terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Caminho Português da Costa: Viana do Castelo

Estátua de Viana

 Viana do Castelo – Porto (regresso no comboio regional)

O  bilhete de 2 € é válido nos Museus do Traje e das Artes Decorativas.
O traje de Vianesa ou de lavradeira surgiu em meados do século XIX e foi usado até ao início do séc. XX. Está associado à economia de autossuficiência agrícola – a rapariga que geralmente cultivava o linho e criava ovelhas que davam a lã, era quem fiava, tecia e tingia o seu próprio fato, decorando-o mais tarde com bordados.
O traje de noiva era preto por ser uma cor mais cerimoniosa. Decorado com lantejoulas, missangas em ouro, que iam sendo acrescentadas ao longo dos anos, e vidrilhos - ficava resplandecente. O ouro transportado pelas jovens refletia a hierarquia social e   traduzia a prosperidade económica da família, tornando o dote da noiva mais apetecível.  
Traje de Vianesa do início do Séc. XX. A imagem foi retirada daqui (Clicar)

A história e as tradições de Viana estão muito ligadas ao ouro, contudo as peças são fabricadas mais a sul, em Gondomar. As populações locais tinham tradições e superstições: uma delas era mergulhar o bebé com uma libra na mão, se a deixasse cair seria desafortunado, segurando-a a prosperidade estaria assegurada.  
No cofre estão expostas várias peças em ouro: custódias de pendurar no pescoço que lembram relicários das igrejas, anéis, “borboletas”.
As freguesias do concelho têm cores ou rendilhados que as identificam nos trajes de festa: a Areosa tem saia vermelha, Afife Azul, o Cabeço e Santa Marta têm aventais com motivos florais. A mais famosa romaria de Viana do Castelo é a Senhora D`Agonia que este ano vai decorrer entre os dias 17 e 20 de Agosto. A programação dos eventos está aqui.
Escrevi no livro de visitas: “Viana do Castelo não seria a mesma coisa sem os seus coloridos e elegantes trajes tradicionais.”
No museu municipal está exposto um quadro em aguarela sobre papel, de autor anónimo do séc. XIX, que representa um local de Viana junto ao rio, com barcos à vela, provavelmente um cais, e um jardim com damas e cavalheiros a passear elegantemente. Nas proximidades, um carro de bois e crianças a brincar descalças. O chapéu de coco dos cavalheiros e a coluna no passeio a lembrar a coluna de Nelson em Trafalgar Square deixaram-me dúvidas.
- Sim, é Viana do Castelo no séc. XIX. É uma imagem um pouco romantizada porque os senhores finos aqui representados supostamente não deviam andar a passear neste sítio, as mulheres do povo iam encher as bilhas no chafariz e muita água caia na terra enlameando tudo. A coluna lá atrás é a estátua de Mercúrio que foi transposta para o largo José Pedro. – Disse-me a guia, Mafalda.
Outro quadro do século XVI, de pintor anónimo: “A Adoração dos Reis Magos”, impressionou-me pelas cores muito vivas. Parece um postal de Natal.
- Trata-se de uma corrente mais ingénua, naïve, da época renascentista.
Também apreciei particularmente a escrivaninha do séc. XIX com pinturas muito coloridas na frente dos gavetões, se bem que num museu com tantas peças valiosas, impressionantes e antigas se torne injusto realçar apenas estas. É o museu visto pelos olhos de um amador, nada mais.
Pareceu-me que os castiçais antropomórficos de pretos, do século XIX, os representam com feições de cão ou de macaco. É apenas uma suposição, não esclareci a dúvida com a guia.

