sábado, 24 de maio de 2025

Barcas Serranas (Coimbra)

 


As barcas serranas desciam o Mondego de Penacova à Figueira da Foz. Transportavam lenha, ramagem e carqueja para os fornos das padarias de Coimbra e Figueira, regressavam com arroz do Baixo Mondego, peixe e sal, unindo aldeias e pequenas vilas por laços económicos,  nos quais se produzia e trocava o que a terra, o mar e o rio ofereciam. Trocas ocorridas  ao longo das  margens, durante centenas de anos, desde antes de Portugal existir, quando neste território viviam tribos primitivas e, mais tarde,  povos que chegaram do Oriente com produtos e culturas mais sofisticadas, com quem aprenderam.

Homens que  remavam e velejavam entre a  serra e a foz, sujeitos à força do vento e das correntes, dependentes da fertilidade da terra e do mar, testemunhas  de uma diversidade paisagística que, em poucos quilómetros, passa das planuras  alagadiças – de que são  testemunhos os mosteiros de Santa Clara-a-Velha, abandonado devido às inundações, e Santa Clara-a-Nova,  para onde se transferiram as  freiras – às margens apertadas e montanhosas do interior, onde o rio corria mais impetuoso por  desníveis maiores.

Enchentes reguladas com a construção de açudes,  barragens e canais, que alteraram a imprevisibilidade da água,  desviaram os seus excessos e torrentes repentinas. Hoje, o Mondego é um rio  sem as navegações de outrora. Restam a barca que fotografei, em mau estado -  a lembrar uma relíquia arqueológica achada soterrada no fundo lodoso  -, com a nota histórica e a fotografia a preto e branco de outros tempos e,  uma outra, a jusante, ancorada na margem para passeios turísticos.

Na Praça da Lusofonia, reúnem-se em barraquinhas animadas com música, petiscos e venda de artigos tradicionais dos seus países, estudantes dos PALOP e de Timor-Leste, em alegre convívio. Bebem, dançam, conversam estendidos na relva, em picnics, gozam o fim de tarde ameno, os últimos raios de sol difusos  sobre o Mondego, que desliza sereno. Centenas de pessoas nas esplanadas, estudantes que jantam antes dos concertos no recinto da Queima, na outra margem do rio. Subitamente, encontro um Portugal animado, colorido e diverso. Um país agradável, estendido na relva, fruindo a vida, mostrando as suas ligações históricas a outros países,  porto seguro e acolhedor de gente de muitas origens,  fiel à sua historia e multiculturalidade.  Encontrei, em Coimbra, um país mais tolerante e rico.   



Igreja de São Tiago

a lembrar uma relíquia arqueológica achada soterrada no fundo lodoso


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