domingo, 11 de maio de 2025

Museu Nacional Grão Vasco

Santa Ana e a Virgem (MNGV)
 

As descrições visuais da vida de Cristo representadas nos retábulos do mestre Grão Vasco (Vasco Fernandes) são como as bandas desenhadas e os filmes da atualidade – o ser humano continua a preferir histórias contadas através de imagens do  que  em palavras,  por ser mais fácil e rápido entendê-las. Na idade média, as pessoas,  analfabetas e  supersticiosas, iam à igreja como os letrados vão hoje ao cinema: os “filmes” eram sempre os mesmos – histórias da Bíblia, a vida de Cristo e dos santos. Devia ser maravilhoso, para comunidades ultra religiosas, assistir à recriação de cenas da vida de Cristo, pungentes e intensas,  organizando o calendário das suas parcas existências conforme o  ciclo das estações e os rituais religiosos, celebrados nos diferentes meses do ano. Vidas rotineiras, previsíveis e sempre iguais através das gerações, só interrompidas por pestes, más colheitas causadas por intempéries, e guerras. Para  quem via a  vida e os santos como motivo de celebração permanente, era uma fuga às agruras da fome e da violência dos senhores da guerra.

Adquiri o bilhete ao abrigo do decreto-lei da ministra da cultura, Dalila Rodrigues, que permite visitar gratuitamente os Museus Nacionais cinquenta e dois dias por ano -  curiosamente num domingo, em que o bilhete, de qualquer forma, já seria grátis. Desperdicei um dia inutilmente: restam-me cinquenta um dias este ano para visitar os 37 museus nacionais!!! (Não os irei gastar).

Foi uma delicia fazer a viagem pelo espirito da idade média, verificando a importância que a religião tinha no quotidiano das pessoas  e no mecenato de bispos a artistas, como foi o caso de Vasco Fernandes - cujas grandes pinturas religiosas foram encomendas de bispos de Viseu.

Na ala esquerda do Museu decorrem as exposições temporárias de pinturas de Paula Rego e de moedas, de João Silva. Entrei no museu atraído pelo cartaz da exposição de Paula Rego. A temática das pinturas (litografias) não me surpreendeu: uma mulher atormentada por diversos fantasmas ao longo da sua vida, de uma sensibilidade extrema, marcada pela adolescência vivida no Portugal conservador do Estado Novo.

A série “Jane Eyre” transmite os sentimentos de Paula Rego na leitura do romance, relido por si várias vezes. Retratam  as etapas do processo de emancipação da heroína, da  infância até ao casamento. As telas, a preto e branco, sombrias, evidenciam a tensão social, a miséria e  o machismo da Inglaterra vitoriana e conservadora do Século XIX. Uma alusão, também, ao Portugal que Paula Rego conheceu e influenciou profundamente a sua expressão artística.

 A outra exposição, ainda mais marcante e tensa, é a série dos “abortos”: oito telas que retratam mulheres a abortar. Paula Rego foi uma ativista e defensora da lei do aborto. Escandalizou-a a pouca adesão dos portugueses ao  referendo e a sua indiferença demonstrada na grande abstenção de junho de 1998, em que o “Não” à despenalização venceu.  O aborto viria a ser legalizado num segundo referendo, realizado em 2007. Na entrevista dada por si, que acompanha a exposição, denuncia a hipocrisia de uma sociedade na qual a criminalização gera  abortos clandestinos, colocando em risco a saúde e a vida das mulheres.

Cristo articulado usado nas representações da descida da cruz, séc. XIII

São Pedro, por Vasco Fernandes (Grão Vasco)

Pintura de António Vaz, discípulo de Grão Vasco

Paula Rego, série "Aborto"

No Conforto da Touca, Série "Jane Eyre", Paula Rego

Sala de Aula, Série "Jane Eyre", Paula Rego

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