Deambulei pelas ruas de Viana. Vi vários restaurantes. É sempre difícil escolher um numa terra que não conhecemos. A maioria tinha a ementa na porta, alguns mais caros e requintados. Fiz um desvio pela rua do Anjinho e entrei no restaurante O Grelhador. Fiquei contente por encontrar este restaurante - pequeno, aconchegado, asseado e despretensioso. Decoração sóbria com motivos tradicionais: três lenços e o brasão de Viana emoldurado pendurados nas paredes, a cabeça de um gigantone pousada no armário da louça, um quadro da praça da Rainha, atual praça da República, cujo original se encontra no museu municipal. Clientes de todas as idades.
Paguei 6, 5€ pelo prato do dia que incluiu entradas de pão e broa, sopa, robalinho grelhado, bebida, café e sobremesa. Comida saborosa e empregados solícitos.
Regressei ao Porto no comboio regional da linha do Minho das 15:08:  7, 95€ o bilhete em 2ª classe. Mesmo em viagem e fora de casa sou constantemente assediado. Uma pedinte Romena pede-me esmola, digo que não tenho. Ela insiste: “O Sr. Comprou bilhete, deve ter troco e dinheiro”, mostra-me algumas moedas para ser mais persuasiva. Fico com a impressão que me vai continuar a chatear enquanto não lhe der alguma coisa. Dou-lhe esmola mais para a despachar – estava a interromper a minha leitura, do que por comiseração.
No comboio recebo uma chamada da NOS a propor um pacote - 5 minutos de conversa com algumas interrupções e sem decidir nada, apenas com a garantia de que voltarei a ser contactado.


Estou de regresso a casa, à minha ilha, onde Penélope e Telémaco esperam por mim. Noutra altura, com ou sem eles,  regressarei ao caminho e encontrarei Lestrogónios, Poseidons, cidades e povos sabedores e aprenderei com eles. 

A estátua de Frei Bartolomeu dos Mártires no largo de São Domingos

Praça da República


Museu do Traje

A estátua de Mercúrio, largo José Pedro

O largo de São Domingos e o Museu Municipal

Passeio das Mordomias da Romaria

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Caminho Português da Costa: Esposende - Viana do Castelo



Esposende – Viana do Castelo (cerca de 27 Km)


Manhã tranquila, sem chuva. Esposende é uma vila pacata e bonita, ruas pedonais asseadas, estátuas a homenagear as pessoas e profissões da terra; placas na entrada dos monumentos que informam a sua origem e  história.  Do outro lado do rio ficam as dunas de Fão e a restinga da foz do Cávado

Esposende
Igreja Matriz de Esposende

Monumento ao Homem do Mar (Séc. XX)

Restinga do Cávado

                                      

Forte de São João Baptista (Séc. XVII/XVIII)
O trajeto segue até à Praia Suave Mar -  pessoas de várias idades fazem jogging bem agasalhadas ao longo da ecovia, outras caminham no areal, um  cão esgaravata a areia -, afasta-se do mar e segue paralelo a ele por estradas calcetadas de granito, quintas, vivendas, quintais, cameleiras em flor, oliveiras, árvores carregadas de limões e tangerinas.
No átrio do albergue de Marinhas uma seta indica 26 Km para Viana do Castelo. Um placard anuncia o núcleo museológico da Abelheira.
Estou rendido ao caminho. A sinalização é impecável, as localidades estão vocacionadas para receber peregrinos: várias mercearias e cafés anunciam o Menu do Peregrino e Carimbos na Credencial, algumas em Inglês: “Stamps Here”. Percebo que é muito antigo pelos cruzeiros e pequenas ermidas ao longo dele. 
Lerei mais à frente, em Castelo do Neiva, que a igreja local  é “o mais antigo templo  consagrado  a Santiago, fora do território Espanhol”, sagrada em 862, coeva das descobertas das relíquias do santo.  No entanto, vou ouvindo os passarinhos, passo por ruas quase sem ninguém, um ou outro idoso no quintal ou à janela a espreitar, entre o azul do mar e a encosta da serra com ermidas lá no alto. Tudo tranquilo.   
 As margens do rio Neiva são muito arborizadas e algo abruptas, com musgo nas pedras escorregadias e lama, é necessário cuidado. O som da água a correr sobre pequenos açudes e cascatas é relaxante.

