domingo, 22 de março de 2020


Argel, 1965

A  cidade é grande, cheia de luz, e desce sobre a baía em forma de anfiteatro. Para a percorrer anda-se sempre a descer ou a subir. Há ruas chiques à francesa e ruas árabes cheias de confusão. Há uma mistura mediterrânica de arquitetura, vestimenta e costumes. Tudo deslumbra, cheira, embriaga, cansa. Tudo chama a atenção, atrai, fascina, mas, ao mesmo tempo, inquieta. Quem estiver cansado pode sentar-se numa das várias centenas de cafés árabes ou franceses e comer num dos inúmeros bares ou restaurantes. Como o mar está perto, há uma abundância e riqueza infinita de peixes, mariscos, moluscos, búzios, calamares, polvos e sapateiras.
Lá em baixo, estendia-se o bairro portuário, e viam-se tascas de madeira que cheiravam a peixe, vinho e a café. Mas, sobretudo, a brisa trazia o cheiro suave e refrescante da maresia que acalmava.
Nunca antes tinha estado num lugar em que a natureza fosse tão aprazível para o homem. Havia tudo ao mesmo tempo: o sol e o vento fresco, o ar límpido e o mar cor de prata. Talvez porque tivesse lido muito sobre ele me parecera tão familiar. Nas suas ondas suaves havia paz, harmonia e algo como um convite para viajar e conhecer. Tinha vontade de embarcar com dois pescadores que naquele momento saíam do cais.”

Ryszard Kapuscinski, Andanças com Heródoto.

Por estar recluso em casa, certos textos me parecem mais intensos e belos como é o caso deste. Convidam a outras viagens, que não físicas, mas mentais, do meu quarto ou do banquinho de praia, a apanhar o sol da varanda.

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Sobre o assunto do momento:


traduzo livremente algumas frases e ideias do artigo Nature`s Revenge: climate change and COVID-19.
A pandemia do Coronavirus não é um acidente, é um aviso de que a natureza está farta das atividades ecocidas do homem. O planeta está a responder à destruição provocada por ele.
Se os chefes de estado se comprometerem a, nos próximos dez anos,  acabar com dependência dos seus países em  combustíveis fósseis, pesca excessiva, plásticos, desflorestação, pesticidas e agricultura industrializada, talvez haja uma reviravolta na direção a pandemias cada vez mais potentes, temperaturas mais elevadas e ao colapso do planeta.
Os peritos das nações unidas informam que a humanidade tem dez anos para evitar danos irreversíveis.
Os cientistas classificam  esta época como o Antropoceno. Os humanos transformaram a ciência e a tecnologia em armas de conquista, provocando calamidades, destruindo seres vivos, enchendo a terra de venenos, plásticos, petróleo e poluição. Não podemos continuar a matar e a levar à extinção animais e plantas selvagens e outras inumeráveis formas de vida sem uma violenta resposta.

Noutro artigo, o autor propõe imaginar que o coronavírus matará sete milhões de pessoas este ano. O número  seria um choque caso isso sucedesse, contudo este é o número de pessoas que todos os anos morre devido à poluição atmosférica.
Não é só a poluição atmosférica que mata: ondas de calor, furacões, secas e doenças que se agravam com as alterações climáticas e que não tem a atenção da comunicação social e dos políticos como está a ter esta pandemia.
A quarentena na China  causou uma redução drástica de gases com efeito de estufa, em apenas duas semanas reduziram-se as emissões em 100 milhões de toneladas de métricos cúbicos.
O coronavírus é uma oportunidade histórica para mudar hábitos, pequenos e grandes. As nossas atividades têm impacto, não só na nossa saúde pessoal como na dos nossos vizinhos e comunidade. O coronavírus é um assassino, mas podemos aprender muito com ele.


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