terça-feira, 31 de março de 2020

A função exponencial do vírus


Estive fechado em casa muitos dias seguidos, perdi a conta. Fui ao Porto apenas para visitar uma pessoa amiga, que precisava de mantimentos. Falei com ela só pela janela e deixei-lhe alguma comida à porta da casa. No regresso, sem nunca sair do carro, passei na baixa. Senti um calafrio ao descer a avenida dos aliados: os hotéis, há um mês com pessoas a entrar e a sair, silenciosos.  As gruas,  que recuperavam as fachadas, paradas. Ninguém. Uma avenida morta. O Porto, sendo uma cidade cinzenta e estando o céu da mesma cor, mais lúgubre ainda.   É por uma boa causa, contudo. É necessário este sacrifício de todos. 


Este filme mostra uma parte da baixa, nesse dia.

Fui à farmácia comprar um frasco de álcool em gel – 100 ml -  e máscaras P1, descartáveis, que encomendei há três semanas. O frasco custou 7, 5€ e cada máscara 1,5€. Numa situação normal as máscaras custariam  20 cêntimos cada e o álcool, imagino que não chegaria a 2€. Grande exploração! Numa situação de crise há gente  sem pejo nenhum.
Regresso a pé a casa, não vejo quase ninguém. Quando vejo alguém ao longe fico mais apreensivo, desvio-me para o outro lado da rua. Situação muito estranha esta. Parece um filme de ficção científica: vejo os outros humanos como extra terrestres de quem não me posso aproximar, como  algo muito perigoso, portador de uma doença e de um vírus que me pode contagiar.  Em casa deixo a roupa e o calçado à entrada, lavo as mãos uma e outra vez.
O outro dia um arrumador que me conhece pediu-me boleia, eu fingi que não ia para o mesmo sítio, meti-me por uma estrada diferente para disfarçar. Tive medo de ser contagiado.  Ao ponto que isto chegou.
Tenho lido alguns artigos que abordam a questão económica, ambiental e social do vírus. Um dos mais pertinentes foi este: por Peter Cohen, no Counterpunch.





Tento passar a ideia com alguns gráficos introduzidos por mim, mas nada como ler o artigo original.

O COVID- 19 está a ter um crescimento exponencial, significando que o número de infetados e de mortos vai duplicando de x em x dias. Neste dia, 31 de março,  o número de  infetados em Portugal é  de 7540 pessoas, no dia 26 de março eram 3544. Houve uma duplicação de casos em aproximadamente cinco dias. Fonte (DGS).

A mesma função exponencial existe no crescimento económico mundial. O gráfico seguinte representa o crescimento exponencial do PIB em várias regiões do planeta, desde o início do século  XIX.




Fonte: (Ourworlindata)

O crescimento das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera está associada ao crescimento económico. O gráfico seguinte representa o crescimento exponencial das emissões de CO2 .
Observe-se como a curva ascendente é coincidente com o crescimento económico registado a partir do início do século XX.



Um marco importante da história ambientalista foi a publicação do relatório - hoje muito esquecido, que deve ser valorizado e relembrado permanentemente -  “The Limits to Growth”,  no longínquo ano de 1972, há quase 50 anos. Desde essa altura que existem dados e estudos que dizem claramente que o planeta tem limites, que não é possível o crescimento económico sem a depleção  de recursos naturais.
A organização  Global Footprint Network,  mede a pegada ecológica do planeta, comparando os países do mundo entre si.    Verificamos que a partir da década de 70 do século passado o planeta começou a exceder o limite de recursos disponíveis, com os países mais economicamente desenvolvidos no topo dos que têm a maior pegada ecológica.
A capacidade de carga, ou a capacidade de um determinado ambiente se regenerar por si próprio mantendo os recursos e a produtividade,  é inversamente proporcional à pegada ecológica:  quanto maior a pegada ecológica menor é a capacidade de carga.
O que se verifica é que o dia em que o planeta atinge o limite da sua  capacidade de carga, que em inglês ficou conhecido pelo  Earth Overshoot Day, é cada vez mais cedo. Aqui fica bem usar uma expressão sobejamente conhecida:  “pedindo emprestado às gerações futuras”.
O problema é que um solo maduro pode demorar 1000 anos a se formar, um trecho de floresta tropical demora cada vez mais tempo a se regenerar após um incêndio, uma espécie que se extingue já não pode ser reposta afetando todas as outras dependentes dela. O planeta é cada vez  mais frágil devido à extração desenfreada de recursos para manter o crescimento económico.

O crescimento económico funciona numa lógica de Esquema de Ponzi acabando sempre por colapsar. Temos o exemplo do escândalo Madoff, que rebentou em 2008. O banqueiro criou um esquema financeiro em pirâmide de Ponzi, prometendo juros excecionais a quem investisse nas suas ações. De facto os juros eram pagos aos clientes mais antigos com o dinheiro/ investimento dos novos clientes, até que se descobriu que não havia dinheiro para todos. É matematicamente impossível manter um esquema ou pirâmide de Ponzi a funcionar.
O mesmo acontece no planeta com os recursos e com este tipo de economia extrativista e a estrutura social que ela mantem em funcionamento.
É curioso verificar que em apenas três semanas de quarentena, a poluição diminuiu imensamente na Europa e na China.
Traduzo diretamente do artigo o parágrafo que se segue:
“O COVID-19 alcançou em poucas semanas resultados que décadas de conferências e tratados intergovernamentais não conseguiram. O próprio fato do nosso sistema económico não conseguir suspender a sua atividade frenética por algumas semanas sem entrar em sinais visíveis de colapso  expõe-na  pelo que ela é: um vírus planetário mortal. Somos literalmente escolhidos entre a suposta "saúde" de nossa economia e a nossa própria saúde física, bem como a saúde do planeta que realmente sustenta nossa vida - e, ironicamente, essa tem sido a escolha real diante de nós o tempo todo.

O COVID-19 coloca-nos em contato direto com a lógica viral. Estamos a assistir  a uma explosão de  infectados. Vemos os Sistemas Nacionais de Saúde  ficarem completamente sobrecarregados pelo aumento repentino de pacientes. Vemos  medidas tardias, mas necessárias, para achatar a curva exponencial. Mas também assistimos à verdadeira natureza da nossa sociedade. Vemos  como os governos só suspendem as atividades lucrativas quando têm uma faca apontada ao pescoço.”

O autor é cru e direto: O Covid – 19 expôs a natureza do crescimento económico como a  maior fraude alguma vez perpetrada à humanidade.
Os exemplos abundam de como,  apesar de todos os mortos e da necessidade imperiosa de isolamento, muitos governos mantém a pulsão insana de continuar a alimentar o monstro do crescimento económico.
O caso mais relevante para nós,  Portugueses, são as palavras do ministro da economia Holandês, que entre uma tragédia no seu próprio país e outra bem maior em Itália, aborda a questão com uma frieza “absolutamente repugnante” (António Costa “dixit”).
Ou as afirmações  do presidente do Brasil (aqui) ou de Donald Trump (aqui).
A questão que coloco para concluir é:
quando tudo isto passar será que se voltará ao mesmo modelo económico sofrendo, a grande maioria das pessoas,  as amarguras de um crescimento económico que não se verificou, vivenciando índices elevados de desemprego, cortes salariais, muitas horas de trabalho mal pagas, para voltar a alimentar o ritmo frenético de um novo crescimento económico até chegar a próxima crise, alimentando este  ciclo que excluí cada vez mais.
Ou será uma oportunidade para reformular os nossos estilos de vida e este modelo económico e social que destrói o planeta ????

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