Albergue das Marinhas. 




                                               


Nesta anta foram colocados seixos pintados à mão, com frases de boa sorte, desejos, fotografias e fitas deixados por peregrinos de várias partes do mundo.


O rio Neiva entre a vegetação

Travessia do rio Neiva e entrada no concelho de Viana do Castelo


 Já no concelho de Viana do Castelo, depois de atravessar o rio, apanho uma tangerina caída no chão que me sabe maravilhosamente.
Encontro o Sr. Fernando a plantar eucaliptos no meio do bosque, meto-me com ele:
- Isso é muito mau para os incêndios.
- Não vou tirar proveito deles, já estou velho, são para o meu filho.
- Por que não planta sobreiros?
- Trabalhei no Alentejo, há lá um ditado que diz:” O sobreiro dá o avô ao neto”, cresce muito devagar. O eucalipto cresce mais depressa.
- Mas a madeira do eucalipto arde muito rápido, a do sobreiro é mais lenta e mais cara.
- Não se pode cortar sobreiros – conclui o Sr. Fernando. Eu calo-me. Um desconhecido que surge de repente no meio do nada, é melhor não fazer mais perguntas.
Mas o sr. Fernando continua a falar, sento-me no meco de granito a ouvi-lo e a beber chá da garrafa térmica:  os terrenos em volta foram todos comprados por um tio avô que ganhou a lotaria no Brasil; as burocracias paroquias que envolvem a comissão fabriqueira e a construção de um albergue de peregrinos; o filho que está no Canadá.
Sigo pelo meio do bosque que nem um Capuchinho Vermelho, de repente surge a fachada barroca de um mosteiro entre as copas dos pinheiros. Á frente do antigo mosteiro Beneditino, uma escadaria ingreme até à ermida da Sra. do Crasto. Deixo a mochila cá em baixo e subo os degraus até lá acima, dos dois lados vários painéis de azulejo representam o calvário de Jesus Cristo. Subir a escadaria também é um pequeno calvário depois de todos os quilómetros percorridos a pé desde ontem.
Atravesso as freguesias de Castelo do Neiva, São Romão do Neiva e Vila Nova da Anha, onde, num cruzamento rodeado de arvoredo, um memorial relembra o assassinato do Sr. João Pereira de Saraiva, da freguesia da Apúlia, às mãos dos ladrões, no ano de 1836:  imaginei um senhor montado no seu cavalo a ser surpreendido neste sítio isolado por bandidos. O ambiente de um conto de Camilo Castelo Branco, que tão bem retratou esta região de Portugal no século XIX.
O trajeto de hoje é mais ingreme, irregular e fisicamente mais exigente. Chego a Darque por uma estrada que atravessa o mato. Num local mais escondido, um carro estacionado com uma fulana a ler uma revista.
 E, agora, o Capuchinho Vermelho pergunta: Por que razão está esta senhora neste sítio isolado a ler a revista dentro do carro? E é simpática, está a sorrir para mim.
Sigo pela N13: trânsito, barulho. Estou menos à vontade. Os carros não param na passadeira antes da ponte de ferro sobre o rio Lima. As vias laterais pedonais são muito estreitas, é desagradável caminhar nos acessos e na ponte.
Um dos critérios para medir a qualidade de vida de uma cidade deve ser o conforto e a segurança dos peões. Neste aspeto, o acesso a Viana, para quem vem por Darque, está muito aquém.

Fico na Pousada da Juventude de Viana do Castelo. O site das pousadas da juventude de Portugal está aqui. Não sou sócio, além dos 13€ pela dormida numa camarata com quatro camas, pago mais 2,5€ pela aquisição do cartão das pousadas da juventude, sem o qual não posso pernoitar. Exceção feita a quem possui a Credencial do Peregrino. O pequeno almoço está incluído no preço.
Estou com sorte, a receção colocou-me numa camarata sem mais ninguém, com vista para o rio Lima.  Um grupo de crianças e adolescentes de Guimarães está na pousada.
Vou jantar ao snack-bar restaurante Viana Remo por sugestão da rececionista.  Caminho ao longo da margem do  Lima. É noite, não se vê ninguém. Tudo silencioso. As luzes fosforescentes dos candeeiros do jardim e do outro lado do rio. O snack está quase vazio. Na TVI passa um concurso qualquer com a Cristina Ferreira, ouço os seus risinhos estridentes enquanto tento anotar as impressões da caminhada.
Igreja de Santiago (Castelo do Neiva) "O mais antigo templo consagrado a Santiago, fora do território Espanhol". 

Obra muito interessante. O recorte das letras no metal deixa passar a luz e lê-se o texto na sombra.

                                     

Estrada Romana entre Castelo e São Romão do Neiva. O painel informativo do caminho de Santiago, logo após a travessia do rio Neiva refere que "no concelho de Viana do Castelo, o Caminho percorre o traçado de uma antiga estrada Romana e da estrada Real ao longo de 30 Km e de sete freguesias"

                                     

Painel de azulejo na subida para a Sra. do Crasto

Caminho da Rebadeira (Vila Nova de Anha)

Vila Nova de Anha

A ponte de ferro para Viana. No tabuleiro inferior passa a linha férrea, no superior a nacional 13.

Rio Lima


domingo, 11 de fevereiro de 2018

Caminho Português da Costa: Póvoa de Varzim – Esposende




Porto – Póvoa de Varzim (de metro)

Póvoa de Varzim – Esposende (cerca de 25 Km)

Saio de casa com uma pequena mochila às costas, pretendo ser discreto e não dar muito nas vistas. Não levo a parafernália habitual do peregrino: mochilão pesado, vieira, bastão ou cajado, nada disso. Roupa normal, calças de ganga, casaco impermeável, o necessário para apenas três dias fora de casa.
Cai uma chuva miudinha, espero pela camioneta que me levará ao Porto. Na paragem uma senhora queixa-se dos maus horários.
- Estamos muito mal servidos de camionetas, não há quase nada.
- Sim, mas quase toda a gente anda de carro, não admira que as camionetas andem vazias, vão à falência e depois não há transporte.
- Anda quase toda a gente de carro porque as camionetas são caras, desconfortáveis e pouco frequentes.
Na camioneta da AV LOUROSA vão 8 passageiros para o Porto, mais o motorista. É confortável e foi pontual.
Não comprei a credencial do peregrino na Sé do Porto. Aos Domingos e feriados só a partir das 14.30, na bilheteira de acesso aos claustros. Nos restantes dias está aberta entre as 9.00 e as 18.00
A caminho da Sé, a passagem na ponte D. Luís e a inevitável fotografia da Ribeira

Segui para a Póvoa sem a credencial.  Em alternativa um pequeno caderno pode servir para registar os carimbos e comprovar a realização do caminho, muitos peregrinos que por vários motivos não conseguem adquirir a credencial recorrem a esta solução.

A linha do metro que segue para a Póvoa de Varzim é a vermelha (letra B).  Entrei na estação da Trindade: custo 2.80€ - 55 minutos de viagem. Há muitos lugares livres, sento-me confortavelmente a observar as estações: o bairro das Águas Férreas, desenhado por Siza Vieira, com as paredes grafitadas; os bairros de Francos, Ramalde, a fábrica de café da SOTOCAL, o Viso, Custóias, Modivas, autoestradas, linhas férreas, arvoredos de eucaliptos e pinheiros, os Seguranças da PROSEGUR parados em algumas estações. O ambiente urbano cada vez mais disperso, muita lama da chuva dos últimos dias na berma das estradas e nos quintais nas traseiras das casas. A torre da igreja de Azurara, o convento e os claustros de Santa Clara já em Vila do Conde.
A figura de um homem escanzelado, de costas para a linha a urinar contra um contentor abandonado, rodeado de lixo. Provavelmente um toxicodependente, antes da Póvoa.

