Fomos entrando no picadeiro real,
palácio do século XVIII adquirido pela
câmara municipal do Fundão. Não imaginávamos o que iriamos ver: ninguém na
receção, apenas vozes de pessoas a conversar e uma música estranha, que vinham detrás da cortina preta que tapava
a entrada numa sala lateral.
Subimos as escadas de granito e
fomos dar a uma sala escura com vários chocalhos pendurados do teto. Na parede
era projetado um filme a preto-e-branco de cabras a pastar nos montes, uma
montagem multissensorial que nos remeteu de imediato para a cultura local e a
pastorícia. Chocalhamos as sinetas, envolvemo-nos no ambiente sonoro e nostálgico
da natureza. Os sons e a luminosidade sombria produziram um efeito encantatório
em nós, como se estivéssemos a viajar para um tempo primordial de ligação à
terra.
Alguém subiu as escadas.
- Estejam à vontade, é mesmo para chocalhar.
Temos mais três salas: uma para interagirem com o espaço e duas exposições.
Pelos vidros largos das paredes de uma das salas entrava luz natural e via-se
o jardim do lado de fora. Obras coloridas contrastavam com as paredes brancas, tornando-as mais vibrantes
e expressivas.
E. atravessa as cortinas da porta lateral e
volta para trás.
- parece que cheira a cabra …
Também atravesso as cortinas e
entro numa sala escura onde estão duas cabras esculpidas em material plástico, e
pegadas desenhadas no chão. Uma
referência óbvia à transumância.
Descemos à receção. O guia despedia-se do casal que visitava a sala da cortina preta.
- Agora posso mostrar-vos a
última sala, mas primeiro explorem os círculos no mapa.
Colocamos as mãos sobre os
círculos de um painel com a serra da Gardunha e Alpedrinha. Saem sons de lobos, rebanhos, passarinhos, do vento, da água, de máquinas a trabalhar a terra e do fogo a consumir
a serra. Uma parafernália de ruídos ouvidos por quem aqui viveu ao longo dos
tempos.
Entramos na última sala. Cores
berrantes, de formas indecifráveis e dinâmicas, espalham-se nas paredes.
- coloquem uma mão na terra do
vaso e a outra na água dos jarros – as formas alteram-se, palavras e frases
aparecem e desaparecem das paredes - a intenção é sentir a terra a produzir vibrações
sonoras e coloridas.
Envolvem-nos sons e luzes eletrónicas que criam um efeito hipnótico.
Despedimo-nos do guia,
recomenda-nos almoçar no restaurante Degusta-me.
Passamos na fonte de D. João V. A
água brota das bicas para dois tanques. Diz a lenda que a bica da esquerda é para as mulheres solteiras, a do meio para as casadas e a da esquerda para
as bruxas.
Mais abaixo, o memorial aos
mortos da primeira invasão Francesa em 1808. Crianças e famílias inteiras
massacradas.
Somos recebidos pelo dono do
restaurante. Portugal também é isto! Pequenos restaurantes que se descobrem em
localidades bonitas, repletas de história, nas quais a gastronomia e as pessoas
que a confecionam são em si mesmo uma parte da maravilha que é viajar pelo país.
O Sr. Rui, é um excelente cozinheiro e anfitrião, serviu-nos tiburnada de
bacalhau, feita na hora, ainda com os aromas da batata a murro, do alho e das
especiarias a fumegar no prato. Uma delícia! As sobremesas de pudim de pão e
tigelada de requeijão fizeram jus ao prato principal, assim como as entradas de
queijo da serra e compota de abóbora (tudo feito com ingredientes locais e da
época). Espaço pequeno e acolhedor. Um daqueles sítios em que saímos
reconfortados pelo que comemos e pelo tempo que passamos.
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| Obra de Daniela Guerreiro |
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| Obra de Catarina Glam |












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