesmo assim era impossível não molhar os pés. Descalçamo-nos, arregaçamos as calças e atamos as sapatilhas na mochila para atravessar o rio.

Em Vila Pouca de Castro Daire tivemos que nos despedir da Natália. Vinha muito fatigada, física e psicologicamente, com as pernas doridas, joelhos inchados, constipada, enregelada, com dores de cabeça e indícios de febre. Paramos num café para comer e ali ficou a nossa amiga a aquecer-se à lareira, com as idosas da aldeia, à espera que a fossem buscar do Porto.

Despedimo-nos com emoção e lamentamos não poder continuar a contar com ela. No entanto aquela era a melhor opção a tomar, o trilho que fizemos a seguir veio a revelar-se muito complicado.

O trajeto é árduo. Não há pontos de apoio entre as localidades. Estas ficam distantes umas das outras e muitas vezes é difícil encontrar pessoas com quem falar. Não há pontos de abastecimento, multibancos, mercearias.

É adequado levar dinheiro e reservas suficientes de comida para alguns dias.

Mas o percurso é maravilhoso. Não cessa de surpreender e deslumbrar. Tem sido incrível caminhar nestas serras, atravessar as aldeias perdidas de granito, austeras e rústicas, por caminhos de terra batida com murinhos de pedra, trilhados apenas por pastores e gado. Caminhos ancestrais, rotas primitivas construídas pelos Romanos e depois aproveitadas pelos peregrinos de Santiago.

O caminho tem sido trilhado quase sempre por este tipo de caminhos e não por asfalto como acontece muito em Espanha e no litoral.

Um deslumbramento. Um país mítico, mágico e misterioso, perdido e envelhecido que se vai descobrindo.

Sentimo-nos uma espécie de pioneiros na divulgação deste caminho. A informação existente é ainda muito pouca e, em alguns casos incorreta, como darei a conhecer mais à frente. Na internet encontrei apenas o site do caminho e nada mais.

Espero que as minhas impressões e fotos o ajudem a divulgar em Portugal e no estrangeiro e que muitas pessoas fiquem com vontade de o realizar, porque até ao momento tem sido bastante “radical” e surpreendente em muitos aspetos.

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O Inverno tem sido chuvoso, muitos trilhos de terra transformaram-se em riachos. Caminhei pela lama, com água pelos tornozelos, molhei as calças até cima, debaixo de muita chuva e nevoeiro. As mãos enregelaram e doeram com o frio. Foi duro. Não é um percurso para qualquer um. Mas o sentimento tem sido de liberdade, purificação e alegria.

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Em Bigorne entramos no primeiro café que apareceu, café Giesta, para descansar e telefonar para o albergue.

- Não há albergue em Bigorne – diz-nos a proprietária do café – o próximo é em Penude, a 11 Km daqui.

- Mas diz aqui neste guia que há albergue em Bigorne.

- Pois, mas a junta de freguesia acabou por não se comprometer com o albergue.

- Então, onde é que podemos ficar? – perguntamos.

A proprietária ofereceu-nos alojamento na casa de familiares. O Vasco e eu dormimos num pequeno quarto, enfiados nos sacos camas e com as mantas da cama por cima. As pessoas da casa foram simples, humildes e generosas por receber dois estranhos.
O Rio Paiva

Os meus companheiros mentalizando-se para a difícil e perigosa travessia do rio

A intrépida Natália

O destemido Vasco

Na travessia do Paivó

O Rio Paivó















A estrada transformada em regato






Uma estrada de água