segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Ribeira do Nabo

Os blogues de viagem são autênticos compêndios turísticos do mundo, apresentam informações completas, muitas páginas, links, designs atraentes. Repletos de dicas para viajantes, escritos por gente bonita, que largou tudo ou passa uma parte da vida em viagem, a solo ou em casal. Vivem de patrocínios, publicidade e donativos. Geram um mercado de blogues e de viagens. Promovem estilos de vida viajeiros, para todos os continentes e países, dos mais próximos aos mais remotos. Dão sitios a conhecer, a visitar, onde comer, ficar, a melhor altura do ano para ir. Uniformizam gostos, procedimentos, modos de viajar. O que, ao início, era exclusivo e inédito, passou a ser acessível a várias carteiras. Sitios a salvo da massificação turística, vivendo de atividades económicas tradicionais, modos de vida comunitários e ancestrais, desaparecem lentamente.

Os Açores que eu conheci não existem. Estão lá as paisagens, as cores, a história, a arquitetura tradicional, o silêncio. As pessoas não são as mesmas, foram envelhecendo e, sem darem por isso, mudararam com o tempo, o advento do turismo, alterando hábitos e rotinas. As ilhas tornam-se iguais a outros destinos: restaurantes caros servem pratos internacionais; turistas vestem as mesmas marcas de roupa, independentemente da nacionalidade - roupa pratica, cómoda, versátil. Os preços da habitação disparam: é difícil encontrar alojamento acessível - os locais preferem alugar um apartamento a turistas sazonais do que alugá-lo todo o ano a trabalhadores do continente. Grupos organizados da Alemanha, Itália e França realizam trekkings nas fajãs de São Jorge, sobem a montanha do Pico, exploram trilhos maravilhosos. Um paraíso para os amantes das caminhadas, devido ao clima ameno, à diversidade de cores e às paisagens fulgurantes em curtos espaços.


O adolescentes regressam ao Pico, das festas do mar, no barco das 07h00m da manhã. Dormem ressacados, deitados nos bancos, estendidos no chão do convés. O som das notícias transmitidas pelas televisões das cabines espalha-se pelos altifalantes do navio Mestre Jaime Feijó: incêndios no continente, engarrafamentos na segunda circular, fome e destruição em Gaza. É anacrónico ouvir as notícias do país e do mundo nesta pequena viagem de barco entre o Faial e São Jorge. Aqui, o tempo parou, o mundo está em paz. Contudo, a intoxicação permanente das notícias e da realidade cruel também chega a este remoto lugar. Preferia que o mau gosto das televisões, de transmitir permanentemente a desgraça, estivesse desligado. 

Vou sentado na popa, de costas para a ilha. O vento aprazível bate na cara, previne o enjoo da viagem. Os contornos das ilhas do triângulo vislumbram-se no alto mar: três ilhas, três mundos sedutores, misteriosos e inefáveis.  

O cone do Pico desponta acima da nuvem, imponente e majestoso. O barco atraca nas Velas," São Jorge tem um cheiro único", diz Dinis. 

Alojámo-nos numa casa rural na Ribeira do Nabo: simpatia e generosidade de uma amiga da nossa amiga. Reduzidos ao simples e essencial fruiremos o convívio, a amizade e a beleza da ilha. Uma vaca muge no serrado com vista para o Pico. Cedo, nas manhãs seguintes, voltarei a ouvi-la. Passaremos os dias a descobrir paisagens e a explorar portinhos.

- É uma falácia conhecer São Jorge pelas fajãs, a ilha tem muito mais portinhos para descobrir do que fajãs.

Piscinas naturais de água deliciosa e translúcida, entre rochas e pequenos cais de pesca, polvilham a longa costa. Um mundo de possibilidades para explorar locais de mergulho e de lazer. 

Americanos de sotaque serrado chegam ao pequeno areal de rocha negra, falam alto. Afinal, são portugueses, açorianos, nascidos na Urzelina, a viver em Toronto. Nunca foram ao Continente, vivem no Canadá desde miúdos. 

No portinho da Calheta, um americano queixa- se da temperatura da água. Também é português. Viveu na Califórnia trinta e seis anos e, apesar de estar habituado às águas frias do Pacífico, está-lhe a custar entrar.

O Dinis empresta-me os óculos e o tubo de mergulho. Vejo pequenos peixes de cores garridas, nadam encostados às rochas cobertas de algas verdes e castanhas, escondem-se fugidios nas cavidades. 

Fazemos um intervalo na hora de maior calor. Vamos à Calheta à procura de um casal conhecido de longa data, que não vemos há muitos anos. Batemos à porta:

- a sua cara não me é estranha.

Depois de algumas hesitações e suspense propositado para os obrigar a puxar pela memória: sorrisos, beijinhos, abraços. 

O tempo passa rápido, as pessoas, as recordações ficam. Subitamente, o que estava esquecido, arrastado para o fundo da memória, surge vívido como se tivesse sido ontem: basta mudar de lugar e reencontrar gente que, por alguma razão, se cruzou connosco num momento da vida.









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