Na Póvoa de Varzim, passo na praça do Almada, o centro cívico da cidade, com a câmara municipal, o pelourinho e a estátua do seu mais ilustre filho - Eça de Queirós (1845 – 1900). Decorre uma feira de velharias, roupas e livros usados.
A capela de São Roque fica no caminho de Santiago, onde uma placa faz referência “à velha estrada de Viana, sempre à vista do mar pelo “caminho das areias” para Norte até Esposende”. Sigo pela Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, o casino SOLVERDE e a Avenida dos Banhos, com muitos prédios voltados para o mar, restaurantes, snack-bares, hotéis e apartamentos vazios, alugados sazonalmente na época de verão.
Câmara Municipal da Póvoa de Varzim (Praça do Almada)


Estátua de Eça de Queirós (Praça do Almada)
Pelourinho (Praça do Almada)

Capela de São Roque (Póvoa de Varzim)

Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição

Av. dos Banhos e a indicação do caminho de Santiago. As tabuletas vão ser frequentes ao longo do caminho, particularmente no início de cada municípo. 

Praia da Póvoa

Póvoa de Varzim



Sinto-me enclausurado entre o mar e os prédios à minha direita, felizmente não há muita gente na rua. O céu está escuro e a ameaçar chuva. Em A-Ver-O-Mar (acho muita piada a este nome), na padaria Avelino Vaz, peço para encher a minha garrafa térmica com água quente. Vou fazer os possíveis para não consumir água engarrafada. Li algures que para produzir uma garrafa de plástico é necessário consumir uma quantidade de água três vezes superior ao volume da garrafa – um desperdício de água altamente destrutivo: os milhares de plásticos que ficam por reciclar vão parar ao oceano, matam os seres vivos que os ingerem e entram na cadeia alimentar. Provavelmente já todos nós ingerimos microplásticos sem saber.
Sigo pelo passadiço ao longo da costa, ocupada quase sempre por prédios e vivendas voltadas para o mar. Anseio chegar a uma zona mais selvagem e isolada.

Aspeto do passadiço depois da Póvoa

A Rua dos Sargaceiros tem um nome muito apropriado. A apanha do sargaço foi uma ocupação agrícola – as algas fertilizavam os campos - e um complemento económico muito importante - eram vendidas para fabricar medicamentos e cosméticos. São famosos os Sargaceiros da Apúlia, freguesia do concelho de Esposende onde irei passar mais à frente. A costa rochosa não permitiu que a pesca se desenvolvesse tanto como noutras zonas, em contrapartida permitiu a existência de grandes quantidades de sargaço.
                                              

                                               

Na Aguçadoura, terra de Luandino Vieira, o caminho desvia-se da costa e sai do passadiço, segue por uma estrada de paralelos rodeada de estufas e viveiros, protegidos pelas dunas. Marcos de granito com musgo delimitam os terrenos, há muros com ervas a esfarelar de velhos, regatos estreitos a correr na direção do mar. A parte mais bonita do percurso.  Um painel anuncia o parque de Campismo Rio Alto da ORBITUR, rodeado de pinheiros e dunas. Tenho que caminhar rápido porque começa a chover intensamente, apesar do guarda-chuva, a chuva bate por trás e fico com a parte de baixo das calças molhadas. Chego à famosa terra dos sargaceiros, a Apúlia, onde o campo de futebol tem, justamente, este nome. O caminho é em paralelos, ao lado de terrenos arenosos com arvoredos de pinheiros mansos, carvalhos e mimosas com uma bonita flor amarela nesta altura do ano, infelizmente uma invasora terrível. 
No meio do pinhal começo a ouvir o eco distante de uma multidão, apercebo-me mais à frente que é um jogo de futebol a decorrer no Centro Desportivo Clube de Fão.
Fão é uma bonita vila. Cartazes na rua com a frase: “Fão diz Não”, indiciam descontentamento popular. Trata-se de uma luta contra a extinção da freguesia, um resquício da austeridade da  Troika.

