sábado, 15 de fevereiro de 2025

Nogueira da Regedoura

 


Querida Cidália,

aproveito que finalmente cheguei ao Recife para agradecer sua  extrema generosidade e de sua  irmã. Foi muito difícil comunicar com ela, tal como você referiu. Sendo surda-muda, Cláudia  foi gentilíssima  desde que abriu a porta, se expressando carinhosamente por  linguagem gestual, desenhos, textos, fazendo tudo ao seu alcance para eu entender e me ajudar.  Fico sem palavras para agradecer tudo o que vocês fizeram por mim.

Vou contar o que aconteceu na última tarde em Nogueira da Regedoura. Depois de andar com sua irmã, indo e vindo de carro do shopping, eu quis conhecer um pouco mais do Portugal verdadeiro.  Shopping,  é igual em todo lado, sabe? Até  o Recife tem shopping,  classe A, assim bonitinho como os vossos.  Estava cansada de entrar em carro, ver loja, fazer compra. No último dia, gesticulei: vou sair na rua, quero ver como é isto aqui. Sua irmã fez cara estranha, arregalou os olhos, como quem diz: você é estúpida, por que faz isso? Não tem nada pra ver aqui, não. Escrevi para ela o que estava pensando: Ué, tem pessoa, né?! Tem Continente lá no cimo da rua. Tem loja, café, restaurante.  Não é como a cidade ou o shopping, mas tem sítio para encontrar pessoa. Quero ver  campo, que deve ter, ver quinta, que deve ter. Me disseram que havia muita quinta e casa antiga aqui em Portugal,  coisa que o Brasil não tem. No Brasil, quando não tem favela tem quadra, ou condomínio fechado para os grafinasso. Venha comigo. Percebi pelos gestos de sua irmã que  surda não ia ouvir os carros, era perigoso para ela. 

Saí sozinha na rua, sua irmã ficou olhando a televisão.  Toda a gente fala que Portugal é dos países mais seguros do mundo. Eu ia tranquila, vendo gente pacífica, calada. Muito idoso. Portugal tem muito idoso. Pessoas me observando de lado, fazendo conta que não vê, mas vendo. Gente pouco expansiva. Teriam medo de mim,  julgariam que eu era alguma puta, tendo medo de roubar seu marido? Talvez por usar saia curta e top.  Você sabe como eu sou vistosa, meu cabelo longo, ondulado, pele morena. Estava vestida como tu me conhece. Eu mesma.  Imagino seus pensamentos: Quem é esta  caminhando sozinha, aqui? Os cães ladrando de cima do muro, eu tendo de passar a rua para  outro lado. Talvez por farejarem meu perfume ficavam mais furiosos. Eu mais nervosa, apressando o passo para regressar a casa. Os cachorro sentindo meu nervosismo ladrando mais.

Você disse quando era pequena brincava na rua.   Não vi criança, só carro passando apressado. Talvez indo no centro comercial, como vocês dizem em Portugal. Vi o largo bonitinho, junto da igreja, com banquinho para sentar, sem ninguém. Não dá para entender!! Vi ónibus sem passageiro, paragem vazia.  Pensei que Nogueira da Regedoura  teria gente andando de bicicleta,  ciclovia como  nos Países Baixos, que Portugal sendo europeu seria parecido. No Brasil você vê mais gente andando de bicicleta indo pro trabalho. Esperava  ver mais sobreiro e oliveira. Não tem no Brasil! Vi eucalipto igualzinho aos nossos. Sabe,  sou  uma apaixonada pela floresta  Amazônica,  custa ver a invasão de espécies exóticas e  desmatação acontecendo aí. Ver eucalipto, terreno sem árvore, rua sem passeio, lixeira ilegal escondida na erva da berma,  dói, porra! Lixo, Cidália. Muito LI-XO!! Plástico perdido na rua, PLÁS-TI-CO, viu!?

O que você contou de sua infância em Nogueira da Regedoura, não vi, não!  Gente conversando na beira  da porta, garoto jogando bola na rua. Vi vizinho fechado, gente desconfiada, só saindo de carro para trabalhar ou indo no shopping, como eu fui com sua irmã. Tão comum aí que nem pensam sair a pé, passear na rua. Vão para  longe, percorrendo autovia se evadindo. Muita que tem aí!  

No Brasil   tem  menos dinheiro, mais  criminalidade,  desigualdade,  mas tem bate-papo e alegria. Desculpa estar comparando,  nada apaga vossa gentiliza e bondade. Estou ficando com saudades de Portugal, de suas pequeninas coisas, da  comida, do clima sem tanto mosquito, do frio e do calor,  da montanha e da praia. Da tranquilidade.

Se cuidem, porque me parece que está  ficando ruim. É pena! Vocês estão desvalorizando vosso património histórico e natural, transformando Portugal num resort para estrangeiro rico. Em subúrbios tristes. Meus compatriotas começando a sair  para  outros países.  Vocês ficando  mais velhos e caretas. Quem vai cuidar de vosso turismo, restauração, indústria? Vai  voltar a ficar fechado como ficou com Salazar, viu. E pobrezinho.

 

Te adoro,

 

tua querida Neyde.









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