domingo, 17 de março de 2024

Lisboa (pelo Martim Moniz, Alfama e Bairro Alto)

 

Beco de Santa Quitéria

Na rua do Bemformoso o ambiente muda completamente. De repente, estou numa rua asiática, tal é a quantidade de homens  indostânicos que circulam atarefados.    Alguns turistas  distinguem-se pela tez mais clara e a roupa desportiva. Veem-se poucas mulheres. 

Será por se sentirem inseguras? 

A  única aglomeração de mulheres que veremos será  no fim da rua,  à entrada da pensão. Prostitutas portuguesas, brancas, decadentes, de dentes caídos e cara engelhada do consumo de heroína. 

O Ramadão começou este fim de semana, provavelmente o rebuliço estará relacionado com o início do jejum. Dentro dos restaurantes e dos talhos preparam-se estranhas iguarias, mistura de carnes e de legumes enfiados em sacos de plástico. Um senhor transporta uma enorme panela arrastando-a pela rua, lá dentro uma massa castanha que parece carne moída. Convidam-nos a entrar. Recusamos amavelmente. 

Africanos, mulheres de sari, paquistaneses. Magrebinos que se  distinguem pela boina rendada, as jelabas compridas e largas e as  sandálias de couro. 

Na entrada do talho, halal, pendurado por cima da porta, um reclame envidraçado de Imran Khan, ex-primeiro ministro paquistanês, preso por corrupção. Mais barbearias, mercearias e agências de viagem, cheias de gente.

Descendo a rua vê-se um mar de cabeças e de corpos escuros. É,  realmente, outra Lisboa: a mais cosmopolita do país na freguesia com maior número de  nacionalidades  – Arroios.

Metido numa reentrância da rua, de cócoras encostado ao muro, um fulano  branco,  com ar de  português, queima heroína numa folha de prata. Ao lado, uma mulher escura de aspeto indiano e de toxicodependente, prepara-se para se injetar. O talhante em frente fatia a carne para os clientes, indiferentes ao consumo.

O rés-do-chão do centro comercial do Martim Moniz cheira a especiarias. Os corredores atafulhados  de bugigangas sem o cuidado estético  e a  organização das grandes superfícies comerciais frequentadas pela classe média portuguesa.   Amontoam-se malas, cabedais e cintos nas entradas das lojas. As mercearias são exíguas. Um Sikh gordo e enorme demora-se a olhar para os sacos de caril, comparando preços, obrigando os restantes clientes a dar a volta pelo outro lado. A fila  aperta-se junto à caixa registadora. Vendem-se artigos indostânicos, chineses, africanos e magrebinos procurados pelos clientes  das mesmas regiões.

A comunidade africana é a mais numerosa no largo do Martim Moniz, dispersa-se sentada nos bancos, deambulando pelos passeios, regateando entre si relógios, couros, bugigangas que alguns expõem nos lençóis colocados no chão. Uma tenda está montada num dos canteiros, outras aparecerão enfiadas nas esquinas. O número de toxicodependentes e de sem-abrigo cresceu  bastante nos últimos meses. Veremos mais tendas  debaixo da pala, na parte alta da saída da estação do Rossio, formando um miniacampamento  repleto dos plásticos que as protegem e  de colchões piolhentos.

Deambulamos pelo Bairro Alto e o Príncipe Real, por  uma Lisboa mais elegante e fina. De prédios de luxo vendidos a franceses, magnatas brasileiros e ao jet-set internacional. Gostam da tranquilidade, do sol, das pessoas e da comida. Passam uma parte do ano na cidade, a outra viajando, vivendo dos rendimentos chorudos dos negócios imobiliários, amealhando fortunas ligadas aos domínios da internet e  às novas tecnologias. 

Lisboa encanta.  Sente-se que os turistas andam felizes e surpreendidos pelo exotismo da cidade, pelas camadas de história sobrepostas, pela anarquia dos monumentos, estilos arquitetónicos e épocas, pelas colinas onduladas e os miradouros alcantilados com vistas soberbas sobre bairros airosos e multicoloridos.

O Cheirinho a sardinha assada emana das ruelas e becos de Alfama – só mesmo  turistas incautos  e ignorantes dos hábitos gastronómicos portugueses pedem  sardinhas assadas, em março!? - Uma pastelaria junto às Portas do Sol vende pasteis de nata recheados com Nutella! Como é possível!?

Subindo e descendo escadarias e encostas, sentindo Lisboa, absorvendo os seus encantos e mistérios. A sua história. Em boa companhia, falando, comentando, discutindo os problemas da cidade e do país. 

"Podíamos ser tão ricos, não fosse esta classe de políticos corruptos e incompetentes." 

"Somos um país tão bonito. Temos tanta história!"

"Lisboa está na moda."

Lisboa tem muito que ver. Não para de surpreender.

Apanhamos o elétrico 28 rumo à Basílica da Estrela. Temos sorte porque não vai apinhado: 2,5 € o preço do bilhete. A guarda-freios procura pacientemente o troco na caixa registadora, enquanto os próximos  passageiros aguardam  na rua  que a entrada fique desimpedida. 

É sempre bom voltar Lisboa.

Rua de São Bento

Rua da Rosa






Miradouro do Torel

Painel de azulejos na fábrica da Viúva Lamego, Intendente






Campo de Santa Clara

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