Largo do Bom Jesus (Fão)
                                                    
O Rio Cávado em Fão
Centro de Fão


Ponte D. Luís Filipe. Construída em 1892, sobre o rio Cávado. Ponte metálica assente em colunas de granito.

Fico alojado em Esposende no Hostel Eleven (11). Tem um aspeto impecável, é limpo e cheira a novo. O jovem Rececionista, João, é muito simpático, dá-me todas as informações necessárias. Na minha camarata, com 8 camas em quatro beliches, dormirei apenas eu e um outro hóspede Português. 
O preço do Hostel para peregrinos é de 10€ /noite em camarata e casa de banho comum, com mais 2,5€ para o pequeno almoço. Fiquei com uma impressão muito positiva do albergue, dirigido pelo senhor Vítor e pela muito simpática e prestável esposa, a Dona Carla, com quem conversei ao pequeno almoço. No verão é frequente estar lotado e por esse motivo vai ser aumentado. Estão à procura de mais um funcionário, receberam até ao momento cerca de 30 currículos.

Janto no restaurante Adega Regional do Cuquinho uns metros mais acima do Hosteleleven. Tem menu do peregrino, preço de Domingo: 10€
Cadeiras e mesas redondas de madeira com toalha vermelha em cima, lareira acesa no meio da sala, aspeto rústico.  Cinco Homens bem dispostos à volta da mesa, mais um casal na outra e eu, sozinho, numa outra.  Várias garrafas de vinho tinto e uma de aguardente abertas na mesa dos homens. Falam alto, contam brejeirices, dizem palavrões - ou não estivéssemos no Norte, carago! – De repente, o dono do restaurante, o sr. Azevedo, diz-me:
- Não ligue, isto aqui é tudo boa gente – aponta para um deles – olhe, este aqui é padre. – Os outros riem.
O padre levanta-se, amarrota o guardanapo de papel na mão e atira-o à cara do Sr. Azevedo. O Sr. Azevedo ri. Um dos clientes, o Sr. Cunha, conta uma anedota picante sobre padres, com muitos palavrões pelo meio. O Sr. Azevedo conta outra. Depois, sabendo que sou peregrino, mostra-me o livro de visitas. Tem dedicatórias de peregrinos da Namíbia, Rússia (Moscovo), Coreia do sul, Estados Unidos.
No regresso ao Hostel encontro Íris na cozinha, oferece-me cerveja belga. Está muito contente por encontrar cerveja do seu país no armário.  É agente turística, anda pelo  Norte de Portugal a conhecer  sítios para criar circuitos  e vender a clientes de outros países. Quer fazer trilhos no Gerês.  
- O que é que Portugal tem para oferecer que os outros países não têm? – pergunto.
- Depende do país. Para os Belgas da Flandres ou os Holandeses, onde tudo é plano, Portugal tem montanhas. Mais praia, sol, surf.
O dia não lhe correu muito bem por causa da chuva, que a impediu de visitar alguns locais. Viveu no Botswana e na Costa Rica, estava farta da Bélgica e da sua anterior profissão de agente de seguros. Mudou radicalmente para “ser mais feliz”. Viajou pela América do Sul de mochila às costas, onde considera que as pessoas são mais felizes, apesar de terem poucos bens materiais.  A felicidade é inversamente proporcional à posse de bens. Na Bélgica, casais amigos andavam descontentes por não terem a cozinha que queriam: “É estúpido, não faz sentido!”.
Digo-lhe que nós os portugueses, apesar de latinos e culturalmente estarmos mais próximos dos sul americanos do que dos Belgas e Holandeses, somos bastante materialistas e gostamos muito de dinheiro.
Pergunta-me o que é que eu mais gostaria de fazer, respondo: - gostava de ter muito dinheiro para não ter que trabalhar.