terça-feira, 27 de junho de 2023

A Abundância Frugal Como Arte de Viver

 


O autor do ensaio, o filósofo Francês Serge Latouche, considera  o decrescimento económico o único meio de garantir a sustentabilidade e a regeneração ambiental do planeta.

A vida moderna está repleta de necessidades criadas artificialmente,  insatisfação,  problemas psicológicos, depressões, intoxicações,  doenças  provocadas pelo consumo permanente de alimentos processados, junk food,  a comida de plástico. Julga-se que a esperança média de vida iniciou o seu declínio. É apresentado o historial do movimento  Slowfood, como parte do decrescimento, por oposição ao conceito do fastfood,  reflexo da economia expansionista e extrativista.  

O consumismo é como uma toxicodependência. Procura-se a felicidade pelo hiperconsumo, o crescimento económico gera necessidades fictícias. O ser humano está constantemente insatisfeito. O decrescimento implica, em termos individuais, viver frugalmente. Só dessa forma se poderá atingir uma vida mais plena.

Felicidade, Gastronomia e Decrescimento, o subtítulo do livro, explica de que forma estes conceitos estão interligados. A gastronomia tradicional representa a proximidade com os produtos da terra, a sustentabilidade e o respeito pelos ciclos da terra-mãe, o buenVivir, filosofia adaptada dos índigenas da América do Sul.

Serge Latouch evoca em diversos parágrafos Ivan Illich, o seu “mentor”, recuperando o significado de convivialidade e a  utilização de instrumentos de controlo público, usados  na medida da real necessidade da comunidade, como forma de reduzir a dependência do mercado. As opções políticas devem privilegiar técnicas e ferramentas que sirvam em primeiro lugar as pessoas.

O autor aborda os 10 princípios do Pequeno Tratado de Decrescimento Sereno. Que se podem resumir da seguinte forma:

reduzir a pegada ecológica e o desperdício energético através da relocalização das atividades económicas, aproximando-as dos locais onde vivem os trabalhadores; restaurar a agricultura tradicional; reorientar a investigação científica de forma a que as ferramentas utilizadas na produção estejam ao alcance de todos, valorizando os bens relacionais; evitar o uso do dinheiro;  introduzir  ecotaxas; restringir a  publicidade.

As tentativas para reduzir os desperdícios são anuladas pelo crescimento económico permanente e o aumento constante da produção. O autor compara as tentativas de redução do lixo com os mitos gregos de Sísifo e da jarra das Danaides:  por muito que se tente reduzir aumenta sempre, enquanto continuar o mesmo paradigma económico. O modelo baseado no crescimento do consumo nunca alcançará a redução dos desperdícios. As iniciativas que defendem a sua redução, mas que não propõem a alteração do modelo económico, não passam de Greenwashing. Só com o decrescimento será possível começar a reduzir o lixo.

É abordada a “Banalidade da Catástrofe”. As alterações climáticas são geralmente aceites e consensuais, ao contrário do que acontecia no início deste século. Hoje, perante as evidências, a comunicação social tornou-as “inevitáveis”, banalizando as tragédias decorrentes das mesmas. As notícias fantásticas contabilizadas pelo número de mortos, pela destruição de cidades e habitats são transmitidas com o intuito de ganhar as audiências televisivas. A banalização da catástrofe tornou-se no maior obstáculo para a evitar e definir “uma prudência adaptada aos tempos atuais”.

Os três ingredientes necessários para que a sociedade de consumo continue a sua senda destrutiva são: a publicidade, o crédito ao consumo e a obsolescência programada.

A publicidade cria incessantemente a necessidade de consumir; o crédito permite a compra permanente de bens; a obsolescência programada manipula artificialmente o tempo de vida dos produtos para que os consumidores tenham de procurar constantemente novos substitutos.

A invenção do relógio na idade média significou o começo da modernidade, com a contagem do tempo por meios mecânicos, com a sua uniformização em territórios cada vez mais vastos. Perdeu-se o sentido do sagrado, a relação com os ciclos da terra-mãe. O tempo tornou-se escasso, passou a ser cronometrado ao segundo.  Compra-se “tempo”, férias pagas, lazer. É necessário trabalhar para ganhar dinheiro, contabiliza-se ao minuto o tempo que se ganha e se perde.  Ele próprio é um bem de consumo e o tempo livre tornou-se insuportável. O Homem não sabe o que fazer no tempo livre, sente-se perdido. É necessário valorizar a lentidão, recuperar outros saberes, a convivialidade, os objetos relacionais.  Fruir o momento.

O decrescimento significa igualmente uma descolonização mental, a libertação deste ciclo insano,  alterando o paradigma filosófico  utilitarista e antropocêntrico para o ecocêntrico. Um telemóvel é composto por minerais raros, extraídos da terra. Se, por exemplo, o ser humano começar a pensar que esses minerais fazem parte da terra-mãe, do ciclo das rochas, a conhecer a matéria numa perspetiva mais holística, então estará no início da transformação mental que o levará a reduzir o consumo.

Deve-se privilegiar o Índice de Felicidade Bruta em detrimento do PIB. Uma economia baseada no lucro e no crescimento económico infinito é um absurdo num planeta de recursos finitos.

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