sábado, 10 de maio de 2025

Passadiços do Mondego

 


Seguimos o sentido Videmonte Barragem do Caldeirão. Verificamos o perfil do trajeto aqui. Concluímos ser a melhor opção:  quase sempre em sentido descendente, exceto os últimos dois quilómetros, com um final muito acentuado –  mais de oitocentos degraus a subir   e  o risco de  vertigens para quem sofre delas.   Em caso de desistência, sairíamos em Vila Soeiro, tendo realizado uma grande parte do trajeto.

Os bilhetes foram comprados antecipadamente no sítio dos passadiços na  internet: aqui - 2,5€ cada um.

Fizemos a visita prévia a Videmonte, tomamos o pequeno- almoço no Bar da aldeia, tendo como companhia homens da terra que bebiam o  café da manhã  e aguardente para “aquecer”. Ruas asseadas, fachadas de granito com cartazes curiosos dos moradores  a promover o turismo na aldeia.  Terra interessante, bonita, com história e prática de  atividades ancestrais ligadas à agricultura, onde se cozia o pão em fornos comunitários. Com os mesmos problemas de muitas outras em Portugal:  despovoada e envelhecida – a merecer uma visita mais demorada e atenta noutra ocasião.  O Sr. António, chefe da confraria de igreja matriz de São Sebastião,   convidou-nos a entrar. Abriu  a porta lateral propositadamente para nós. Mostrou o altar que esteve escondido centenas de anos -   o conjunto artístico mais valioso da igreja – um fresco dedicado a São Francisco de Assis, recentemente descoberto durante as obras de restauro.  

O início do trilho fica a aproximadamente dois quilómetros do centro da  aldeia,  na estrada nacional. Estacionamos o carro, fizemos o Check- in. Uma das senhoras que se encontrava ali, perguntou:

- Como vão regressar ao  carro?

 - de táxi, claro!

– já tem taxista?

 – Não.

Entregou-nos o  cartão: “Carina: 965 890 301”

– ligue-me quando acabar.

Quanto ao trajeto,  é realmente muito bonito -  concordo com as várias opiniões que li, em geral abonatórias da beleza do percurso.  A opção que fizemos revelou-se, como previmos,   mais vantajosa; no sentido inverso, faríamos quase todo o trajeto a subir. Quanto à parte física, deve-se subir com calma, cada um no seu ritmo, parando as vezes necessárias, bebendo água e ingerindo alimentos para suportar o desgaste. Em certos momentos, lembrou-me os caminhos de Santiago, atendendo à quantidade de pessoas na encosta da montanha alinhadas umas atrás das outras, de mochilas às costas.

Para a descrição pormenorizada do trilho, consultar o sítio na internet: Passadiços do Mondego.

Os caminhantes devem  ter em atenção a condição física, o facto de no verão as temperaturas serem inclementes e de largos troços não terem sombra. Outros, porém,  são arborizados, passam encostados ao rio, com locais de descanso,  mesas de picnic e casas de banho – embora poucos. Um dos pontos de apoio, sensivelmente a meio, antes de uma das pontes suspensas, vende mel, produtos artesanais e água. Aqui, cruzamo-nos com um beagle simpático a arfar  de um lado para outro, feliz no seu meio natural, cheirando as plantas, correndo e sendo acariciado pelos humanos.

Ao chegar à entrada de Vila Soeiro, a última antes da subida para o barragem do  Caldeirão, pedi a opinião à funcionária, devido às vertigens,  se deveria ou não continuar até à barragem. Segui o caminho, reticente. Ainda bem que o fiz, caso contrário não passaria a bela ponte medieval da Mizarela, nem  veria os quintais com árvores de fruta floridas - a prodigalidade do campo! –, nem a  magnifica vista da cascata do Caldeirão.  

Respirei de alívio quando pousei os pés no alcatrão firme da estrada e registei o fim da caminhada na cabine de apoio. Sim, a última parte não é aconselhável a quem tem vertigens: não olhei para baixo,  fiquei nervoso. É irracional, gatinhei os últimos metros, já nos degraus de granito. Não fui ao miradouro, com medo.

Liguei à taxista Carina. Foi o marido quem nos apanhou; pagámos 15 € pelo regresso ao carro. Os passadiços vieram dinamizar a economia — uma bênção para taxistas, restauração e alojamento. “A Guarda estava parada no tempo. Está a ser muito bom para nós. Há pessoas a fazer os passadiços em qualquer altura do ano, mesmo no verão, com o calor. É quando chegam os emigrantes, as pessoas têm mais tempo, e há quem não pense muito nisso — fazem-nos de qualquer maneira.”

Os Passadiços do Mondego colocaram no mapa o concelho da Guarda, habitualmente pouco falado — e, quando o é, geralmente por maus motivos: incêndios, portagens nas SCUT, falta de médicos, abandono demográfico, etc. Mais de uma pessoa me falou com orgulho da beleza do trilho, contando tudo o que sabia sobre os 12 km do trajeto e algumas peripécias que ocorreram com caminhantes inexperientes e descuidados desde a sua inauguração, em 2022.

O bilhete inclui a visita à catedral da Guarda.  Levam-se 20 minutos de carro até ao centro da cidade. Lembrei-me dos três “F”: Farta, Forte e Fria. Epítetos que lhe ficam a matar.

Rústica, austera, varrida pelo ar frio da montanha;  paços episcopais  circunspetos e silenciosos, de janelas e  portas  rígidas e maciças, dando a impressão de que por trás delas ainda se encontram clérigos inquisidores de batina negra, vigiando as pessoas que passam na praça.  Um lugar onde se sente a antiguidade, a força e  influência da religião católica,   em que a fé e a subserviência a Deus e ao patrão eram as leis da vida para quem aqui vivia.  A catedral merece uma visita: monumento grandioso numa terra pequena, atesta a importância religiosa da cidade na história e formação de Portugal, desempenhando um papel preponderante na evolução cultural da região.

É lamentável observar, na Praça da Sé, edifícios devolutos, com paredes a ruir e sem teto – uma imagem deste país chamado Portugal, onde se prefere gastar dinheiro em estádios de futebol, autoestradas e empreendimentos faraónicos, em vez de se recuperar a memória histórica. Uma contradição flagrante num país onde constantemente se assiste a todo um ecossistema político-social-empresarial-cultural a apelar ao patriotismo nos mais variados eventos — sendo o futebol o mais paradigmático — mas que não investe na recuperação do seu património arquitetónico, repleto de chagas como estas um pouco por todo o lado.

Videmonte

Igreja de São Sebastião, Videmonte

Ruas asseadas, fachadas de granito com cartazes curiosos dos moradores  a promover o turismo na aldeia.

Ruas asseadas, fachadas de granito com cartazes curiosos dos moradores  a promover o turismo na aldeia.



 ...o altar que esteve escondido centenas de anos -   o conjunto artístico mais valioso da igreja – um fresco dedicado a São Francisco de Assis, recentemente descoberto durante as obras de restauro.  















Ponte de Mizarela


Cascata do Caldeirão

Altar da Sé da Guarda

É lamentável observar, na Praça da Sé, edifícios devolutos, com paredes a ruir e sem teto – uma imagem deste país chamado Portugal, onde se prefere gastar dinheiro em estádios de futebol, autoestradas e empreendimentos faraónicos, em vez de se recuperar a memória histórica. 



Sé da Guarda, estátua de D. Sancho I



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