domingo, 7 de dezembro de 2025

Alpedrinha

 


Fomos entrando no picadeiro real, palácio do século XVIII  adquirido pela câmara municipal do Fundão. Não imaginávamos o que iriamos ver: ninguém na receção, apenas vozes de pessoas a conversar e uma música estranha,  que vinham detrás da cortina preta que tapava a entrada numa sala lateral.

Subimos as escadas de granito e fomos dar a uma sala escura com vários chocalhos pendurados do teto. Na parede era projetado um filme a preto-e-branco de cabras a pastar nos montes, uma montagem multissensorial que nos remeteu de imediato para a cultura local e a pastorícia. Chocalhamos as sinetas, envolvemo-nos no ambiente sonoro e nostálgico da natureza. Os sons e a luminosidade sombria produziram um efeito encantatório em nós, como se estivéssemos a viajar para um tempo primordial de ligação à terra.   

Alguém subiu as escadas.

- Estejam à vontade, é mesmo para chocalhar. Temos mais três salas:  uma para  interagirem  com o espaço e duas exposições.  

Pelos vidros largos das paredes  de uma das salas entrava luz natural e via-se o jardim do lado de fora. Obras coloridas  contrastavam  com as paredes brancas, tornando-as mais vibrantes e expressivas.

 E. atravessa as cortinas da porta lateral e volta para trás.

- parece que cheira a cabra …

Também atravesso as cortinas e entro numa sala escura onde estão duas cabras esculpidas em material plástico, e  pegadas desenhadas no chão. Uma referência óbvia à transumância.

Descemos à receção. O guia despedia-se do casal que visitava a sala da cortina preta.

- Agora posso mostrar-vos a última sala, mas primeiro explorem os círculos no mapa.

Colocamos as mãos sobre os círculos de um painel com a serra da Gardunha e Alpedrinha.  Saem sons de lobos, rebanhos,  passarinhos, do vento, da água,  de máquinas a trabalhar a terra e do fogo a consumir a serra. Uma parafernália de ruídos ouvidos por quem aqui viveu ao longo dos tempos.

Entramos na última sala. Cores berrantes, de formas indecifráveis e dinâmicas, espalham-se nas paredes.

- coloquem uma mão na terra do vaso e a outra na água dos jarros – as formas alteram-se, palavras e frases aparecem e desaparecem das paredes - a intenção é sentir a terra a produzir vibrações sonoras e coloridas.

Envolvem-nos  sons e luzes eletrónicas que criam um efeito hipnótico.

Despedimo-nos do guia, recomenda-nos almoçar no restaurante Degusta-me.

Passamos na fonte de D. João V. A água brota das bicas para dois tanques. Diz a lenda que a bica da esquerda  é para as mulheres solteiras,  a do meio para as casadas e a da esquerda para as bruxas.

Mais abaixo, o memorial aos mortos da primeira invasão Francesa em 1808. Crianças e famílias inteiras massacradas.

Somos recebidos pelo dono do restaurante. Portugal também é isto! Pequenos restaurantes que se descobrem em localidades bonitas, repletas de história, nas quais a gastronomia e as pessoas que a confecionam são em si mesmo uma parte da maravilha que é viajar pelo país. O Sr. Rui, é um excelente cozinheiro e anfitrião, serviu-nos tiburnada de bacalhau, feita na hora, ainda com os aromas da batata a murro, do alho e das especiarias a fumegar no prato. Uma delícia! As sobremesas de pudim de pão e tigelada de requeijão fizeram jus ao prato principal, assim como as entradas de queijo da serra e compota de abóbora (tudo feito com ingredientes locais e da época). Espaço pequeno e acolhedor. Um daqueles sítios em que saímos reconfortados pelo que comemos e pelo tempo que passamos.




Obra de Daniela Guerreiro

Obra de Catarina Glam








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