domingo, 10 de janeiro de 2010

Aveiro - Festas em Honra de São Gonçalinho




O bairro da Beira-Mar em Aveiro celebra este fim-de-semana o São Gonçalinho, diminutivo atribuído carinhosamente pelo povo ao São Gonçalo de Amarante. Santo que  é apenas  para o povo porque a Santa Sé nunca o reconheceu como tal, só o beatificou.


Filho de uma família de nobres, nasceu perto de Guimarães e foi ordenado sacerdote em Braga. Partiu em peregrinação para Roma e Terra Santa, de onde regressou com um fervoroso zelo apostólico, dedicando-se à pregação e à generosidade social nas terras de Entre Douro e Minho. Estabeleceu-se em Amarante, onde morreu em 10 de Janeiro de 1262.

O santo passou em Aveiro e a cidade celebra-o desde há 500 anos. As festas têm por centro a capela dedicada a ele, no bairro da Beira-Mar. A cúpula tem um pequeno corredor exterior, ao qual  se chega  por umas escadinhas  íngremes e estreitas dentro da capela. Lá de cima atiram-se as cavacas, uns bolos duros e secos preparados especialmente para esta ocasião. O sino toca a avisar que vão ser  lançadas as cavacas e continua sempre a tocar enquanto elas são atiradas com força cá para baixo. É um momento muito animado ver dezenas de pessoas cá em baixo a tentar apanhar cavacas com redes, sacos, guarda-chuvas virados ao contrário ou apenas com as mãos, empurrando-se e deslocando-se de um lado para o outro para  apanhar o maior número possível de bolos. Há homens e mulheres de todas as idades, contudo todos parecem crianças nesta pesca de cavacas.

Fiquei entusiasmado com a situação e fui para o meio da multidão tentar apanhar algumas também. É como praticar um desporto com alguma adrenalina, depois de se apanhar a primeira quer-se apanhar cada vez mais. Vi pessoas que realizaram prodigiosas “pescarias”, autênticos profissionais que encheram as redes com uma rapidez espantosa. Muitos estavam equipados com capacetes - uma cavaca em cheio na cabeça de alguém deve doer! - e com redes presas no cimo de  canas muito compridas. 

Milhares de toneladas deste doce são arremessadas todos os anos por centenas de pessoas que querem pedir um desejo ao santo, ou simplesmente se divertir. A relação entre o lançamento das cavacas e o São Gonçalinho tem uma origem simbólica, atirar cavacas representa o pão atirado aos pobres pelo santo. Há outra origem mais lendária, que se relaciona com os cavacos, nome dado a pedaços de madeira que o santo teria transformado em pão. Por isso o nome "cavacas" e a razão de serem tão duras.

Qualquer pessoa pode arremessar as cavacas lá do alto, desde que não se importe de subir os inúmeros degraus,  não tenha vertigens e as  compre numa das barraquinhas entre a Praça do Peixe e a capela. Fui lá acima duas vezes: na primeira,  as vertigens incomodaram-me e atirei-as a medo, encostado à cúpula da igreja, mal espreitando cá para baixo; na segunda vez, já de noite e depois do jantar, com uns copitos de tinto e um whiskizito para a digestão, fui mais animado, fiz pontaria para a cabeça das pessoas e atirei-as com força, para doer!

Os mareantes de Santa Marinha, de Vila nova de Gaia, são convidados desde há vários anos para fazer arruadas nas ruas do bairro. Desfilam ao som das batidas fortes e ritmadas dos bombos, atraindo desta forma a atenção dos moradores e dos forasteiros para a festa. À  frente vêm dois pajens que trazem  o busto do seu  padroeiro, São Cristóvão, e uma estatueta de São Gonçalinho.

As festas começaram na Quinta-feira e terminam na próxima Segunda, neste Sábado actuaram os Ranchos Folclóricos de Rio Novo do Príncipe, de Sarrazola e Etnográfico e Cénico das Barrocas. Ambos de Aveiro.

