sábado, 24 de setembro de 2011

Santa Maria Manuela


Navio Santa Maria Manuela

Estávamos nos primórdios do Estado Novo. Em Espanha decorria uma guerra civil sangrenta entre a direita ultranacionalista, conservadora e monárquica e a esquerda republicana e progressista. A Europa, sem o saber ainda, caminhava a passos largos para a mais terrível mortandade da história humana, a segunda guerra mundial, da qual resultariam dezenas de milhões de vítimas.  

Portugal ia passando entre os pingos da chuva, jogando os poucos trunfos que tinha na instável geopolítica internacional, afastando a participação direta nos conflitos, que se pressentiam, eminentes. A maioria da população era pobre, o país miserável e subdesenvolvido, urgia a independência alimentar num contexto de forte concorrência e crise mundial. O mar sempre foi  recurso, e tábua de salvação, nos  momentos  de aflição e instabilidade.  Assim foi novamente.  

Criou-se  “a frota do bacalhau”, destinada às aguas frias e abundantes da Terra Nova para suprir as carências alimentares do país.  Navios de alto mar, de quatro mastros, entre eles o Santa Maria Manuela (construído em 1937), o Creoula e o Argus,  sediados principalmente nos portos de Viana do Castelo, Aveiro e Lisboa.

Com a segunda grande guerra,  o chefe do conselho, António de Oliveira Salazar, acordou com a Alemanha Nazi a exportação de volfrâmio, mineral muito útil em tempo de guerra, e de alguns produtos  agrícolas. Uma das cláusulas  era os submarinos alemães não atacarem a frota portuguesa.  Os cascos foram pintados de branco para serem bem visíveis e não confundidos com os restantes navios dos países em guerra.  Os barcos Portugueses tornaram-se conhecidos pela   “Whyte Fleet”, a Frota Branca, ficando na memória as  velas  desfraldadas  ancoradas ao largo de São João da Terra Nova.  

A pesca do bacalhau deixou fortes hábitos culturais. Embora já fosse habitual, o seu consumo aumentou muito neste período. A indústria empregava milhares de trabalhadores desde a captura  no mar alto até à  distribuição pelos centros de secagem e de venda. Portugal continua a ser  o país do mundo onde mais bacalhau seco se consome e não há nenhum outro com tanta variedade de confeção, lembro-me  assim de repente do bacalhau à Gomes de Sá, à Brás, à Zé do Pipo, à Lagareiro, Espiritual.

A conscrição na pesca foi uma maneira que muitos mancebos encontraram mais tarde para escapar à guerra no ultramar. Ficavam livres do serviço militar. O salário base era muito reduzido, havia, no entanto,  a oportunidade de ganhar mais dinheiro com  quantidades extra de pescado.   

As campanhas marítimas duravam vários meses. O navio mãe transportava aproximadamente 65 pequenos barcos, os Doris, empilhados no seu convés. Chegados às águas frias do Atlântico Norte eram lançados à água com apenas um homem dentro. Estes ficavam isolados até doze horas, pescando com cana e anzol. Quando o enchiam remavam de regresso ao navio.  Podiam não o encontrar com o nevoeiro cerrado e o mar agitado. Uma atividade perigosa e extenuante. Os navios tinham uma tripulação aproximada de 70 homens.

O Santa Maria Manuel homenageia a esposa do armador, Dona Maria Manuela D`Orey. Não foi uma Santa canonizada pelo Vaticano, foi-o para o marido.  Deu-lhe quinze filhos e aturou-o imenso, tendo sempre com ele "uma paciência de santa".

O Argus fez parte de um documentário da National Geographic Society que o tornou famoso em vários países nos anos 50 e 60 do século passado.  Um livro sobre a pesca do bacalhau, traduzido em catorze idiomas, também contribuiu para a sua fama. As imagens de homens solitários no mar alto empregando técnicas artesanais de pesca, os cascos brancos e as velas de quatro mastros desfraldadas ao vento fizeram desta atividade de sobrevivência alimentar e económica de um pequeno país Atlântico um acontecimento de projeção internacional.  O navio tornou-se cobiçado por estrangeiros, o governo do Estado Novo não o vendeu, representava uma memória histórica importante.

No verão quente de 1975 o navio foi parar aos Estados Unidos, retirado do estaleiro de Lisboa,  transformado em barco de recreio -   o jet Set internacional considerava um must navegar no ex-bacalhoeiro,  filmado pela NGS -  e renomeado com nome  mais comercial e turístico,  de acordo com as novas funções a que estava  destinado,  de ressonâncias exóticas e tropicas, em contraste com a sua atividade inicial e os bancos de gelo que o viram navegar, o Polynesia.  

