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Santa Ana e a Virgem (MNGV) |
As descrições visuais da vida de Cristo representadas nos retábulos do mestre Grão Vasco (Vasco Fernandes) são
como as bandas desenhadas e os filmes da atualidade – o ser humano continua a
preferir histórias contadas através de
imagens do que em palavras, por ser mais fácil e rápido entendê-las. Na idade média, as pessoas, analfabetas e supersticiosas, iam à igreja como os letrados vão
hoje ao cinema: os “filmes” eram sempre
os mesmos – histórias da Bíblia, a vida de Cristo e dos santos. Devia ser
maravilhoso, para comunidades ultra religiosas, assistir à recriação de cenas
da vida de Cristo, pungentes e intensas, organizando o calendário das suas parcas
existências conforme o ciclo das
estações e os rituais religiosos, celebrados nos diferentes meses do ano. Vidas
rotineiras, previsíveis e sempre iguais através das gerações, só interrompidas
por pestes, más colheitas causadas por intempéries, e guerras. Para quem via a vida e os santos como motivo de celebração
permanente, era uma fuga às agruras da fome e da violência dos senhores da
guerra.
Adquiri o bilhete ao abrigo do decreto-lei
da ministra da cultura, Dalila Rodrigues, que permite visitar gratuitamente
os Museus Nacionais cinquenta e dois dias por ano - curiosamente num domingo, em que o bilhete, de
qualquer forma, já seria grátis. Desperdicei um dia inutilmente: restam-me
cinquenta um dias este ano para visitar os
37 museus nacionais!!! (Não os irei gastar).
Foi uma delicia fazer a viagem
pelo espirito da idade média, verificando a importância que a religião tinha no
quotidiano das pessoas e no mecenato de
bispos a artistas, como foi o caso de Vasco Fernandes - cujas grandes pinturas
religiosas foram encomendas de bispos de Viseu.
Na ala esquerda do Museu decorrem
as exposições temporárias de pinturas de Paula Rego e de moedas, de João Silva.
Entrei no museu atraído pelo cartaz da exposição de Paula Rego. A temática das
pinturas (litografias) não me surpreendeu: uma mulher atormentada por diversos
fantasmas ao longo da sua vida, de uma sensibilidade extrema, marcada pela adolescência
vivida no Portugal conservador do Estado Novo.
A série “Jane Eyre” transmite os
sentimentos de Paula Rego na leitura do romance, relido por si várias vezes.
Retratam as etapas do processo de
emancipação da heroína, da infância até
ao casamento. As telas, a preto e branco, sombrias, evidenciam a tensão social,
a miséria e o machismo da Inglaterra vitoriana
e conservadora do Século XIX. Uma alusão, também, ao Portugal que Paula Rego
conheceu e influenciou profundamente a sua
expressão artística.
A outra exposição, ainda mais marcante e
tensa, é a série dos “abortos”: oito telas que retratam mulheres a abortar.
Paula Rego foi uma ativista e defensora da lei do aborto. Escandalizou-a a
pouca adesão dos portugueses ao referendo e a sua indiferença demonstrada na
grande abstenção de junho de 1998, em que o “Não” à despenalização venceu. O aborto viria a ser legalizado num segundo referendo,
realizado em 2007. Na entrevista dada por si, que acompanha a exposição,
denuncia a hipocrisia de uma sociedade na qual a criminalização gera abortos clandestinos, colocando em risco a
saúde e a vida das mulheres.
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Cristo articulado usado nas representações da descida da cruz, séc. XIII |
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São Pedro, por Vasco Fernandes (Grão Vasco) |
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Pintura de António Vaz, discípulo de Grão Vasco |
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Paula Rego, série "Aborto" |
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No Conforto da Touca, Série "Jane Eyre", Paula Rego |
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Sala de Aula, Série "Jane Eyre", Paula Rego |
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