A Biblioteca
Pública de Perosinho surgiu da iniciativa de um grupo de amigos, em 1978. Começaram por vender panfletos aos fiéis, nos final das missas, para angariar dinheiro e comprar
livros. Fizeram uma pequena biblioteca
que funcionou numa arrecadação exígua - tornou-se
pequena para a quantidade de livros que adquiriram. Obtiveram a colaboração da paróquia, que lhes cedeu uma
sala maior. Graças ao visionarismo do pároco, os terrenos herdados de uma
quinta da freguesia foram loteados e atribuídos às coletividades locais; a
biblioteca ficou com o lote onde hoje se situa. Na mesma rua – a Rua das Coletividades
– estão a Academia de Música, o Rancho
Folclórico, o Clube de Caçadores e o
pavilhão desportivo.
A biblioteca paga contribuição
autárquica: uma instituição que presta
um serviço público devia estar isenta. “Estamos a tentar mudar os estatutos
para ficar com a classificação de
instituição de utilidade pública. É
obrigatório ter página na internet e
apresentar contabilidade todos os 3 meses”, diz-me o Vítor, diretor da biblioteca. Todos os colaboradores são voluntários. Para
reduzir as despesas, fazem eles próprios
a limpeza das instalações em vez de pagarem a uma empresa. Pagam luz e água. O
dinheiro é sempre contado. Tem menos de 200 sócios, que pagam de cota 10€ por ano.
Organizam encontros com escritores - já receberam Ana
Luísa Amaral, Valter Hugo Mãe, Nuno Júdice, João Garcia, Gonçalo Cadilhe. Têm
protocolos com instituições para troca de livros, participam ativamente na Semana
das Coletividades da freguesia, organizam
peddy-papers e marchas de montanha.
A IX marcha de montanha é em Cabeceiras de Basto – o trilho da Levada de
Víbora e dos Moinhos do Rei. Converso com o Vítor no fim da caminhada, no parque de merendas do Oural, quando os quarenta
participantes se dispersam pelas mesas e partilham o lanche. Um grupo de
motards faz picnic, montam barraca com a
máquina de pressão e oferecem finos ao grupo. Espaço agradável, arborizado, com mesas de cimento e braseiros, atravessado
pela levada que desagua na barragem.
Fizemos
o trilho circular no sentido dos ponteiros do relógio, passando debaixo de
um frondoso carvalhal na parte inicial. Parámos para lanchar na área de lazer de Víbora e, após uma subida bastante
acentuada e difícil – em hora de muito calor! -, caminhámos pela zona mais
elevada do trilho, de onde se desfrutam paisagens maravilhosas sobre as
montanhas em redor. Rodeadas de uma estranha neblina que, de acordo com as notícias, deviam ser as
poeiras do deserto africano a cobrir o
céu de manto acinzentando, dando um ar místico e misterioso à paisagem. Ali
próximo, o miradouro de Porto d`Olho,
com a pequena ermida, onde se chega realizando um desvio de 800 metros.
Apanhamos a levada, seguimos
ao longo do canal construído por antepassados longínquos, que usaram técnicas
milenares infalíveis. Centenas de anos mais
tarde, a água continua a correr, a cumprir a sua função de irrigar os pomares e quintais da região – Li
esta semana nas notícias, a propósito do apagão, que, sem eletricidade, a água
nas nossas casas duraria apenas algumas horas. Ficaríamos todos sem água!!!
Talvez devêssemos valorizar estes conhecimentos ancestrais que permitiram à
humanidade chegar até aqui, sem danificar a natureza, mantendo a sua
fertilidade e funcionalidade.
A água corria na levada, ganhava
velocidade em locais com declive mais acentuado, fluía serenamente nos sítios planos – uma
delícia! Com o calor que estava soube tão bem molhar os braços na água límpida,
refrescar o corpo, senti-la na pele a
correr.
O Moinho do Rei é uma referência a D. Dinis. Construídos no
século XIII, os moinhos hidráulicos impulsionaram a moagem de farinhas no
reino, laboraram até serem substituídos
por processos elétricos. É hoje um pedaço de pedras amontoadas e cobertas de musgo, cujo único vestígio da sua
função prévia é estar ao lado da levada. Resquício de uma época em que vários
moinhos laboravam plenamente, memória bucólica de um mundo desaparecido.
Visitamos o
Convento Beneditino de São Miguel de Refojos, a “Joia dos conventos
beneditinos portugueses” – vinte e nove ao todo, como nos disse mais de uma vez a guia do museu.
Falou na simetria tradicional dos conventos barrocos: este apresenta uma
simetria perfeita e elementos falsos a contrastar com os verdadeiros do lado
oposto. “Refojos” é uma deturpação da palavra “refúgio” - para aqui vieram os eremitas
originais há mais de mil anos, quando descobriram o local intocado no meio das
serras, rodeado de água, onde era possível ter uma vida de recolhimento,
contemplação e meditação. Mais tarde, aderiram à ordem beneditina, foram
crescendo, ganhando importância e riquezas. O atual mosteiro começou a ser
construído em 1755 – o ouro do Brasil deu para estas excentricidades! Abandonado
após as guerras liberais, por alienação do património da igreja, até à morte do
último frade. Hoje funcionam nele serviços
da câmara, o Museu de Arte Sacra e um espaço de acolhimento ao visitante.
Resquício de uma época em que vários moinhos laboravam plenamente, memória bucólica de um mundo desaparecido.