sábado, 18 de novembro de 2023

Os Montanheiros


Na caminhada ao Pico Alto vi touros bravos à solta. Eu fazia parte de um grupo numeroso de caminhantes que se juntavam aos Domingos nas caminhadas organizadas pela associação de espeleologia de Angra do Heroísmo: “Os Montanheiros”. Depois do tremendo susto que apanhei no meio dos touros,   agora, estava tranquilo e protegido na companhia dos colegas. Os touros pareciam dóceis vistos ao longe. 

- São inofensivos no seu ambiente natural, exceto as vacas bravas com  crias. Quando vemos  uma manada de touros à frente batemos palmas e eles afastam-se – disse um dos guias.

Pode ser entediante  e mais perigoso estar  sozinho no meio dos montes. Mesmo sem riscos imediatos. Uma escorregadela ou um simples entorce tornam-se obstáculos difíceis, não havendo ninguém a quem pedir ajuda. Também os encontros com  animais, matilhas ou  touros, como aconteceu comigo. 

As caminhadas organizadas pelos Montanheiros eram excelentes oportunidades para conhecer trilhos sem correr riscos. O ponto de encontro costumava ser a sede do clube, na rua da Rocha. Distribuíamo-nos pelos carros e partíamos para o interior.
Tinham periodicidade quinzenal, de Abril a Outubro. Conheci locais onde as estradas não chegam, escondidos e difíceis, de nomes eloquentes e fantásticos: o Monte Assombrado, o Pico Alto, os Mistérios Negros, a Lagoinha, o Pico Rachado.
Uma paisagem bastante diferente da que estava habituado a ver, virada para o mar, larga e aberta. Esta era recôndita, escondida pelas paredes da gigantesca cratera vulcânica que formava o círculo  de picos do interior da ilha.  A neblina, o frio e o vento constantes não atraíram os povoadores, que se estabeleceram apenas no litoral fértil e aprazível. 

Fazíamos caminhadas fabulosas, por trilhos indefinidos, debaixo da densa vegetação de arbustos, passando por raízes descobertas, debruçando-nos para contornar caules e troncos perigosamente inclinados, desviando os fetos da nossa frente com as mãos, evitando as fendas  na terra, que ligavam aos algares. Sentíamos o cheiro morno do musgo e do esfagno, típico da floresta de laurissilva, nas redondezas dos picos Assombrado e Rachado. Duas torres rochosas impondo-se na paisagem luxuriante, batizadas pelos primeiros povoadores, de acordo com o que a sua imaginação lhes sugeriu.

Havia trilhos mais abertos e pedregosos, como o dos Mistérios Negros, outros bucólicos e verdejantes, como o da Lagoinha e o do Pico Alto. Todos diversos, de diferentes tonalidades e relevos, de nuances que variavam com os humores do clima imprevisível dos Açores. A tela de um pintor de imaginação prodigiosa,  inventando  sempre paisagens idílicas: minúsculas lagoas de água eutrofizada, escondidas atrás  dos muros densos de criptomérias que subitamente surgiam à frente dos olhos;  espécies endémicas, exuberantes, que só ali existiam;  brumas fantasmagóricas pairando sobre os picos; vegetação de contornos retorcidos e infindáveis tons de verde. 

Numa ilha pequena e razoavelmente  habitada causava estranheza que  muitos locais tenham  sido descobertos apenas no século XX, como o algar do Carvão e a gruta do Natal Não se imaginava a  quantidade de galerias subterrâneas e de túneis que ligavam grutas e algares. A sala de visitas do algar do Carvão tem uma exposição permanente da sua história e da ilha. 

Era bom contar com um grupo que gratuitamente organizava visitas ao interior por trilhos inacessíveis à maioria das pessoas.




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