domingo, 14 de fevereiro de 2010

Entrudo Chocalheiro

Está a decorrer em Podence, Macedo de Cavaleiros, o Entrudo Chocalheiro. Vim para ver os famosos caretos, figuras cada vez mais populares na nossa cultura. Aparecem em capas de CDs (“Danças e Folias” da Brigada Victor Jara), Festivais da Canção e manhãs televisivas dos canais generalistas. Já todos devem ter visto algures uma destas figuras, na televisão pelo menos, ou numa revista qualquer.



A pequena localidade de Podence está apinhada de gente, o grupo de Bombos das Arcas anima a rua com muita percussão e gigantones, um careto deixa-se fotografar pelos inúmeros turistas enquanto não surgem os restantes companheiros. Há algumas centenas de pessoas. Esta rua parece demasiado exígua para receber tanta gente. A festa desenrola-se apenas neste extremo da aldeia, onde se situam as barraquinhas de artesanato e de iguarias regionais (mel, enchidos, licores, queijos) e a Casa do Careto.



A percussão ainda não terminou e já um grupo de jovens gaiteiros actua a poucos metros dali. O som dos bombos mistura-se com as gaitas de foles, a multidão dança timidamente e aplaude as actuações. Alguns caretos surgem da outra extremidade da rua, com paus e chocalhos, metem-se com as mulheres, as mais novas principalmente, movem as ancas para lhes bater com os chocalhos que trazem agarrados à cintura. Algumas riem-se, outras não acham tanta piada devido à violência do embate dos chocalhos. As pessoas mais velhas da terra dizem que hoje as mulheres não ficam tão pisadas como antigamente.



Esta tradição esteve quase a perder-se no fim do Estado Novo e devido à forte emigração que se lhe seguiu. Foi reavivada em 1985 nas Jornadas de Cultura Popular da Academia de Coimbra e actualmente parece estar a viver um período bastante vigoroso. Alguns Facanitos, miúdos que se trajam de careto, andam já no meio dos adultos a aprender as tropelias e são eles a garantia da continuação desta tradição nos próximos anos. A afluência de turistas e o interesse, que eu julgo ser crescente, por estas tradições também ajuda.



Apenas ao sexo masculino é permitido este disfarce. Vestem-se com colchas franjadas de lã verde, vermelha e amarela e chocalhos na cintura. Máscara em couro, latão ou madeira, de nariz pontiagudo e pintada de preto ou com uma das cores das franjas. Trazem consigo um pau que os apoia nas corridas desenfreadas que dão.



A origem desta tradição è pré-cristã, num misto de rituais pagãos ligados à fertilidade, em que se procurava agradar aos Deuses para obter uma boa colheita, sendo permitidas as mais loucas tropelias antes do início do recolhimento e contenção da Quaresma.



Actualmente vive-se muito para a encenação, foi essa a sensação que tive. Estavam presentes dois canais televisivos e muitas das correrias foram realizadas propositadamente para as câmaras. Imensos turistas andavam atrás dos caretos de máquina fotográfica e câmara de filmar na mão, que nem uns autênticos paparazzi. Todos querem uma imagem destas figuras fascinantes e misteriosas (incluindo eu), apanhá-las no melhor ângulo possível e levar uma recordação deste carnaval original e antigo. Este afã retira muita espontaneidade ao Carnaval. Os turistas têm uma postura bastante passiva, vêm observar e fotografar os caretos, pouco se misturando com eles.


Amanhã o programa promete bastante, com o Teatro de Rua da “Mandrágora”, a Queimada, o Baile e os Gaiteiros de Lisboa pela noite dentro.



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