quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Almeida

Fui sexta à noite para a aldeia, tive de voltar atrás porque as estradas estavam cortadas. No dia seguinte, fui e assisti a coisas incríveis: não passei por um único carro ou bombeiro, todas as aldeias arderam.

Vi muitos incêndios, mas nunca um total abandono como agora.
Quando vim embora, repetiu-se o cenário: as aldeias históricas estavam todas ardidas. Muitas casas safaram-se porque as populações ficaram. Mas vi carrinhas e algumas casas completamente ardidas.
Só queria que os políticos, que demoram 15 dias a pedir reforço de meios, fizessem uma pequena viagem de carro, de Marialva a Mêda, para ver o cenário dantesco
Quando tens 3 ou 4 bombeiros num quartel com vários populares lá dentro e uma mata a arder a poucos metros, perguntas: porque não vão apagar o fogo? Respondem que não podem sair sem autorização do CODU - suponho que seja o centro de comando da proteção civil - porque senão são penalizados.
Enquanto não derem autonomia aos bombeiros e eles estiverem sob o comando da proteção civil - que são cargos políticos de nomeação e muitas vezes não percebem puto de incêndios, mas têm o poder para coordenar equipas e meios - estamos completamente perdidos.

Com estas descrições assustadoras que fomos partilhando no WhatsApp fui para Almeida a pensar que encontraria tudo queimado. Felizmente, ao longo da A25, vi pouca coisa.
No desvio, voltei a reencontrar campos amarelos: cristas de ervas douradas que ondulam com o vento da serra, a lembrar os girassóis de Espanha, ali ao lado. Carrascos dispersos entre fragas de granito cobertas de musgo. Ar puro, descongestionado e livre.

Desliguei o ar condicionado, abri as janelas e a porta, saí do carro para respirar, encher os pulmões, experimentar os sentidos que a nova terra me oferecia. Vinha fechado, a ver as paisagens em movimento, ainda com os cheiros da cidade que deixei para trás, em mim. 

Num instante, tudo mudou.Cruzamos as duas filas de muralhas, entramos na pequena vila fortaleza. Pouca gente. Charme antiquado, decadente, casas velhas e senhoriais, abandonadas. Igrejas, lápides nas ruas com nomes de escritores - muitos que ali viveram. 

O país não valoriza a sua memória e património, preferiu construir estádios de futebol, autoestradas e, agora, um TGV de utilidade duvidosa. Não consegue evitar incêndios que destroem florestas, zonas protegidas, pequenos negócios familiares e vidas. Continua a doer: chegar a uma vila histórica, ver tanta riqueza arquitectónica desperdiçada e subaproveitada. Ruas e casas vazias.

País, Nação, conceitos transitórios na história humana. Tudo se desvanece e desaparece. Em Portugal, talvez um pouco mais depressa do que noutros países antigos, por incúria, irresponsabilidade, insensibilidade.

Encontramos um ambiente caloroso e muita gente reunida no restaurante Granitus, espanhóis e portugueses, a lembrar que estamos numa terra raiana. Fazendo esquecer, por momentos, o isolamento e o silêncio das ruas lá fora. Empregados de mesa das duas nacionalidades. Negócio gerido, talvez, por uma família luso-espanhola e amigos dos dois lados. Não perguntei a razão. Línguas e países diferentes, pessoas unidas no mesmo restaurante, sem fronteiras. Orgulhosamente juntas. 






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