domingo, 26 de junho de 2022

Capela de São João, Paramos - Barrinha de Esmoriz

 


Entrei na capelinha de São João pela primeira vez. Por ser fim de semana e haver festa encontrei-a aberta. Os andores - Santa Luzia, São João, Santo Tirso, Nossas Senhoras de Fátima e da Aparição - estavam cá fora enfeitados de flores. Belos antúrios vermelhos adornavam o de N. S. da Aparição.  O interior da capela é simples e despojado, como seria de esperar numa pequena e humilde terra de pescadores. A tela de madeira na parede chamou-me a atenção pelas cores vivas, por retratar o  episódio que deu origem ao culto. A capelinha rodeada de árvores junto ao mar, as personagens da época que se deslocaram ao sítio para ver o “milagre”. Alguma ingenuidade e superstição que as fez   acreditar numa intervenção divina e erigir à posteriori o local de culto.    O reitor da freguesia é a única figura a cavalo, denotando a sua importância social sobre as restantes classes. Os outros são burgueses da comarca da feira, provavelmente amanuenses do estado que foram atestar “o milagre”, acólitos e o povo. O pescador leva aos ombros a rede, talvez cheias de caranguejos e de  mariscos que apanhou  nas rochas. As freiras do convento (Qual?) seguem atrás.  O coveiro cava a sepultura para enterrar o morto que apareceu na costa,  juntamente com a escultura intacta de Nossa Senhora, a “aparição”   da devoção.  

É deliciosa a imagem, as associações que produz e convoca relativas ao passado, à forma como se vivia o quotidiano e a religião.   Uma simples tela foi  suficiente para desencadear pensamentos e emoções, comparar tempos idos, o que se julga que foram, com o presente, o que parece que é.  

A capelinha está condenada a desaparecer em breve. Os blocos de pedra que a protegem das investidas do mar tem que ser constantemente reforçados e ampliados.  De acordo com as projeções científicas, partes significativas desta costa ficarão submersas em poucas dezenas de anos. Os moradores das habitações próximas já foram convidados a sair do local pela autarquia de Espinho. Recusaram.

Cá fora as barraquinhas das coletividades vendem petiscos, angariam mais algum dinheiro. O grupo de tambores de Maceda, constituído maioritariamente por idosos, faz a percussão enquanto desfila na avenida entre a capela e o cruzamento da estrada do aeródromo.

Também em Esmoriz havia muitas barraquinhas a comemorar a “Semana da Barrinha” (em homenagem ao seu ex-libris – “a Barrinha de Esmoriz”). Outro momento  para as coletividades locais angariarem dinheiro: a associação de pais da EB1, os escuteiros, os Motards, o clube Ornitológico, o clube de futebol, a agência funerária (!). Chega o verão e há muitas festividades. Como são festivos os Portugueses!

Fiz o caminho pelo passadiço de Esmoriz e Paramos, atravessei a barrinha – uma língua de areia que forma a lagoa de água salobra junto à costa. Nos invernos mais rigorosos o mar rompe a duna que a isola e renova a água com nutrientes do oceano. Zona rica em biodiversidade, com, principalmente, muitas aves, poucas enguias, uma espécie de lampreia (em perigo crítico de extinção), morcegos e insetos.  Quanto às espécies vegetais, as dunas foram, acima de tudo, ocupadas pelas invasoras, chorão e acácia.  

Está um dia lindo. A areia da praia contrasta com o azul do céu e do mar, as ervas das pampas e os caniços cobrem muitas partes da lagoa, como um tapete de agulhas enfiadas na água.

A ponte de madeira foi construída em 2017 no mesmo local onde existiu outra mais antiga, no século XIX.  Pagava-se portagem: 10 reis os carros-de-bois e outras bestas, cinco reis quem ia apeado. Júlio Dinis (1839 – 1871) descreveu a ponte no conto “O canto da Sereia”. O escritor Portuense passava temporadas em Ovar. Conhecia a região.

"Quem viajasse há anos por esta parte da província da Beira deve conhecer, por tradição, senão por experiência, o ponto do litoral que recebeu este onde tantos episódios, uns cómicos e outros trágicos, se sucederam, antes que se construísse a ponte que hoje o viajante, ao percorrer a linha férrea, próximo à estação de Esmoriz, descobre desenhando os seus quatros arcos sobre o fundo esverdeado das águas do oceano." (O Canto da Sereia, p. 66, OMJD) 

As fotografias a preto-e-branco de há cem anos são outra revelação. Contam histórias. Margens com barcaças, uma navega isolada com a vela desfraldada, barraquinhas de praia, pessoas na água.

Esmoriz

Flamingos na ria de Aveiro




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