quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Fim do Entrudo
























Ainda em relação ao Carnaval de Podence: Os fatos dos caretos não podem ser lavados, senão estragar-se-iam, sendo apenas arejados. São caros, o de um adulto pode custar 600 €. As sinetas dos chocalhos são falos. Há uma sexualidade implícita no menear das ancas e no bater dos chocalhos contra as mulheres.

Às mulheres de Podence só lhes era permitido sair à rua disfarçadas de Marafonas.

Na casa do Careto podem ser observados estes fatos e muito mais (entrar aqui).

Outra tradição é o Pregão Casamenteiro, na qual são realizados os “casamentos” da gente da aldeia. São permitidas e toleradas as alusões licenciosas e a crítica social. Os “casamentos”, pelo ridículo da situação, não significam um enamoramento verdadeiro entre os visados, são apenas um pretexto para troçar dos diversos assuntos locais. Claro que para um forasteiro, descontextualizado dos assuntos da terra, será difícil entender os comentários. No entanto, toda a forma como se desenrolam suscita interesse: fazem-se de noite, na escadaria da igreja, com os archotes acesos para dar mais ambiência ao espectáculo. Os rapazes dão umas gargalhadas agudas de escárnio no fim de cada pregão, tornando o espectáculo mais diabólico e sinistro.

Que se tornou ainda mais diabólico e sinistro quando a iluminação pública se apagou, ficando a aldeia completamente às escuras. O público que assistia ao espectáculo acendeu archotes e colocou máscaras de diabo na cara. Começou-se a sentir o cheiro da cera queimada, todos pareciam espectros diabólicos com tochas a arder, seguindo o som dos tambores pela rua principal da aldeia até à casa do careto, onde continuou a haver espectáculo com mais malabarismos de fogo, sons e personagens do outro mundo através do teatro de rua da Mandrágora.


E não podia haver um grupo musical com nome mais apropriado para terminar a noite, “Os Roncos do Diabo”, quatro gaitas-de-foles e um tambor a marcar o ritmo até ao fim da festa.

Caminho até ao carro ouvindo ainda o eco dos Roncos. A neve teima em não cair, apesar do frio cerrado da noite. Não se vê ninguém, apenas alguns carros estacionados na berma da estrada. Regresso à residencial e no meio da noite, encadeados pela luz dos faróis, uns esporádicos flocos de neve serpenteiam no ar. Vou-me lembrando de histórias do diabo e de superstições antigas, pensando que se tivesse de caminhar sozinho, neste frio e escuridão, teria medo.


Nas barraquinhas encontram-se sempre produtos tradicionais da região, o azeite é um deles e um dos seus ex-libris. O Melhor do Mundo – foi o título atribuído a uma marca produzida aqui perto, na aldeia de Romeu de Jerusalém. No dia seguinte de manhã, observo que o azeite coalhou com o frio. Um sinal evidente de autenticidade. É na barraca do Solar dos Cortiços, compro quatro garrafinhas para levar e oferecer.

Numa outra barraca vendem-se cogumelos desidratados, esterilizados e em pó. São todos apanhados nestas serranias em redor de Macedo de Cavaleiros. Os cogumelos suscitam-me muita curiosidade, identifico apenas uma espécie comestível, o frade, alcunhado “Tortulho” na região do Porto. Peço conselhos para confeccionar estas espécies que compro e surpreendo-me com as possibilidades gastronómicas que me são sugeridas. Percebo imediatamente que falo com um perito em cogumelos, dá-me sugestões de confecção, fala-me das potencialidades para a região «Os cogumelos Portugueses têm muita aceitação no estrangeiro, somos dos poucos países que não foram afectados pelo desastre de Chernobyl. Muitos estrangeiros vêm cá buscá-los e saem daqui camiões cheios deles. Lá fora o preço duplica várias vezes e depois regressam a Portugal com rótulos estrangeiros a preços elevadíssimos…Organizamos cursos de identificação e confecção de cogumelos. É incrível a variedade de formas para os confeccionar. Também queremos ensinar às pessoas as maneiras como os podem aproveitar … o meu desejo e a minha luta é dinamizar isto, sensibilizar as pessoas e ensiná-las a aproveitar as potencialidades que existem aqui. Cativá-las. Não temos apoios nenhuns do estado. Isto está cada vez pior e, se não fossem as Câmaras Municipais, haveria muito menos emprego. Criam umas leis absurdas que só desincentivam e destroem a produção local, obrigam os agricultores em nome da higiene e da segurança alimentar a mudar subitamente de hábitos sem lhes dar contrapartidas, pessoas que há dezenas de anos produzem alheiras de determinada forma…deliciosas. Muitas vezes tudo isto não passa de um pretexto para obrigar as pessoas a comprar mais umas máquinas fabricadas num país qualquer da União Europeia e de pagar mais um imposto, e quem não entrar nesta rotina é posto de lado. Tenho umas oliveiras com mais de cem anos…as azeitonas têm de ser apanhadas à mão, não se podem apanhar com máquinas…não é a mesma coisa! No fundo, quero que estas pessoas se sintam dignas»

(Para mais informações sobre esta Associação Micológica, ver TERRASDOROQUELHO)
Dignidade não falta aqui em Trás-os-Montes. No regresso ao Porto paro em Murça para almoçar. É uma vila muita pequena, ao longe parece feia, com uma arquitectura desarmoniosa e umas maisons a destoar, contudo o centro é muito agradável, arranjado, limpo, com alguns edifícios históricos e a famosa Porca de Murça, monumento milenar em pedra, numa praça. Não se vê quase ninguém e as poucas pessoas com que me cruzo são maioritariamente idosas. É uma pasmaceira. O que será disto daqui a vinte anos, quando a maioria da população que aqui vive morrer?

Lembram-se das muitas maternidades, centros de saúde e escolas encerradas que ainda iam dando emprego em muitos sítios do país ?

Dignidade há muita aqui em Trás-os-Montes.

Detalhes de Podence


Chocalho fálico

Casa do Careto (traje de Careto e Marafona)

Centro de Murça


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