Apesar do glamour o proprietário entrou em falência. Foi a  Leilão na ilha de Aruba, no ano de 2007.  A  empresa que detém o Santa Maria Manuela comprou o navio,   sem ajuda do estado.

Hoje, o Polynesia, ex-Argus, estrela documental,  está decadente,  ancorado em ílhavo,  no porto da  Gafanha da Nazaré,  próximo do companheiro de gesta heroica, o Santa Maria Manuela, à espera de ser recuperado.

É justo que se faça publicidade à empresa detentora dos navios, a Pascoal, que não deixa morrer a memória épica da “Frota Branca”.


Navio Santa Maria Manuela




Dóris





O Polynesia, Ex-Argus, no Porto de Aveiro



O Polynesia
 

Pela primeira vez coloco publicidade no meu Blog.
Produto Português com um papel importante na preservação da nossa memória histórica, fazendo o papel que deveria competir ao Estado.


sábado, 10 de setembro de 2011

Trilho da Ponte de Ferro














Este trilho faz parte da rede de percursos pedestres do Concelho de Águeda, distrito de Aveiro. É o PR 5, está sinalizado de acordo com as normas de Federação Portuguesa de Campismo e Montanhismo. Toda a informação necessária encontra-se disponível no folheto do percurso.  Para obter mais informações, o  contacto do Posto de Turismo de Águeda é o número 234 601 412.
Fiz o sentido indicado no folheto turístico. No regresso a Travassó não vi os sinais do trilho, contudo como já estava dentro da freguesia, foi só seguir a orientação da igreja Matriz.
No último terço do percurso, após o desvio do rio Águeda em direcção à casa da EDP, surgiram dois caminhos em terra batida e não vi placa. Ou melhor, vi um suporte de madeira que pode ter sido de uma seta do percurso derrubada. Fiquei na dúvida por onde seguir,  de acordo com o mapa do percurso, que me ajudou nesta situação, segui pelo de terra batida à minha frente. Exceptuando estas duas situações (talvez por distracção minha) todo o percurso se encontra bem sinalizado. É fácil. 7, 4 Km quase sempre planos, ao longo do rio Águeda, de uma parte da linha do Vouga, campos de milho, choupos e vinhas. É um percurso realizável em todo o ano e com muita sombra. Talvez em épocas muitas chuvosas uma parte destas terras fiquem bastante alagadas. São zonas baixas, humidas e muito irrigadas por pequenos rios (Águeda, Cértima) com ligações à Pateira de Fermentelos.
A linha do Vouga é uma das  poucas ferrovias estreitas ainda em utilização no nosso país. Já houve o tempo em que se ia de Espinho a São Pedro do Sul em Combóio e de Aveiro a Viseu. Hoje, as automotoras da linha têm horários muito reduzidos, os apeadeiros existentes estão maltratados e poucos troços   em funcionamento - Espinho- Oliveira de Azeméis e Aveiro - Águeda, creio que sem hipóteses de ligação entre os dois.
Por falar em ferrovias estreitas, na sua importância histórica, paisagística, cultural, económica para o país e  na destruição das linhas em nome do alcatrão e das barragens, apetece-me referir o excelente documentário PARE ESCUTE E OLHE e deixar aqui o link para o blog sobre a linha do rio Tua- A Linha é Tua.



Largo dos Santos Mártires - Igreja Matriz de Travassô. Esta Igreja foi doada ao mosteiro de Grijó em 1093.
O culto aos Santos Mártires de Marrocos ( 15 e 16 de Janeiro) na Freguesia de Travassó, terá surgido desta ligação.




Painel de Azulejos no Lavadouro Público representando uma cena das lavadeiras no rio



Capela de Nossa Senhora do Amparo

" Vouguinha" - Linha do Vouga. Inaugurada em 1908 pelo Rei D. Manuel II

Rio Águeda junto à Remolha

Entre a Remolha e a casa da EDP, ao fundo a Serra do Caramulo

Ponte de Requeixo. Junto desta ponte confluem os rios Águeda e Cértima


Piteira. As folhas desta árvore eram usadas para prender videiras, cereais. Por isso era frequente plantá-las nos campos. Facilmente os agricultores retiravam uma folha para quando necessitavam de fazer atilhos.



sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ir a Banhos em Espinho
















Este texto é baseado no livro “Os Banhos de Mar em Espinho no início do século XX”, editado pelo Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Espinho. As fotografias também foram copiadas do mesmo livro.

