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Celebrando a Vitória, fotografia de Arnaldo Garcês. MHMA |
O texto deve ser lido com esta música de fundo (clicar aqui). Perceberão porquê no último parágrafo.
Impressionam os artefactos militares inventados pelo Homem. O museu expõe réplicas e armas originais dos povos que passaram no território de Almeida e miniaturas de soldadinhos a travarem batalhas, desde os Romanos e Lusitanos à Primeira Grande Guerra Mundial. Foi assombrosa a criatividade humana, ao longo dos séculos, para inventar armas que provocaram mortes, mutilações e dores indizíveis nos inimigos. Os Lusitanos usavam sabres e falcatas de ferro, perfurando intestinos de um só golpe. Os Romanos infligiam os mesmos ferimentos com gládios - povo tecnicamente mais evoluído, inventou catapultas que lançavam projéteis de mais de 20 kg até 400 metros de distância, capazes de arrasar aldeamentos, derrubar muralhas e esmagar, de uma só vez, dezenas de inimigos.
No cerco de Lisboa, utilizaram-se torres de assalto, de vinte e sete metros de altura, para ultrapassar os muros e portas da cidade.
Fabricaram-se vários tipos de objetos, cortantes e contundentes: lâminas compridas, gumes metálicos, afiados e reluzentes, cada vez mais sofisticados e letais - decepavam mãos e pernas num abrir e fechar de olhos. Malhos deformavam cabeças. Morteiros portáteis, canhões e colubrinas (canhões mais compridos, pesados e potentes) afundavam navios. As baionetas - espingardas de lâmina na ponta do cano, preparadas para a luta corpo a corpo - espetavam o inimigo quando já estava estendido no chão. Na Primeira Grande Guerra, as metralhadoras disparavam dezenas de balas em poucos segundos, uma inovação que alvejava vários inimigos pressionando o gatilho uma única vez.
Objetos que agora se observam silenciosos nos museus militares do mundo, depois de terem cumprido a sua tenebrosa missão.
Exigiam conhecimentos técnicos e científicos avançados de fabrico, minuciosamente aplicados. Construídos com os melhores materiais do seu tempo: madeiras finas de cerejeira, metais resistentes de bronze e ferro fundido. Designs atraentes, o nome do fabricante delicadamente gravado na superfície metálica e polida da arma, a atestar a origem nas mais recomendadas oficinas do mundo - como produtos de luxo a criar a ilusão de invencibilidade.
Apreciados em vitrinas de vidro e salas preparadas para receber confortavelmente os visitantes curiosos, fascinados pela História e pelo passado. Em antigas masmorras asfixiantes, transformadas em salas agradáveis, sem o sangue e o horror indescritível da realidade da guerra, deixando apenas a memória e o relato de tempos distantes.
Intrigam o engenho e a astúcia humana para conceber objetos destinados a promover a morte e a destruição do seu semelhante. Exibem-se 2000 anos de conflitos, do império Romano à Primeira Grande Guerra, que arrastaram os homens e as famílias deste território para a guerra. Inconcebível para quem nasceu no fim do século passado e viveu sempre em paz. A paz talvez seja uma exceção e não a regra.
O rei D. Manuel I ordenou o registo das 51 fortalezas na fronteira portuguesa, de Castro Marim a Caminha, ao desenhador Duarte D'Armas. Um documento ímpar que as representa no início do século XVI. As aldeias históricas revelam o respetivo desenho dessa época. Vemos muralhas muito incompletas em relação ao que eram há 500 anos: cidadelas quase inexpugnáveis, com torres, baluartes, fossos, muros duplos, dentro das quais viviam centenas de pessoas, preparadas para resistir a longos cercos. Arquiteturas defensivas, típicas de sociedades em guerra constante.
Almeida tinha uma torre no interior da muralha, que explodiu no dia 26 de agosto de 1810, quando o paiol foi atingido por uma bombarda do exército napoleónico, que a cercava. Houve centenas de mortos, a fortaleza foi destruída e ocupada pelos Franceses. Uma mortandade tremenda na pequena vila de camponeses e militares. Quantas lágrimas, quanto desespero! Inimagináveis agora, ao observarmos este local tão pacato.
Um mês antes, um exército de 6000 soldados franceses tinha-se deparado com uma coluna de 4000 soldados anglo-lusos, que travava o seu avanço do outro lado da ponte do rio Côa. Uma enormidade de homens aos tiros, a matarem-se uns aos outros de cada uma das extremidades, nesta ponte solitária e silenciosa.
Na sala da Primeira Grande Guerra, encontra-se uma fotografia de Arnaldo Garcês, repórter que registou o quotidiano dos soldados portugueses nas trincheiras. Imagem maravilhosa de um soldado a celebrar a vitória. Ouve-se, na sala, música de fundo de Edward Elgar, Nimrod: a guerra até parece entusiasmante quando se ouvem obras-primas como esta.
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Aqui situava-se o castelo de Almeida, destruído em 26 de Agosto de 1810. |
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Representação do castelo no século XVI. Desenho de Duarte D'Armas |
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Ponte sobre o rio Côa, local de uma célebre batalha entre o exército napoleónico e as tropas anglo-lusas, em Julho de 1810 |
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