segunda-feira, 22 de março de 2010

Um Café no Gerês















Depois de três horas de caminhada, a capela de São João da Fraga continua muito distante, parece que pouco avançámos neste tempo e que andamos em ziguezague ao redor da barragem da Paradela. É tempo de parar para almoçar - um almoço debaixo de chuva miudinha que no entanto começou a cair, obrigando-me a vestir o poncho e as calças impermeáveis. Não me sinto desconfortável, gosto deste convívio e tranquilidade no meio da serra, debaixo da chuva. O pessoal dos Calcantes presenteia-nos com um café feito na hora e depois com um cheirinho de licores caseiros de cereja e ameixa, mesmo bom! E que surpresa agradável estes digestivos longe de tudo.

Retomamos a caminhada com a arriba da capela de São João das Fragas ainda bem longe. Alguns riachos cruzam os vales da serra, têm muita água e corrente devido aos últimos meses bastante chuvosos. Transformaram-se em ribeiros caudalosos e fundos. Não há pontes e procurámos de um lado para o outro um local mais estreito e baixo para os atravessar. Temos que saltar de rocha em rocha até à outra margem. Uma tarefa difícil e com algum risco. As rochas estão húmidas e escorregadias, um passo em falso ou um simples desequilíbrio significam um mergulho certo na corrente gelada. Há alguma adrenalina e emoção nesta travessia, uma amiga assusta-se e é preciso agarrá-la e levá-la ao colo para a outra margem. Um cachorrito prende o pescoço num arbusto e não consegue desprender-se e sair da água. Pequenos sustos que se apanharam, mas tudo corre bem, ninguém se aleija nem cai à água (excepto o cão), apenas sapatilhas e calças molhadas.

Atravessamos uma zona de arbustos altos. Deambulamos entre eles, procurando um trilho que nos leve próximo da capela. Uma parte significativa deste trajecto não tem trilho definido. É mato, ribeiros, bosques de velhos carvalhos, bétulas e castanheiros, e quando não há mato, tufos dispersos de giesta e carqueja. Vai-se deambulando e improvisando um pouco. A direcção é esta, contudo demos muitas voltas, subindo e descendo, e a capela continua longe, lá em cima no rochedo, com a aldeia de Pitões das Júnias do outro lado, sobranceira a ela.

Um cão à solta ladra-nos e a dona aparece para o segurar. Vive numa vivenda rústica, perdida na serra. Será que tem electricidade e água canalizada? É demasiado isolada. Deve ser pessoal urbano e estrangeiro, farto da civilização, que gosta de aqui estar umas temporadas, no silêncio e sossego da serra vendo as estrelas e os montes. Caminhamos ao longo de um bosque de árvores de folha caduca e afloramentos graníticos com algumas formas estranhas, um deles parece um totem. Como cenário de fundo, o azul escuro da água e o perfil montanhoso dos picos serranos coroados por nuvens brancas.

O grupo decide que já não há tempo para chegar à capela. Há alguma frustração no pessoal por não alcançar este objectivo e decide-se encurtar o trajecto, contornando a barragem. Chegamos à aldeia de Outeiro. Algumas manadas de vacas cruzam as ruas pachorrentamente e outras mastigam erva nos campos adjacentes. Um riacho de rápidos e minúsculas cascatas atravessa-a. Apanhamos a estrada alcatroada e seguimos até ao ponto inicial.

Ficamos sem chegar à capela e à emblemática Pitões das Júnias, mas com vontade de voltar brevemente. Há alguns meses que não fazia uma caminhada de serra tão puxadinha como esta. Vinte e três quilómetros que me puseram com dores nas pernas, mas que valeram muito a pena, como sempre. E o muito agradável reencontro e conversa com amigos.





Para ver o Blog dos Calcantes e mais fotografias desta caminhada, clicar aqui.

domingo, 14 de março de 2010

Salvar o Tâmega














O Plano Hidroeléctrico Nacional prevê a construção de dez novas barragens, cinco das quais no Rio Tâmega. Com a construção destas novas barragens a produção de energia eléctrica em Portugal aumentará 3% e implicará a redução de 0,25% na importação de petróleo. Estes números têm servido de argumento para justificar a construção destas barragens, a par dos já comuns, repetitivos e pouco originais chavões de “Criar mais emprego” e “Modernizar o país”.

