sexta-feira, 7 de abril de 2023

Sexta-feira Santa em Valladolid



Entramos na cidade, circulamos pelas largas avenidas sem trânsito, limpas e organizadas. Os edifícios modernos harmonizam com outros mais antigos, denota-se um urbanismo cuidado, com os espaços verdes e os parques de lazer a quebrar a monotonia do cimento e do alcatrão, dando um ar  acolhedor e agradável à cidade. A impressão de que é um sítio onde se vive bem. 

É sexta-feira santa, ninguém trabalha. Por outro lado talvez seja ainda a hora de la siesta. Esta pacatez e silêncio com que a cidade nos recebe é, porventura, ilusória. Noutros dias será mais buliçosa. 

Estacionamos e seguimos a pé para o outro lado do rio Pisuerga, em direcção à Plaza Mayor. Não há trânsito nas ruas, mas os estacionamentos estão lotados. Vários grupos seguem para o centro. Famílias espanholas com elementos  de todas as gerações, dos avós aos bebés transportados nos carrinhos. Apesar do calor vão agasalhados. A amplitude térmica é grande, as temperaturas arrefecem acentuadamente ao fim do dia. E será uma noite longa. A procissão começa  às 19:30 e depois da meia noite haverá outra cerimónia religiosa noutras ruas da cidade. 

O trânsito está cortado nas ruas adjacentes ao centro histórico. 

Entramos na iglesia del Santo Entierro, os confrades vendem licores e bolos caseiros. Na iglesia de Santiago um enorme andor com três Jesus Cristos crucificados, padres, acólitos,  a banda filarmónica da confraria e miúdos de traje embuçado, preparam-se para iniciar a procissão. O centro da plaza está vedado com grades, só entram os convidados especiais ou quem pagou, para assistir confortavelmente sentado nas bancadas, ao desfile das 20 confrarias da cidade. Fomos circundado o perímetro, procurando o melhor lugar para ver. 

As vinte confrarias da Procession General de la Sagrada Pasion del Redentor representam por ordem  cronológica 33 episódios da paixão de Cristo, desde a última  ceia até ao enterro no santo sepulcro. Os andores  são peças valiosas, construídas a partir do século XVI, denotam a religiosidade e a importância da semana santa na cultura espanhola. 

Numa  das confrarias iniciais desfilam o que parecem ser ex-combatentes, homens idosos de ar sério e marcial, marcham ao som de tambores. Usam uma boina com um capachinho a lembrar os falangistas, ao seu lado vão padres com as batinas, os cirios e as relíquias. Na guerra civil espanhola a igreja e o exército apoiaram o golpe de estado nacionalista do general Franco. O Vox, partido da extrema-direita, tem  20% de votantes. Apesar de ser um país moderno e liberal, é igualmente conservador. É admirável a coexistência destas duas Espanhas, duas forças e ideologias altamente contrastantes que tiveram o seu momento trágico nos anos de 1936-1939. Observando esta intensa religiosidade e união entre a igreja e o exército, parece-me que o que acontececeu nesses anos era inevitável. O sangue dos padres, da Igreja, de milhões de espanhóis católicos devotos, deve ter gelado  com um governo de esquerda, que para eles devia representar o anticristo.

Fomos tapear e regressamos para assistir às últimas confrarias.














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