sábado, 21 de maio de 2011

Sozinho em Seoul














Durmo muito mal. O ar condicionado parece o motor de um avião. Está húmido, o quarto quente e abafado. Só às quatro da manhã me lembro que posso desligar o ar. Sento-me a ler os guias turisticos de Seoul, a fazer horas para começar cedo o dia e  aproveitá-lo ao máximo. Estou sob o efeito das horas passadas no avião,  muitas mudanças e adaptações súbitas em pouco tempo que ando estranho  para dormir.
Ainda não vi mais ninguém na guesthouse além da senhora que me atendeu ontem. Acho que ela dorme na própria recepção. Está com a TV ligada às 7 da manhã e deitada num colchão no chão. Acordo-a e faço o gesto de querer comer. levanta-se mal disposta e vem à cozinha mostrar onde estão as coisas. Sempre que a vejo, está deitada nesse colchão, ora a dormir ora a ver TV.
A minha espelunca é minúscula, a casa de banho não tem espaço para o duche. O metro quadrado em Seoul deve ser um luxo. O chuveiro esta pendurado entre a retrete e a bacia. Para quê desperdiçar espaço com uma banheira se o chão serve para o efeito?
De manhã visito o palácio Gheonggukbung.  O Lonely Plantet Korea  aconselha, a quem estiver pouco tempo em Seoul, a visitar este palácio em primeiro lugar. Há um complexo de palácios reais distribuidos por esta zona central  construidos durante a dinastia Joseon, a ultima monarquia da Coreia que fez de Seoul a sua capital desde o século catorze.  O palácio é composto por edificios destinados aos membros da corte e espaços de lazer. Um jardim enorme,  com o nome sugestivo de Jardim Secreto, com pequenos lagos artificiais rodeados de vegetação frondosa e pavilhões coloridos nas margens, para onde o rei vinha estudar. É um local idílico, húmido e orvalhado, sendo  o silêncio interrompido apenas pelos pássaros, bem no centro de Seoul. Quando as portas abrem fico impressionado com a panorâmica dos picos montanhosos que se estendem a norte, uma paisagem que lembra as  reproduzidas nos biombos e porcelanas chinesas. A Coreia tinha no passado os epitetos de Reino Heremita e  Terra das Manhãs Tranquilas.  Os  palácios têm nomes que  significam Paz celestial, Muito Abençoado pelo Céu.
 Grupos de jovens estudantes em  uniforme escolar realizam a visita. Uma miuda vem ter comigo e pede uma fotografia.
- Claro! -  faço o gesto para se alinhar com as colegas  e lhes tirar a foto.  É a mim que quer fotografar, está a pedir autorizacão. 
-Ok  - coloca-se a  meu lado com as colegas, rindo,  enquanto uma das miuditas tira a foto ao grupo com um elemento improvável. 
-Thank you. Where are you from?  Portugal?! Uau !!! - ficam surpreendidas com a originalidade do país e voltam a rir.
Suscito a curiosidade de outros grupos de estudantes que vêem ter comigo timidamente para  meter conversa,  querem saber de onde  sou,  explicam o que fazem: são estudantes numa visita de estudo;  de onde vêem e, por fim, pedem  delicadamente para me tirar uma fotografia. 
De tarde visito um complexo de templos budistas e deambulo mais um pouco. Compro uma daquelas comidas estranhas a um casal de vendedores. Pergunto gesticulando onde fica o  Kyobo Building.
-  Gyobo ?
- Yes.
Pegam num papel, desenham um cróquis dali até ao edifício e fazem sinais apontando para a estrada e esquina onde devo virar.    Compro-lhes sushi panado, servem-me uma dose generosa, mais do que estava à espera. Sorriem, perguntam de onde sou.
-American? Portugal??? - mais outro sorriso. Oferecem água para refrescar a boca dos temperos picantes,   sorriem mais um pouco. Falam sempre em coreano,  vão comunicando comigo com sorrisos e palavras simples.  Despeço-me. Apetecia-me ficar a conversar com este casal simpático mais algum tempo. Ofereceram-me muita coisa, simpatia, confiança e conversa, apesar da lingua  ser uma barreira. Fizeram-me sentir bem nesta cidade diferente. 
Um monge  budista põe-me na mão  um amuleto, diz que é para dar sorte e que vai rezar por mim. Pergunto  se quer dinheiro, o amuleto deve ter algum preço. Diz que não, pede-me só o nome, de onde sou e depois mostra a fotografia de um edificio em construção  e aqui sim, pede algum dinheiro.  Afinal era  dinheiro que queria:
- 1000 wons? 
- Não, é pouco! 
Só posso dar 2000 Wons, que é o que tenho trocado naquele momento.  Vou embora e sinto que fui ludibriado.
De noite, finalmente vejo algum movimento no albergue. Converso com shaa, natural do Bangladesh, naturalizado Canadiano. Fala inglês fluentemente. Está há duas semanas na Coreia, ainda não sabe quanto tempo vai ficar. Procura emprego e tem andado a ver casas para alugar. Não fala Coreano, e como também não come qualquer coisa, tem-se socorrido de um aparelho  electrónico onde escreve na sua lingua  o que pretende, o aparelho traduz imediatamente para Coreano. Tem usado este sistema  para não comer coisas estranhas. Talvez eu deva arranjar um aparelho destes. 
Na sua opinião as pessoas Coreanas andam satisfeitas com a  Vida. Viaja muito pelo mundo, habituou-se  a observar os povos e a medir o seu grau de felicidade através da sua atitude em diferentes situações:   condução, comportamento nas filas e feições no metro, ruas e compras. Os Coreanos revelam indicios de andarem bem com a vida, o único item a que não correspondem  é  a condução, em que são muito apressados e perigosos.
 Está pessimista quanto ao futuro da humanidade e das mudanças  nos paises Árabes.
- É sempre a mesma coisa - sendo de um país com muitos problemas já conhece os truques, diz que as mudanças são apenas para fortalecer o poder de quem ja é poderoso e enganar o povo.
Reparei que o meu quarto tem um degrau. É para me descalçar e colocar os sapatos à entrada. Aqui as casas, templos e restaurantes têm este sistema. As pessoas descalçam-se antes de subir o degrau e de entrar nas zonas mais reservadas.  Uma das indicações que li antes de vir foi para ter cuidado com as meias, não as trazer  rotas ou remendadas, visto que existem muitos locais onde é obrigatório estar descalço.
Consulto  um  mapa para deambular por Seoul. Apesar de gigantesca (a segunda maior aglomeração urbana do planeta,  24 000 000 de habitantes)  as principais atrações podem ser percorridas entre elas a pé.  Ao  meu lado, junto aos semáforos,  um tipo oriental consulta um Tom Tom. A tecnologia está a mudar tudo: para comunicar o amigo do Bangladesh usa um aparelho tradutor;  pela primeira vez vi alguém a caminhar usando um Tom Tom em vez do mapa; quando chego alugo um telemovel. Qualquer dia prescindimos das pessoas para comunicar a sério e pedir ajuda, as máquinas começam a fazer tudo por nós.






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