Também Castelo Mendo foi o resultado da sua posição geografica, cresceu à sombra das guerras de fronteira, dentro de muralhas. Hoje, é uma das 12 aldeias históricas que fazem parte dos roteiros turísticos da Beira Interior. Poucas dezenas de habitantes, silêncio nas ruas vazias, em contraste com o que foi há séculos atrás.
Mais um retrato de um país que não sabe o que fazer com o seu passado e história, repleto de camadas esquecidas, que a maioria dos portugueses ignora, onde valeria a pena investir e reconstruir, habitando e valorizando economicamente os locais de baixa densidade.
Nas traseiras das ruínas da igreja de Santa Maria do Castelo, uma sepultura solitária jaz silenciosa entre as ervas. A placa ao lado informa que se trata da "Sepultura do General", o nobre Miguel Augusto de Sousa Corte Real, "barbaramente assassinado pelos seus próprios soldados em 1840", aos 37 anos de idade. Imagino que terá sido uma vítima tardia da guerra civil entre absolutistas e liberais. A praça-forte de Almeida manteve-se fiel ao rei D. Miguel, o Usurpador, até 1840. Não encontrei, em Almeida, explicações sobre como caiu na posse dos liberais, nem, em Castelo Mendo, em que circunstâncias políticas o fidalgo foi assassinado. No entanto, considero perfeitamente plausível, unindo os fios da história, que tenha sido vítima desse contexto.
A guerra civil terminou oficialmente em 1832 com a vitória dos liberais, o que demonstra o quão difícil foi unir o país, assolado por guerrilhas que se mantiveram ativas por muitos anos. Surtos de violência, fanatismo e assassínios eram comuns nestas paisagens serenas e aprazíveis.
Vimos uma senhora debaixo dos ramos da árvore frondosa, fora da muralha a esticar os braços e a levar as mãos à boca, discretamente. Quando saiu, fomos para a árvore. Tal como desconfiávamos, tinha fruta. Amoras roxas, carregadas, entre as folhas banhadas pelo sol. Fruta rara que não se compra nos supermercados nem se vê nos pomares. Uma amoreira selvagem com brincos vermelhos e maduros pendurados.
Começamos a colher e a provar, debaixo de nós o chão carregado de amoras esmagadas por muitos pés antes dos nossos - nódulos de vinho derramado e coágulos de sangue. Sabor intenso, maravilhoso, como já não existe na fruta normalizada e standardizada. Sujamos os lábios e as mãos de tinta vermelha, lambuzamos os dedos, parte da nossa roupa ficou salpicada de nódoas. Saboreei o sabor primitivo da fruta madura: o mesmo que os nossos antepassados conheceram e que perdemos. Lembrei-me da cerejeira branca na berma de estrada em Trás-os-montes, na minha infância.
Com tanta guerra, violência e medo, ainda há surpresas generosamente oferecidas pela natureza ao Homem.
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Desenhos de Duarte D'Armas |
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Sepultura do General |
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