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"À nossa frente, o Douro majestoso, estendendo-se sereno, ..." |
Há muitos meses que queria fazer o
trilho. Os que temos ao pé de casa vão
sendo protelados por outros mais distantes, caros e cansativos, dando razão aos ditados: “Tão perto
e tão longe” e “Os santos da casa não fazem milagres”. Finalmente, concluí o
trajeto do rio Febros: da nascente à foz, no cais do Esteiro.
O que mais surpreende é ver, ao pé de casa, ambientes tão diferentes dos que conhecemos e estamos habituados. Caminhos rurais, trilhos de terra rodeados de silvas e matos, casas devolutas, centenárias, de janelas partidas, próximos da grande cidade do Porto, onde as velhas penduram roupa em arames na rua, em vielas escondidas que se descobrem contornando muros maciços de granito, por trilhos estreitos ao longo do rio, a cheirar a verdete e a mofo, sentindo a humidade da terra. Ter a oportunidade de assistir a resquícios cada vez mais raros, perto de casa.
Neste concelho com uma densidade populacional de cerca de 2000 habitantes por quilómetro quadrado, 320 000 moradores, o maior centro urbano do norte de Portugal, em crescimento populacional contínuo e exponencial, cheio de gruas e andaimes em várias zonas, com construções, especulação imobiliária louca, rendas caríssimas, tráfego automóvel intenso, onde comutam diariamente centenas de milhares de pessoas, existem ainda recantos desconhecidos, perdidos e parados no tempo, que recordam outros modos de vida. Relíquias preciosas junto da grande cidade e do ruído, nas quais, e apesar da aparente tranquilidade, a vida não deve ser fácil.
Se me perguntassem se queria
viver ali, numa daquelas casas, provavelmente diria que não. Não gostaria da humidade,
do cheiro a mofo, dos vizinhos desconfiados - a não ser que tivesse muito
dinheiro. Aí sim, faria uma grande vivenda, reconstruiria uma das quintas abandonadas
com traseiras para o Febros e muros altos, onde viveria perto do Porto e, ao mesmo
tempo, isolado no silêncio e na pseudorruralidade.
Mato recentemente desbastado em algumas partes; caminhos de terra amplos e facilmente percorridos. Noutras, as silvas e as ervas abundantes tapam o trilho. Percurso algo íngreme quando desce em direção à margem do rio ou quando se afasta para contornar pequenas vivendas e casas no fim de ruelas sem saída, geralmente de paralelos e em terra batida. As marcas de PR, visíveis e frequentes, facilitam a orientação; não é necessário consultar o GPS nem a trilha no wikiloc.
É impressionante o contraste entre o ambiente asséptico e artificializado dos grandes centros comerciais e das autoestradas que cercam o Grande Porto, a poucos quilómetros de distância, e a vida nestes lugarejos, que podia ser nas mais recônditas aldeias da serra!
Chegamos ao cais do Esteiro e à foz do Febros. À nossa frente, o Douro majestoso, estendendo-se sereno, lânguido, parecendo gozar o feriado do 1.º de maio, tal como nós. Almoçamos no bar “O Cais”, que não conhecíamos. Tivemos aquela experiência profundamente tuga: a senhora a assar febras na rua, o interior rústico, alfaias agrícolas e rádios antigos nas paredes, o tradicional painel de azulejos com o nome do restaurante. Não nos foi apresentado menu; nas entradas serviram pataniscas, bolinhos de bacalhau e, como não podia deixar de ser em Avintes, a broa húmida e compacta, a cheirar a centeio. E, se pedíssemos, presunto fatiado e queijo. Várias vezes nos perguntaram se estava tudo bem, sorridentes, simpáticos. Fomos bem servidos e fartamente. Não pagamos tanto quanto isso, tendo em conta o que comemos e a qualidade do bacalhau e das costelinhas assadas.
Caminhamos ao longo do rio Douro pela ecovia em direção ao Areinho de Avintes e, dali, invertemos para o Areinho de Oliveira de Douro, onde terminamos a tarde a lanchar na "Flor do Areinho". Brasileiros a fazer churrascadas, franceses a jogar petanca, gente a conviver e a aproveitar o sol. Regressamos de Uber às traseiras do parque biológico, à rua de Santo Tirso, onde iniciamos o trilho.
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