 
O hábito de frequentar as praias para os banhos de mar começa na Inglaterra, com o rei George III, na praia de weymouth, decorria o ano de 1789. A partir dessa data, as elites sociais acorrem a outras estâncias, tornando-se as mais conhecidas Brighton, na Inglaterra, e Dieppe em França.

Na primeira metade do século XIX essa prática já se havia instalado em algumas praias Portuguesas, Espinho era uma delas. Inicialmente, eram os estratos sociais mais elevados que frequentavam a praia, cuja prática foi-se estendendo gradualmente às classes mais baixas.



Espinho era uma aldeola de pescadores, constituída por palheiros, pertencente ao Concelho de Santa Maia da Feira. Nos anos trinta do século dezoito começam a surgir os primeiros palheiros em madeira, onde se alojam as famílias da alta burguesia oriundas das redondezas, e nas décadas seguintes dá-se uma acelerada expansão urbanística para receber a crescente procura de veraneantes.



Espanhóis, principalmente das províncias de Cáceres, Salamanca e Badajoz, que graças à ligação directa Madrid-Lisboa, inaugurada em 1863, começam a ocorrer em grande número à Praia de Espinho, assim como burgueses Portugueses, intelectuais e lavradores abastados. Muitos titulares de comendas nobiliárquicas, vindos de outros pontos do país, deslocam-se para aqui anos a fio. A sua chegada faz-se com grande aparato: chegam à estação em comboios repletos de familiares e convidados, trazem cavalos nos vagões, carruagens, equipamentos e cereais para distribuir pelos indigentes que chegam a Espinho à procura da esmola e da generosidade dos veraneantes.

 

É curiosa a comparação feita há mais de cem anos entre as mulheres Espanholas e Portuguesas. As Espanholas são mais esfuziantes e expansivas, relacionando-se facilmente com os outros, não são de cerimónias e, sem perder a dignidade, aproveitam como ninguém os dias que passam em Espinho, dançando e passeando. A mulher Portuguesa é mais tímida e preconceituosa.



O Banho de mar era tomado nos primeiros tempos com fins exclusivamente terapêuticos. A sua divulgação estava em rápida expansão na Europa em artigos científicos e de medicina publicados com frequência na época.

Gradualmente, a ida à praia começa a adquirir também um carácter lúdico. De manhã toma-se o banho terapêutico, habitualmente entre as 8 e as 10 (a gente “chique” prolonga-o até às 11).

As mudas de roupa realizam-se em barracas. Homens e mulheres vestem fatos de flanela, elas de vestido de cauda, touca e sapatinhos de pano, eles de camisola e calças. As classes mais baixas não mudam de roupa, vão ao mar antes das 8 da manhã e fazem-no nos lugares mais recônditos. Como não se despem, geralmente molham apenas os pés.



A tarde está reservada para os convívios sociais. Espinho passa a ter cafés com actuações ao vivo de sextetos espanhóis. O café Chinez torna-se o mais famoso de todos e, num desses sextetos, actua o violoncelista Pablo Casals ainda muito jovem: Terá sido num destes serões que encontrou Guilhermina Suggia pela primeira vez?

Surgem salas de jogo, salões que organizam soirées, o cinematógrafo e o teatro onde actuam algumas das melhores companhias Portuguesas.



Espinho ganha um novo tipo social, o Banheiro. Numa época em que poucos sabem nadar, este profissional acompanha as famílias nos banhos de mar. É estabelecido um contrato entre ambos no número de banhos a dar. Além disso, colabora muitas vezes na procura de casas para arrendar, no transporte de malas desde a estação até ao posto da alfândega e no aluguer de barracas. Muitos destes banheiros servem as mesmas famílias anos a fio, estabelecendo-se uma relação de muita confiança entre eles. Há famílias Espinhenses de pescadores que mantêm o negócio dezenas de anos, funcionando como uma espécie de empresa mantida pelos descendentes e sempre com o nome do primeiro banheiro.

Aurélio Paz dos Reis,  Batalha das Flores. Esplanada do Café Chinez, 1907

Aurélio Paz dos Reis, Grupo de Espanholas no jardim high-life, 1907


Aurélio Paz dos Reis, Interior do Café Chinez, sexteto musical ,1907