terça-feira, 25 de junho de 2019

O Comércio Louco


Sean Keller, no artigo intitulado “Connecting the Dots: Insane Trade and Climate Chaos” propõe-nos imaginar:

Um mundo onde a comida é enviada para processamento a milhares de quilómetros de distância da sua origem, regressando depois  ao ponto de partida para ser vendida.

Vacas no México alimentadas com milho importado dos Estados Unidos, que depois são exportadas para os Estados Unidos,  onde são  mortas,   e a respetiva  carne reenviada para o México.

Um mundo em que a China, desde 2005, consegue importar mais bens de si própria do que dos Estados Unidos, o seu principal parceiro comercial.

Parece loucura, mas é o que na realidade acontece.

Os exemplos anteriores são situações de REIMPORTAÇÃO: os países enviam os seus produtos para o estrangeiro, recebem-nos processados e  reenviam-nos novamente,  numa fase mais adiantada da cadeia de produção.

O autor apresenta outros exemplos:  

A migração que o  bacalhau faz  até às costas da Noruega, depois de uma viagem de milhares de quilómetros pelas águas geladas do ártico,  em busca de locais para desovar,  não se compara  com a viagem que faz depois de ser pescado:
é enviado para a China, transformado em lombos e filetes,  e reenviado para os supermercados da Escandinávia, onde é vendido.

Mais de metade do marisco apanhado no Alasca é processado na China e a maior parte dele regressa aos supermercados dos Estados Unidos.

Este COMÉRCIO REDUNDANTE não tem qualquer lógica e só pode causar perplexidade:
 por que motivo então insiste-se em  continuar a realizá-lo, enviando comida em boas condições para o estrangeiro para mais tarde recebê-la de volta?

A resposta está no modo como a economia global está estruturada e nos acordos  de “Comércio Livre”,  que permitem  às corporações transnacionais   aceder a mão-de-obra e  recursos em praticamente qualquer lugar do planeta, permitindo-lhes aproveitar as brechas fiscais e as diferenças nos padrões de trabalho e ambientais dos diferentes países.

 Enquanto isso, os subsídios diretos e indiretos aos combustíveis fósseis, da ordem das centenas de milhões de euros anuais, permitem que os custos de transporte sejam em grande parte suportados pelos contribuintes e pelo meio ambiente, em vez das empresas que realmente participam neste comércio.  
Estas forças estruturais produzem níveis insanos de transporte internacional, cujo único objetivo é aumentar os lucros das empresas.

As consequências são terríveis e deverão piorar nas próximas décadas,  particularmente para os pequenos agricultores do sul global, que viram os seus meios de subsistência prejudicados pelo influxo de alimentos baratos do exterior. Enquanto isso, as suas práticas agrícolas, resilientes ao clima,  são ativamente desencorajadas pelos acordos da Organização Mundial de Comércio  e de "Comércio Livre".

A comida não é o único exemplo que acumula quilómetros desnecessários de viagem,  Sean keller exemplifica com os componentes dos smartphones, que viajam na totalidade cerca  de 800 000 quilómetros, antes de chegarem aos nossos bolsos.

O transporte excessivo e redundante de produtos é responsável pela emissão  significativa de gases com efeito de estufa. Logo, não se pode  combater a crise climática sem  alterar a forma como o comércio internacional é realizado.
Um estudo apresentado por uma universidade Japonesa descobriu que quando os países reduzem as suas tarifas, as emissões  de carbono aumentam.

O artigo conclui que para lutar contra as alterações climáticas é necessário acabar com o “Comércio Livre” e os subsídios aos combustíveis fósseis, que tornam o comércio redundante e as reimportações lucrativas para as grandes corporações,  prejudicando as comunidades locais e a resiliência ambiental.
O autor remete para o sitio da organização Local Futures – Economics of Hapiness,  em que se  acede a um PDF com dados  relativos ao  comércio louco  e ver um curto filme - uma colagem com bastante humor de clássicos do cinema -  alertando  para suas consequências.

Uma personagem  desesperada promete: “From now on I will only buy local food”. 



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