Os blogues de viagem são autênticos compêndios turísticos do mundo, apresentam informações completas, muitas páginas, links e designs atraentes. Repletos de dicas para viajantes, escritos por gente bonita que largou tudo e passa grande parte do ano em viagem, a solo ou em casal. Vivem de patrocínios, publicidade e donativos. Têm a sua quota no mercado dos blogues e das viagens. Promovem estilos de vida nómada, para todos os continentes e países, dos mais próximos aos mais remotos. Dão a conhecer sítios, dormidas, comidas tradicionais, a melhor época do ano para o visitar. Uniformizam gostos, procedimentos, formas de viajar. O que era desconhecido e inacessível passou a ser possível a várias carteiras. Sítios a salvo da massificação turística, a viverem de atividades económicas tradicionais e modos de vida comunitários, rapidamente aderiram ao entusiasmo do dinheiro rápido e fácil.
Os Açores que eu conheci já não existem. Estão lá as paisagens, as cores, a história, a arquitetura tradicional, mas o silêncio já não é o mesmo, nem as pessoas. Elas foram envelhecendo e, sem darem por isso, mudaram com o tempo e com o advento do turismo. Alteraram hábitos e rotinas. As ilhas tornaram-se em mais um destino nos roteiros das agências, a multiplicação de voos e de companhias aéreas fez o resto: apareceram novos restaurantes, mais caros, a servir comida internacional, adequada a todos os gostos e culturas. Subitamente, apareceram turistas, brancos e ricos, com as mesmas marcas de roupa, independentemente da sua nacionalidade - roupa prática, cómoda e versátil.
Os preços da habitação dispararam: tornou-se difícil encontrar alojamento acessível - os habitantes locais preferem alugar um apartamento a turistas sazonais do que alugá-lo, o ano todo, a quem vem do continente para trabalhar. Grupos organizados da Alemanha, Itália e França, realizam trekkings nas fajãs de São Jorge, sobem a montanha do Pico, exploram trilhos maravilhosos. Um paraíso para os amantes das caminhadas, devido ao clima ameno, à diversidade de cores e às paisagens fulgurantes em curtos espaços.
O adolescentes regressam ao Pico, das festas do mar, no barco das 07h00m da manhã. Dormem ressacados, deitados nos bancos, estendidos no chão do convés. O som das notícias transmitidas pelas televisões das cabines espalha-se pelos altifalantes do navio Mestre Jaime Feijó: incêndios no continente, engarrafamentos na segunda circular, fome e destruição em Gaza. É anacrónico ouvir as notícias do país e do mundo nesta pequena viagem de barco entre o Faial e São Jorge. Aqui, o tempo parou, o mundo está em paz. Contudo, a intoxicação permanente das notícias e da realidade cruel também chega a este remoto lugar. Preferia que o mau gosto das televisões, de transmitir permanentemente a desgraça, estivesse desligado.
Vou sentado na popa, de costas para a ilha. O vento aprazível bate no rosto e ajuda a prevenir o enjoo da viagem. Os contornos das ilhas do triângulo vislumbram-se no alto mar: três ilhas, três mundos sedutores, misteriosos e inefáveis.
O cone do Pico desponta acima da nuvem, imponente e majestoso. O barco atraca nas Velas:
- São Jorge tem um cheiro único - diz o Dinis.
Alojámo-nos numa casa rural, na Ribeira do Nabo - fruto da simpatia e generosidade de uma amiga da nossa amiga. Reduzidos ao simples e essencial fruiremos o convívio, a amizade e a beleza da ilha. Uma vaca muge no serrado com vista para o Pico. Pela manhã cedo, nos dias seguintes, voltaremos a ouvi-la dar-nos os bons-dias. Passaremos os dias a descobrir paisagens e a explorar portinhos.
- É uma falácia conhecer São Jorge pelas fajãs, a ilha tem muito mais portinhos para descobrir do que fajãs.
Piscinas naturais de água deliciosa e translúcida, entre rochas e pequenos cais de pesca, polvilham a longa costa. Um mundo de possibilidades para explorar locais de mergulho e de lazer.
Americanos, de sotaque cerrado, chegam ao pequeno areal de rocha negra a falar alto. Levam máscaras de mergulho, dão braçadas no mar como crianças, fazem piruetas na água. Afinal, são portugueses dos Açores, nascidos na Urzelina e a viver em Toronto. Nunca foram ao Continente, vivem no Canadá desde miúdos.
No portinho da Calheta, um americano queixa-se da temperatura da água. Também é português. Viveu na Califórnia trinta e seis anos e, apesar de estar habituado às águas frias do Pacífico, custa-lhe entrar.
O Dinis empresta-me os óculos e o tubo de mergulho. Vejo pequenos peixes de cores garridas, nadam encostados às rochas cobertas de algas verdes e castanhas, escondem-se, fugidios, nas cavidades.
Fazemos um intervalo na hora de maior calor. Vamos à Calheta à procura de um casal conhecido de longa data, que não vemos há muitos anos. Batemos à porta:
- A sua cara não me é estranha.
Depois de algumas hesitações e suspense propositado para os obrigar a puxar pela memória, surgem sorrisos, beijinhos e abraços.
O tempo passa rápido, as pessoas e as recordações ficam. Subitamente, o que estava esquecido, arrastado para o fundo da memória, surge vívido como se tivesse sido ontem: basta mudar de lugar e reencontrar gente que, por alguma razão, se cruzou connosco num momento da vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário