quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Castelo Mendo

Também Castelo Mendo foi o resultado da sua posição geográfica, cresceu à sombra das guerras de fronteira, dentro de muralhas. Hoje, é uma das 12 aldeias históricas que fazem parte dos roteiros turísticos da Beira Interior. Tem poucas dezenas de habitantes e silêncio nas ruas vazias, em contraste com o que era há séculos atrás. 

Mais um retrato de um país que não sabe o que fazer com o seu passado e história, repleto de camadas esquecidas, que a maioria dos portugueses ignora, onde valeria a pena investir e reconstruir, habitando e valorizando economicamente os locais de baixa densidade. 

Nas traseiras das ruínas da igreja de Santa Maria do Castelo, uma sepultura solitária jaz silenciosa entre as ervas. A placa ao lado informa que se trata da "Sepultura do General", o nobre Miguel Augusto de Sousa Corte Real, "barbaramente assassinado pelos seus próprios soldados em 1840", aos 37 anos de idade. Imagino que foi uma vítima tardia da guerra civil entre absolutistas e liberais. A praça-forte de Almeida manteve-se fiel ao rei D. Miguel, o Usurpador, até 1840. Não encontrei, na pequena vila, explicações de como caiu na posse dos liberais   nem, em Castelo Mendo, as circunstâncias políticas em que o fidalgo foi assassinado. No entanto, considero perfeitamente plausível, unindo os fios da história, que tenha sido vítima desse contexto. 

A guerra civil terminou oficialmente em 1834 com a vitória dos liberais, o que demonstra o quão difícil foi unir o país, assolado por guerrilhas que se mantiveram ativas por muitos anos: surtos de violência, fanatismo e assassínios foram comuns nestas paisagens, serenas e aprazíveis.

Vimos uma senhora debaixo dos ramos da árvore frondosa, fora da muralha a esticar os braços e a levar as mãos à boca, discretamente. Quando saiu, fomos para a árvore. Tal como desconfiávamos, tinha fruta. Amoras roxas, carregadas, entre as folhas banhadas pelo sol. Uma amoreira selvagem com brincos vermelhos e maduros pendurados. Fruta rara que não se compra nos supermercados, nem se vê nos pomares. 

Começamos a apanhá-las e a comer, debaixo de nós o chão carregado de amoras esmagadas por muitos pés  - nódulos de vinho derramado e coágulos de sangue. Sabor intenso, maravilhoso, como já não existe na fruta normalizada e standardizada. Sujamos os lábios e as mãos de tinta vermelha, lambuzamos os dedos, parte da nossa roupa ficou salpicada de nódoas. Saboreei o sabor primitivo da fruta madura:  o mesmo que os nossos antepassados conheceram e perdemos. Lembrei-me da cerejeira branca na berma da estrada em Trás-os-Montes, na minha infância. 

Com tanta guerra, violência e medo, ainda há surpresas generosamente oferecidas pela natureza ao Homem. 










Desenhos de Duarte D'Armas 

Sepultura do General 


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