Alguns versos  diziam assim:


“ Ó Aveiro, ó Aveiro

Ó Aveiro mandriola

Trago Aveiro pintado

Nas costas de uma viola”



“Aveiro por ter marinas de sal

Não há terra mais bonita

No reino de Portugal”


Barraquinhas de cavacas

Cavacas, os bolos maiores e cavaquinhas, os mais pequenos
Períodos em que são atiradas as cavacas
Frase gravada numa cavaca
Capela de São Gonçalinho com as redes de "pesca"  a postos para  mais um desafio
O desafio

São Gonçalinho

Aveiro, a "Veneza" Portuguesa
Canal no bairro da Beira-mar

sábado, 2 de janeiro de 2010

Caminhar
















Há um livro com este título, pensei que talvez ficasse bem uma citação ou um pensamento do autor, já que o pedestrianismo é um tema muito importante deste Blog, mas não o único, e estamos no início do novo ano. Seria uma homenagem a um dos mais radicais e interessantes personagens da Cultura Ocidental, embora pouco conhecido, Henry David Thoreau.
Os indivíduos excêntricos e “contra-a-corrente” sempre me fascinaram. Não sei como o descobri, o importante é que, como todos os bons autores, este forneceu-me pistas para outras leituras, correntes filosóficas e modos de pensar alternativos, que fazem confrontar o nosso estilo de vida e começar a duvidar de muitas situações, tidas como adquiridas e inquestionáveis.

Em “Caminhar” faz-se uma apologia das caminhadas, da natureza e do ar livre. Outro livro do mesmo autor é “Walden Pond ou a Vida no Bosque”, no qual Thoreau descreve minuciosamente a sua experiência de vida numa cabana que construiu num bosque e onde viveu vários meses, tentando depender o mínimo possível do exterior e sobrevivendo com a que natureza lhe fornecia. No livro “Em Defesa de John Brown” faz um manifesto político contra a condenação à morte de John Brown por ajudar escravos negros a fugir do Sul esclavagista dos Estados Unidos para o Canadá. Thoreu tornou-se num precursor da teoria da Desobediência Civil, que viria a ter muita influência em Tolstoi, Ghandi e que, mais tarde, regressaria aos Estados Unidos com Martin Luther King.

Cheguei a casa, procurei o livro e não o encontrei. Já o li há muitos anos juntamente com os restantes, por serem tão bons e raros devo tê-los guardado com tanto cuidado que agora não sei onde estão. Foram publicados em Portugal pela Antigona.


Há várias razões para caminhar: depois desta época de excessos é um bom motivo para começar a repor a forma e a elegância perdida, fazer algo diferente em vez dos habituais Centros Comerciais e passeios de carro, de que nos tornamos cada vez mais dependentes, conviver, usufruir a natureza, respirar ar puro, etc. Para mim são todas válidas.


Foi com estes pensamentos que fui ao Porto através de Espinho. Entre Grijó e Espinho a estrada em paralelos é uma chatice: não tem passeios, quase não se vê ninguém (apesar das muitas vivendas, algumas devolutas e degradadas que poderiam ser muito interessantes se recuperadas) e muitos carros, como é habitual. Depois, de Espinho ao Porto, pelo passadiço e marginal do rio Douro até à Ponte Dom Luís, o percurso é mais interessante porque se vai junto do mar e do rio. Há, habitualmente, muita gente a caminhar, contudo, pareceram-me poucos os caminhantes hoje.  A ameaça de chuva e vento deve ter dissuadido as pessoas. Agradou-me mais assim.

É visível a erosão causada pelos temporais dos últimos dias, em algumas partes o passadiço foi destruído e noutros locais já teve de se começar a construir um novo, paralelo ao anterior mas mais afastado do mar. Na Afurada, a lancha “Flor do Gás” não tem permissão da capitania para atravessar o rio. "Tem sido assim desde há uma semana",  diz-me o mestre, desgostoso por estar parado todo este tempo. O rio parece-me bastante calmo, o caudal é mais largo do que estou habituado a ver, está mais em cima. A calma pode ser muito enganadora. Se a capitania ordena para que não se atravesse o rio é porque existem razões fortes para isso -  A segurança é o mais importante - respondo.

Vou ter que seguir a pé até à Ribeira e desistir da Foz do Porto.


Uma consequência do mau tempo dos últimos dias...



Afurada


Porto, sempre incrivelmente fotogánico

Rua das Flores