Os habitantes da bacia do Tâmega estão indignados com a adjudicação destas barragens e manifestaram-se hoje em Amarante contra a sua construção. Não foram considerados os prejuízos ambientais e económicos para a região devido à destruição de terrenos agrícolas, à submersão de praias fluviais e de locais com interesse histórico e à transformação do rio Tâmega numa “cascata” com cinco patamares de água represada, alterando os ecossistemas fluviais e diminuindo a qualidade da água. Os manifestantes consideram inadmissível a apropriação do rio para fins meramente mercantilistas, retirando aos habitantes locais mais uma hipótese de ter um desenvolvimento sustentável, baseado na preservação do património ambiental.

Uma das consequências da construção deste projecto será o Transvase de águas do rio Olo para alimentar o caudal na futura Barragem de Gouvães, no Alto Tâmega, implicando alterações profundas numa das zonas naturais mais espectaculares de Portugal, «As Fisgas do Ermelo», e a degradação de um dos poucos habitats que ainda restam ao Lobo Ibérico na Serra do Alvão.

Como as catástrofes naturais têm sido muito comuns nas notícias, refiro também a notícia do quinzenário regional “repórter do Marão” que diz que nenhuma outra cidade de Portugal ficará tão próxima da bacia de uma barragem como Amarante, apenas 8 Km a montante (em Fridão). A cota da nova barragem ficará muitos metros acima da zona histórica da cidade, o que em caso de ruptura súbita do dique (devido a um sismo ou tornado, embora pouco prováveis), “poderia causar uma espécie de tsunami …com uma onde de quase trinta metros de altura e uma velocidade estimada em 40 Km/h que chegaria à cidade em apenas treze minutos, tempo escasso para lançar qualquer plano de evacuação…

Esta decisão foi tomada em Lisboa à revelia dos locais para criar uma Mais Valia Financeira aos grupos EDP e IBERDROLA, que lhes garantirá mais uns milhares de Euros de lucro mas com implicações desastrosas e repercussões ambientais muito superiores ao insignificante benefício de se produzir apenas mais três porcento de electricidade. Quanto à justificação de se criar mais emprego, as actuais hidroeléctricas empregam pouquíssima gente, sendo apontado o caso da Barragem do Torrão que tem apenas um empregado, o Segurança. Haveria um aumento do emprego durante a construção, mas depois disso não seria possível manter esse emprego. Se tal fosse verdade, hoje seriamos um país com muito mais emprego com tantas obras públicas que se fizeram nos últimos vinte anos, desde as auto-estradas, até aos estádios de futebol e Alqueva.

Bastaria reduzir o consumo energético e aumentar a eficiência para superar este valor de três porcento, nada mais. O paradigma económico actual é baseado na destruição de recursos, não há crescimento económico sem consumo. Estamos numa espiral de destruição e seguindo esta lógica a depleção dos recursos nunca mais terá fim. Estas manifestações têm o mérito de alertar para a necessidade de pensar noutras alternativas e de repensar os actuais modelos económicos. Não interessa apenas a questão ambiental e a destruição de mais um rio, é todo o paradigma económico e de consumo que deve ser questionado.

Estiveram aproximadamente trezentas pessoas na manifestação representando associais ambientalistas (Quercus, Geota, LPN, CAmpoAberto, Gaia) e Plataformas de Cidadãos de Defesa dos Rios Tâmega, Tua e Paiva (SOS PAIVA, Movimento Contra a Construção da Linha do Tua, Associação das Águas Bravas).

Para mais informações sobre este assunto consultar:

Para subscrever a petição, clique Aqui











quinta-feira, 4 de março de 2010

Caminhada Exótica (PR 16 de Arouca)


Não é dos percursos pedestres mais bonitos de Arouca, ali ao lado começam dois mais bonitos: o PR7 – Nas Escarpas da Mizarela – que é mais curto mas bem mais puxado e o PR15 – Viagem à pré-História – muito bonito e bastante mais comprido (actualmente com 17 Km). Escolhi este por não ser tão longo nem tão cansativo, que me pareceu mais adequado ao dia e à minha disposição do  momento.


