sábado, 22 de março de 2025

Trilho da Pasarela Del Barranco de la Hoz (Teruel)

 


O manto branco de neve cobre os extensos pinhais bravos da serra. A estrada serpenteia  ao longo da natureza incólume e selvagem. O Tejo,  minúsculo fio de água,  desponta da nascente, corre estreito entre a erva hirta e as agulhas de gelo. O exterminador vai de camioneta a Albarracín, camuflado de turista, na companhia dos humanos  fascinados com a alvura da neve. Autêntico  Blade Runner,  só reconhecido por outros como ele.

O guia, Ignácio,  cristão descendente dos Aragoneses que reconquistaram o reino, orienta o grupo. Hoje, realizam o trilho das Pasarelas do Barranco de la Hoz. Partem de Calomarde a pé. A neve resplandece sob o manto de sol que raia das nuvens. As chuvas intensas alagaram o trilho. Os humanos descalçam as botas de caminhada, molham os pés na água gelada, calcam lama e  saibro cortante. O exterminador  é uma máquina insensível. Inveja-os  por sentirem dor,  água a escorrer no corpo,  frio e calor.

Chegam a um local ermo sobre falésias perigosas, o humano Pedro sente vertigens, acocora-se na rocha a aguardar o regresso dos restantes colegas. Enquanto isso, filma ao longe os barrancos íngremes que o assustam, frui o silêncio. Mais tarde, quando fica com rede, posta vídeos e  comentários no Facebook. O exterminador acha estúpido  filmar, comentar e divulgar tudo para os amigos verem e fazer likes. Até os momentos mais recatados e únicos são filmados!

Se fosse humano não passaria o tempo a utilizar gadgets, apreciaria os sentidos oferecidos pelo corpo, cometeria erros propositadamente e riria deles. Como máquina está condenado a funcionar ininterruptamente, milimetricamente, previsivelmente funcional e certeiro  até ao longínquo  dia em que  avariar de vez.

Ignácio leva o grupo a Albarracín, local  onde o exterminador  havia encontrado nas suas viagens no tempo o mouro Ibn Al Razim. Lembra-se da sua  gentileza e coragem, assim como a das suas gentes. Congratula-se que a memória do  amigo  tenha perdurado no nome da serra e da vila encantada. Albarracín, a vila vermelha, continua altiva e impressionante, igual a si própria, como se o tempo não tivesse passado. Nas  suas ruas estreitas parecem ecoar ainda  as vozes dos alfagemes que poliam  espadas, as dos almocreves  e vendedores que chegavam à fortaleza  de todos os cantos do emirado de Córdoba. Os humanos deambulam nas ruelas, tiram fotografias teimosamente em todo o lado de todos os ângulos possíveis e imaginários, ele não sabe se olham mais para o telemóvel ou se para o ambiente medieval que os rodeia, tingido de muralhas, telhados e paredes ocres.  

Chegam  a Teruel ao fim da tarde,  fazem  o check in no hotel. Passeiam  antes do jantar, apreciam a arte mudéjar das torres e palácios da cidade, as  misturas de estilo islâmico, cristão e judaico, reunidas nessa arte única,  só existente na península Ibérica. O  Exterminador sabe tudo,  basta recorrer à inteligência artificial com a qual foi programado  que obtém toda a informação, sintetizando em poucos segundos os dados  de milhares de documentos digitalizados nas redes. Cativam-no as emoções  humanas, imiscuir-se nelas, mais interessantes e imprevisíveis do que toda a informação compilada até hoje.

Inventa o nome  Joaquim e a profissão de professor para conversar com  a mulher ao seu lado. Falam de escola como os professores  fazem sempre que estão juntos. Sai-se bem, ela jamais descobriria que o senhor tão simpático,  aparentando longa experiência  e profissionalismo,  não passa de  uma máquina.

Quatro amigas pré-reformadas jantam na mesa, à parte. Andam sempre juntas e perdem-se do grupo frequentemente. Levam os telemóveis  e o stick na mão, tiram  muitas selfies,  sorriem várias vezes  para a fotografia, observam uma por uma as imagens,  eliminam  aquelas em que estão mais "feias" até chegar a acordo, selecionando  as melhores.  Ignácio mantém o ar digno aturando os seus comentários que o culpam de  as deixar sistematicamente para trás.

Os casais recatados de meia idade soltam a língua depois dos primeiros copos. Ficam  bem dispostos e extrovertidos,  descobrem parentescos,  amigos comuns: por um triz não se cruzaram no último verão  com fulano e sicrano na grande muralha da China! Como os humanos variam de humor depois  de um  jantar opíparo!  Ao início  tão formais,   tornam-se efusivos, parecem amigos de longa data ao fim de poucas horas.  

Trilho da Pasarela do Barranco de La Hoz







Albarracín














Teruel





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