Tenho como missão de vida ajudar
o próximo e reduzir o seu sofrimento, tornar a vida dos outros mais alegre nestes
tempos de servidão e medo.
Vivemos tempos sombrios, a dor
alastra às famílias. Os pais envelhecem e morrem, amigos próximos adoecem
jovens, ainda com muita vida pela frente.
Vidas cheias de obstáculos
financeiros, orçamentos apertados, dívidas. Doenças e morte. Gente desamparada,
deprimida e triste, sem saber para onde se virar, impotente para seguir em frente.
Procuro Deus dentro de mim, Ele existe
no meu íntimo à espera de ser encontrado, não é justo que perca a fé e o culpe
das desgraças do mundo. Só tenho a agradecer Ele me dar a oportunidade de
presenciar a vida a desenrolar-se à minha frente.
Devo encontrar alegria e alento
na dor e fealdade, não desejar o mal de ninguém, mesmo quem maltrata e odeia o
seu semelhante. Se responder com rancor torno-me igual a quem odeia e perpetuo
e ciclo de sofrimento e revolta das pessoas.
Devo estar acima da história e
dos acontecimentos quotidianos que todos os dias nos abalam e entram pela casa adentro.
Os ramos de jasmim, o céu azul
sobre mim, a chuva, o vento e o sol, os pássaros que voam existirão sempre. Mesmo
das grades e das prisões que nos cercam podemos olhar para fora e ver beleza em todo o lado. Devemos estar gratos
por isso.
Como não me alegrar e não pensar
em Deus?
Todas as noites oro, tenho plena
consciência de mim, do meu papel e da minha vida dentro dos acontecimentos que
fluem e não domino. Compreendo a dor dos Homens e a minha, e aceito-a. Sinto-me grata por ser
assim.
Adoro conversar com as pessoas, tornei-me
muito perspicaz a ler a sua alma. Em poucos minutos compreendo toda a sua vida
e dor e sinto uma enorme compaixão por elas. Elas sentem que eu as compreendo e, sem eu nada dizer ou pedir, abrem-se comigo
e contam o livro das suas vidas.
Apaixonei-me por muitos homens,
mas nunca serei capaz de me casar e de me entregar a um só homem. Não existe
nenhuma contradição entre procurar Deus incessantemente dentro de mim e amar
mais do que um homem ao mesmo tempo. Neles encontro diferentes manifestações de
Deus.
Sinto por S. uma enorme ternura,
todos os dias penso nele e quando estamos juntos o nosso amor é casto e
profundo.
Durmo no regaço de Han, por ele
sinto um amor físico e intenso, enterro-me
nele com uma alegria vibrante. Em Amsterdão ando de bicicleta todos os dias,
de cigarro na mão, viva e fremente, em direção ao consultório de S. e não sinto
qualquer remorso por deixar Han sozinho nos meus outros lençóis.
Quando engravidei subi e desci
escadas propositadamente para me estafar, bebi mezinhas e injetei água quente para
dissolver a vida que crescia dentro de mim. Não quero ser mãe nem ficar
impedida de buscar Deus. Necessito de disponibilidade emocional e tempo para
ajudar as pessoas a ultrapassarem o seu sofrimento nestes dias sombrios, de estar
ao seu lado descomprometidamente.
Estou em Portugal a convite do
João. Ele hoje trouxe-me ao passadiço de Pindelo, ver cascatas, serra e
rochas íngremes, que não vejo nos Países Baixos. Mostrei o meu diário. disse:
- Estou a escrever um diário e
mais tarde talvez escreva um grande romance no qual colocarei tudo o que se
passa neste tempo e que considero importante dizer às pessoas. Ainda temos
de aprender a lidar com todas as nossas possibilidades, sinto que tenho algo a dizer
para tornar o mundo melhor e haver menos sofrimento.
João folheou o caderno amarrotado
de linhas azuis onde anoto os meus pensamentos, fui-lhe traduzindo do neerlandês
algumas frases que considero mais felizes, nas quais consegui representar com alguma fidelidade
os meus pensamentos íntimos sobre Deus
- Etty, pela maneira tão
entusiasmada e profunda com que falas e escreves, talvez um dia venhas a ser
conhecida pelo teu diário. Não necessitas de escrever um grande romance ou poemas,
possuis uma prosa poética e bela. O diário é rico, o pensamento e vida nele contida
desmesurados e vastos. Revelas grandeza ao
falar das profundezas da tua alma e ao mostrar
o caminho espiritual que encetaste quando conheceste S. O teu livro ficará na história como “O Diário
de Etty Hillesum”, acredita em mim.
Caminhamos pelo passadiço observando
as maravilhas de Deus e do Homem, neste breve intervalo de sossego que encontramos
juntos, falando da centelha divina que existe em nós. De como nos cruzamos neste tempo, através de um livro. Demos as mãos e seguimos até à cascata da Pedra
Má.



Sem comentários:
Enviar um comentário