Yitzak é português de ascendência sefardita. Conseguiu a nacionalidade sem falar a língua, apenas porque, graças a um escritório de advogados bem pagos, comprovou a sua ligação a uma comunidade portuguesa que fugiu da Inquisição no século XVI.
Vive dos rendimentos no ramo imobiliário: apartamentos que aluga a turistas no bairro de Jaffa, em Telavive. Em Portugal, continua a investir no mesmo setor — comprou e recuperou solares no Alto Minho, abandonados e desbaratados. Sítios tranquilos, pacatos, a uma hora do aeroporto de Pedras Rubras, nas rotas dos caminhos de Santiago. Transformou-os em alojamentos locais e pequenos hotéis de charme, com piscina e vistas para a serra de Arga.
Inicialmente, viajava bastante entre os dois países. Deixou de o fazer desde que o estado de emergência foi declarado. O ataque ao Irão veio piorar a situação. Os voos foram cancelados devido ao início da guerra, a 13 de junho — dia de Santo António. Estava ele em Alfama, com outros amigos israelitas, entre a imensa multidão de foliões que se comprimia ao passar pela esplanada de uma das tasquinhas da rua estreita. As mesas estavam enfeitadas com toalhas de algodão axadrezado vermelho e branco, manjericos e fitas coloridas. As sardinhas assavam nos braseiros — ele sentia o cheirinho tão característico — quando viu a mensagem SMS da mãe: “Israel atacou o Irão”. Sentiu o sangue gelar — não imaginava que a loucura do seu governo chegasse tão longe, no preciso momento em que os Estados Unidos e o Irão negociavam um acordo nuclear!
Ligou imediatamente à mãe — eram três da manhã em Telavive. Tudo tranquilo. A mãe falou-lhe com a voz serena e resignada de quem está habituada a viver com a incerteza. Estava atenta ao som das sirenes, pronta para se refugiar no abrigo debaixo da garagem do prédio, em caso de urgência. Seguramente o Irão ripostaria, mais tarde ou mais cedo.
Ele e os amigos regressaram imediatamente ao Porto, pela A1, em alta velocidade, atentos às notícias vindas de Israel. Ainda bem que decidiu adquirir a cidadania portuguesa — tinha outro país onde viver nos momentos de incerteza e insegurança. Imaginava que muitos outros israelitas começariam a fazer o mesmo. A liberdade deteriorava-se cada vez mais: começou com o ataque a Gaza — o governo dizia que seria por pouco tempo. Passaram vinte meses, a situação política de Israel só se agravou, e o conflito tornou-se mais complexo. Um povo eternamente a fugir!
Começou a ver Portugal como um novo refúgio, uma nova pátria de acolhimento. A ironia histórica de milhares de judeus regressarem a Portugal, quinhentos anos depois de os seus antepassados terem sido expulsos, e começarem, indiretamente, a expulsar os portugueses de suas casas! Como investidor imobiliário, sabia bem que os preços da habitação em Portugal estavam demasiado altos, muito por culpa de pessoas como ele — endinheiradas — que compravam casas, fazendo disparar os preços e impedindo os portugueses nativos, com uma classe média já muito fragilizada, de adquirirem casa própria. Ironias do destino!
Obviamente, acompanha tudo o que se passa em Israel. Está farto da passividade da comunidade internacional em relação à Palestina. Acha que os palestinianos merecem um Estado e devem viver em paz na terra que também é dos seus antepassados — só o diálogo e o compromisso podem solucionar uma questão tão complexa. A guerra, a injustiça das mortes e das atrocidades em Gaza só agravará o ressentimento internacional contra os judeus. A guerra não é solução. Mas o povo israelita também merece uma pátria, viver em paz e obter garantias inequívocas de segurança por parte dos países vizinhos, nomeadamente do Irão e dos movimentos por ele apoiados.
Assistiu entusiasmado à iniciativa da Freedom Flotilla, gente intrépida e corajosa, e ficou alarmado com o aprisionamento do navio, a 9 de junho. Escreveu imediatamente uma carta ao ministro dos negócios estrangeiros de Portugal.
Carta:
Ex.mo Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Paulo Rangel,
Acabei de saber, através da comunicação social, que os 12 ativistas a bordo do navio supracitado, pertencente à coligação Freedom Flotilla, foram intercetados pelo Exército israelita em águas internacionais.
Impedidos de cumprir a sua missão humanitária com a população da Faixa de Gaza — cercada há 20 meses por Israel, tendo sido, nesse tempo, bombardeada, com infraestruturas essenciais destruídas e, por fim, vítimas de uma morte lenta devido à fome, usada como arma de punição coletiva contra uma população indefesa —, Israel excedeu há muito as violações do Hamas de 7 de outubro de 2023 em território israelita.
Peço, no âmbito das funções de enorme responsabilidade e prestígio desempenhadas por V. Ex.ª, que V. Ex.ª, os seus assessores e os colegas dos restantes gabinetes dos Negócios Estrangeiros dos países da União Europeia tudo façam para que os 12 ativistas regressem sãos e salvos aos seus países e famílias.
De acordo com o Direito Internacional, Israel violou leis humanitárias ao intercetar e raptar os ocupantes de um navio em águas internacionais, e ao impedir o acesso a água, alimentos e medicamentos a populações à beira da morte.
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