sábado, 31 de maio de 2025

Trilho da Levada de Víbora e Moinho de Rei (PR1 - CBC)


A Biblioteca Pública de Perosinho surgiu da iniciativa de um grupo de  amigos, em 1978.  Começaram por  vender panfletos  aos fiéis, nos  final  das missas, para angariar dinheiro e comprar livros.  Fizeram uma pequena biblioteca que funcionou numa arrecadação exígua -  tornou-se pequena para a quantidade de livros que adquiriram. Obtiveram  a colaboração da paróquia, que lhes cedeu uma sala maior. Graças ao visionarismo do pároco, os terrenos herdados de uma quinta da freguesia foram loteados e atribuídos às coletividades locais; a biblioteca ficou com o lote onde hoje se situa. Na mesma rua – a Rua das Coletividades – estão a Academia de Música,  o Rancho Folclórico,  o Clube de Caçadores e o pavilhão desportivo.

A biblioteca paga contribuição autárquica:  uma instituição que presta um serviço público devia estar isenta. “Estamos a tentar mudar os estatutos para ficar com a classificação  de instituição de utilidade  pública. É obrigatório ter página na internet  e apresentar contabilidade todos os 3 meses”, diz-me o  Vítor, diretor da biblioteca.  Todos os colaboradores são voluntários. Para reduzir as despesas,  fazem eles próprios a limpeza das instalações em vez de pagarem a uma empresa. Pagam luz e água. O dinheiro é sempre contado. Tem menos de 200 sócios, que pagam de cota 10€ por ano.

Organizam  encontros com escritores - já receberam Ana Luísa Amaral, Valter Hugo Mãe, Nuno Júdice, João Garcia, Gonçalo Cadilhe. Têm protocolos com instituições para troca de livros, participam ativamente na Semana das Coletividades da freguesia,  organizam peddy-papers e marchas de montanha.

A IX marcha de montanha é em  Cabeceiras de Basto – o trilho da Levada de Víbora e dos Moinhos do Rei. Converso com o Vítor no fim da caminhada,  no parque de merendas do Oural, quando os quarenta participantes se dispersam pelas mesas e partilham o lanche. Um grupo de motards faz picnic, montam  barraca com a máquina de pressão e oferecem finos ao grupo. Espaço agradável,  arborizado, com mesas de cimento e braseiros, atravessado pela levada que desagua na barragem.  

Fizemos o trilho circular no sentido dos ponteiros do relógio, passando debaixo de um frondoso carvalhal na parte inicial. Parámos para lanchar na área  de lazer de Víbora e, após uma subida bastante acentuada e difícil – em hora de muito calor! -, caminhámos pela zona mais elevada do trilho, de onde se desfrutam paisagens maravilhosas sobre as montanhas em redor. Rodeadas de uma estranha neblina que,  de acordo com as notícias, deviam ser as poeiras  do deserto africano a cobrir o céu de manto acinzentando, dando um ar místico e misterioso à paisagem. Ali próximo,  o miradouro de Porto d`Olho, com a pequena ermida, onde se chega realizando um desvio de 800 metros.

Apanhamos a levada,  seguimos  ao longo do canal construído por antepassados longínquos, que usaram técnicas milenares infalíveis.  Centenas de anos mais tarde, a água continua a correr, a cumprir a sua função de  irrigar  os pomares e quintais  da região – Li esta semana nas notícias, a propósito do apagão, que, sem eletricidade, a água nas nossas casas duraria apenas algumas horas. Ficaríamos todos sem água!!! Talvez devêssemos valorizar estes conhecimentos ancestrais que permitiram à humanidade chegar até aqui, sem danificar a natureza, mantendo a sua fertilidade e funcionalidade.

A água corria na levada, ganhava velocidade  em locais com  declive mais acentuado,  fluía serenamente nos sítios planos – uma delícia! Com o calor que estava soube tão bem molhar os braços na água límpida, refrescar o corpo,  senti-la na pele a correr.  

O Moinho do Rei  é uma referência a D. Dinis. Construídos no século XIII, os moinhos hidráulicos impulsionaram a moagem de farinhas no reino,  laboraram até serem substituídos por processos elétricos. É hoje um pedaço de pedras amontoadas e  cobertas de musgo, cujo único vestígio da sua função prévia é estar ao lado da levada. Resquício de uma época em que vários moinhos laboravam plenamente, memória bucólica de um mundo desaparecido.

Visitamos o Convento Beneditino de São Miguel de Refojos, a “Joia dos conventos beneditinos portugueses” – vinte e nove ao todo,  como nos disse mais de uma vez a guia do museu. Falou na simetria tradicional dos conventos barrocos: este apresenta uma simetria perfeita e elementos falsos a contrastar com os verdadeiros do lado oposto. “Refojos” é uma deturpação da palavra “refúgio” - para aqui vieram os eremitas originais há mais de mil anos, quando descobriram o local intocado no meio das serras, rodeado de água, onde era possível ter uma vida de recolhimento, contemplação e meditação. Mais tarde, aderiram à ordem beneditina, foram crescendo, ganhando importância e riquezas. O atual mosteiro começou a ser construído em 1755 – o ouro do Brasil deu para estas excentricidades!   Abandonado após as guerras liberais, por alienação do património da igreja, até à morte do último frade. Hoje funcionam nele  serviços da câmara, o Museu de Arte Sacra e um espaço de acolhimento ao visitante.  

...passando debaixo de um frondoso carvalhal na parte inicial






...após uma subida bastante acentuada e difícil – em hora de muito calor! -, caminhámos pela zona mais elevada do trilho, de onde se desfrutam paisagens maravilhosas sobre as montanhas em redor. 






Ali próximo, 
 o miradouro de Porto d`Olho, com a pequena ermida, onde se chega realizando um desvio de 800 metros.


Centenas de anos mais tarde, a água continua a correr





Resquício de uma época em que vários moinhos laboravam plenamente, memória bucólica de um mundo desaparecido.






Mosteiro Beneditino de São Miguel de Refojos











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