O percurso tem 9 Km, é circular e duas partes distintas: a primeira, e mais longa, começa na aldeia do Merujal.- aqui, uma placa informa o caminhante que a GR 28 cruza-se com as Pequenas Rotas 2, 7, 15 e 16 e segue-se uma pequena descrição de cada uma delas - atravessa a estrada municipal junto à Igreja de Nossa senhora da Laje e continua por uma longa descida em estradão de terra e pedras soltas, bordejada de castanheiros e, mais em baixo, junto do ribeiro, bosques de uma árvore que não consigo identificar. Todas elas de folha caduca, despidas nesta época do ano, a dar um aspecto triste e bucólico ao percurso.
As cores da terra são ocres e cinzentas, ouve-se o rumorejar constante do ribeiro. Estou a achar o percurso mais bonito do que na primeira vez. Nessa altura os castanheiros em folha davam ouriços cheios de castanhas, devia ser Novembro porque enchemos sacos delas. Agora as tonalidades são diferentes e há mais água a escorrer pela encosta. Lá em baixo, os lugares de Provisende, Souto e Póvoa. Alguns campos de cultivo e socalcos encostados às aldeias.

Depois de 30 minutos a descer, começa a parte mais difícil e dura do percurso: uma longa subida, que parece que nunca mais acaba, a aconselhar uma caminhada calma e sem pressas para não haver uma quebra de tensão. Em algumas partes, a subida torna-se demasiado íngreme. É o momento mais cansativo.

Quase no fim da subida, quando ela se torna mais suave, um casal de meia-idade recolhe plantas na berma do estradão.

-Boa Tarde, desculpe fazer-lhe uma pergunta: As ervas são para chá?

- Não. São para o gado.

- E que ervas são?

- Carqueja, giesta e ...Chamissa(?)– foi assim que entendi esta última.

Pouco depois, chego novamente à estrada municipal e aqui se inicia a outra parte distinta do trajecto: mais curta, aberta e suave. Volto a entrar num estradão de terra um pouco mais à frente, à esquerda. Ao longe observa-se o vale e o casario de Arouca e os contrafortes montanhosos de outras serras mais a norte. A vegetação é mais rasteira e as árvores de porte mais pequeno. Alguns pinheiros estão tombados e atravessados no meio do caminho, que não impedem, contudo, a progressão do caminhante.

Os afloramentos rochosos dão um aspecto mais austero ao ambiente, as tonalidades parecem mais definidas com as copas verdes dos pinheiros e os pedaços de quartzo branco resplandecente, dispersos pelo caminho. Pego num – Está frio. Caminho, agora, por umas lajes que deviam ser de uma velha estrada. Olhando com atenção são perceptíveis os sulcos dos rodados. Paro para descansar próximo da estrada municipal e, depois, sigo por um carreiro paralelo ao riacho - É um troço muito curto mas de grande beleza - até entrar na estrada municipal e caminhar mais uns duzentos metros até ao parque de campismo, onde termino.

Uma fotografia de um cartaz intriga-me:  é um sol esculpido numa rocha. Pergunto no parque se me sabem explicar a origem da figura:

- Ninguém sabe a origem daquilo!

- Será alguma imagem ligada a rituais exotéricos... bruxarias… algum culto primitivo, antes do Cristianismo? - insisto.

- É possível. Realmente costumam aparecer por lá umas coisas….

- Que coisas? –

- Coisas…- a minha interlocutora não explica o quê, e continuou - também no miradouro da frecha da Mizarela fazem o mesmo, acho que é muito comum nesta região este tipo de rituais.  O distrito de Aveiro tem muito disto.

- Nunca me apercebi disso.


No regresso, paro na Nossa Senhora da Laje para fotografar essa imagem. Verifico que toda ela é simétrica e, no seguimento do conjunto, uma Estrela de David e mais um símbolo que não decifro. Quantos anos terão, centenas? Símbolos Cabalísticos? Uma tentativa de comunicação com extra-terrestres, ou mesmo um baixo-relevo  elaborado por extra-terrestres (o que se parece com um sol)? Algumas velas ardem numa concavidade dessa rocha.

Admira-me a persistência destes rituais ligados a magias e bruxedos e da influência  deste símbolos ocultos e misteriosos em muitas pessoas.  Habitualmente racionalizo tudo e nunca passei por uma experiência que me leve a acreditar nestas coisas e a dar-lhes valor, no entanto, lembrei-me de um ditado Espanhol que diz:
Yo no acredito em brujas, pero que las hay, las hay.


Para aceder ao folheto do percurso, ver o sítio da Câmara Municipal de Arouca
Provesende

Vale de Arouca



Senhora da Laje

Figuras misteriosas