sexta-feira, 30 de março de 2018

Caminho Português da Costa: Vila Praia de Âncora - Caminha





Vila Praia de Âncora – Caminha  (cerca de 9 Km)            

Vila Praia de Âncora – Moledo – Caminha

O Albergue D`Avenida, em Vila Praia de Âncora, tem uma excelente decoração retro. Alinhadas num dos bancos estão várias revistas “Crónica Feminina”, dos anos 60. A revista número 173 é de 1960. Custa 1,50 escudos e no ultramar 2 escudos. Tem a fotonovela a preto-e-branco “Sublime Renúncia”, conselhos de beleza, moda, contos, notícias das socialités contemporâneas: a princesa Malika, filha do sultão de Marrocos, colocou-se à frente de um grupo de enfermeiras para ajudar os órfãos do terramoto de Agadir; Lúcia Bosé na praia de Cannes com os filhos Miguelito e Paola Dominguín. Noticias acompanhadas pelas respetivas fotografias a preto-e-branco.
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branco ou em cores


Varanda do Albergue D`Avenida

O edifício do albergue visto do areal


Apanho uma saraivada tremenda e abrigo-me debaixo da pala do centro desportivo de VPÂncora. O céu está de um cinzento muito escuro no cume das serras, o vento uiva. Espero alguns minutos. O mar está agitado, é impossível ir à água, contudo passa por mim uma mulher em fato de mergulho. O guarda-chuva não serve de nada com este tempo terrível, só mesmo o fato de mergulho resulta. 
Para piorar, começou a trovejar. Tenho a tentação de desistir e apanhar o comboio para o Porto. Não me agrada ter que caminhar nestas condições até Vila Nova de Cerveira, a meta de hoje. O tempo melhora e sigo pelo caminho das Gamboas - ecovia do Atlântico - até Caminha.
Entro na mata do Camarido e assusto-me com a inclinação de alguns pinheiros, apresso o passo e corro  sempre que tenho que passar debaixo de um deles. 
Mata do Camarido
Volta a chover copiosamente. Procuro um restaurante para almoçar e ao mesmo tempo me resguardar da chuva. Encontro o Restaurante Paladar, na rua Conselheiro Miguel Dantas - prato do Dia 6, 5€:  Incluí pão, sopa, bebida, prato e café. As duas senhoras que me atendem são muito simpáticas. De repente falha a luz e acontece um momento surpreendente: elas distribuem velas pelas mesas e fico a almoçar literalmente à luz da vela. Há poucos clientes, a maioria são espanhóis. O ambiente fica mais íntimo.

 É  quando decido voltar para casa, o tempo continua sem melhorar - até a eletricidade falhou  - para quê estar a mortificar-me? Ainda poderia apanhar trovoada até Cerveira, não valia a pena o risco e não estava preparado para condições tão adversas.
Entrei na pastelaria Petinga Doce, a mais antiga de Caminha. Criou o doce tradicional “Moca” há mais de 70 anos. Compro uma caixa de 6 unidades para provar nesta Páscoa. 

As mocas de Caminha

Regresso no comboio regional da linha do Minho das 14:47 - Caminha – Porto.
 Preço do bilhete em 2º classe:  9,80 €.

Paragem do autocarro no regresso a casa:
Converso com 2 indivíduos. O mais velho  deve ter quase 80 anos e o mais novo 60 e muitos.
Diz o mais velho: Hoje já vim a pé desde a Areosa até Campanhã.
O mais novo: Hoje também tive que caminhar bastante, apanhei o comboio em Pombal e não imagina o que corri e andei para chegar à plataforma.
Nenhum deles me perguntou por que motivo eu estava com a mochila às costas, eu também não expliquei.
O mais velho viveu na África do Sul, no período do Apartheid. Teve um patrão Holandês que queria casar a filha com ele.
O mais novo: A filha era boa?
O mais velho: Era.
O mais novo: Isso é que foi pena você não ter casado com ela.
O mais velho: Eu já estava noivo.
O mais novo: Não faz mal, f*****com as duas!
Palavra puxa palavra, começaram a falar da porcaria que é este país. O mais velho estava muito arrependido de ter deixado África; o mais novo vivia em França e só vinha cá de vez em quando – não queria viver em Portugal: “Uma cambada de corruptos!”. Começaram a ficar exaltados, a dizer cada vez pior do país, um de cada lado, muito próximos de mim. Por momentos pensei que fosse um ardil para me assaltar, mas não, eram apenas homens rudes e espontâneos à espera do autocarro.

No autocarro encontro o Chico, um amigo de infância. Lembramos as nossas brincadeiras na rua, a liberdade que tínhamos – eramos felizes com tão pouco. Íamos para a rua jogar futebol. Saiamos da escola, brincávamos e inventávamos jogos.  Os nossos pais não se preocupavam muito connosco, sabiam que estávamos perto - na casa de um amigo, vizinho ou familiar. Aparecíamos ao fim da tarde para o jantar.  Hoje os miúdos têm a vida mais condicionada: saem da escola e vão para o centro de explicações contactar com mais livros, chegam a casa sem terem libertado toda a energia e depois andam mais agitados. Hoje seria impossível jogar futebol na rua porque está cheia de carros e não há crianças como nesse tempo.


A barra de Vila Praia de Âncora. O mar muito agitado

Muito vento, chuva e frio ao longo da ecovia do Atlântico, Caminho das Gamboas

Moledo. O monte de Santa Tecla, já em território Espanhol,  visível ao fundo

Muito vento

Caminha. A foz do rio Minho

Centro de Caminha

Caminha. Rua Ricardo Joaquim de Sousa

Igreja matriz de Caminha



3 comentários:

Rafael Tibúrcio Romeiro disse...

Prezado Paulo, sou brasileiro e pretendo fazer o Caminho de Santiago, de bicicleta a partir do Porto, em maio de 2019. Sua narrativa me motivou bastante. Ainda não tenho certeza se vou seguir o caminho do mar ou o do interior. O vento é um obstáculo importante para o ciclista, então eu gostaria de lhe fazer duas perguntas: Os ventos são muito fortes no caminho costeiro? Maio é uma boa época para se viajar em Portugal.
Muito obrigado e continue escrevendo!
Abraços
Eduardo Romeiro

Paulo Barros disse...

Caro Rafael,

obrigado por leres o meu blog. Fico contente.
Respondendo às tuas perguntas:
Sim! A costa Portuguesa é muito ventosa, mais no verão (Junho a Setembro, em Portugal ) do que no Inverno. Há um fenómeno meteorológico na costa norte de Portugal, chamado "Nortada" - ventos muito fortes e frios no verão, em Agosto principalmente. O ar muito quente, proveniente do continente, choca com o ar frio do atlântico e geram-se esses ventos muito fortes.
Em Maio os ventos não são tão fortes. 2 ou 3 km mais para o interior já não se apanham apanham esses ventos fortes, é mesmo junto à costa.
O caminho da costa segue paralelo ao Atlântico, encostado ao mar entre o Porto e Esposende, mas depois começa a afastar-se e segue em média a 2/ 3 km de distância, portanto é provável que uma boa parte do caminho não apanhes a nortada.
Cumprimentos
Paulo

Paulo Barros disse...

Caro Rafael, respondendo novamente às tuas questões:
Maio é uma boa época para se viajar em Portugal: os dias são compridos: às 21.00 h ainda há luz do sol, as temperaturas são agradáveis, 20ªC durante o dia. Pode chover, mas não muito.