quinta-feira, 1 de agosto de 2024

O Retorno

 


A saída apressada/ expulsão dos Portugueses de Angola foi caótica. Um inferno, cenário de guerra e medo retratado no romance e em obras de repercussão internacional de conceituados jornalistas, como  “Angola, mais um dia de vida”, de Ryszard Kapuscinsky.

Quem nunca esteve em Angola não faz ideia e os que vieram de lá parecem ter algum pudor em contar tudo o que viram e passaram. As suas experiências são arrancadas a ferros,  quando começam a falar as imagens que transmitem  dão  um filme de ação digno Hollywood. “Tive de me esconder na banheira, era o sítio mais seguro de casa.” É pena o cinema português não ter dimensão e dinheiro para retratar a descolonização, não faltariam cenas e enredos  verdadeiramente emocionantes que colariam os telespectadores aos ecrãs. 

Muito ficou por dizer, sentimentos e emoções traumáticas que se quiseram esquecer. Talvez um sentimento de culpa ligado ao período colonial, a forma como os “pretos” eram tratados, condicione a expressão de quem de lá voltou, obrigue à omissão e ao silêncio. “Deixei lá tudo”, ouve-se frequentemente.  Fica o ressentimento de quem “tudo perdeu”, a imagem de um país de pantanas que  recebeu mas não compreendeu. 

Dulce Maria Cardoso não tem papas na língua, descreve despudoradamente as relações entre brancos e negros antes da independência. A pobreza e a miséria da metrópole que levou milhares de portugueses a procurar melhores condições de vida nas colónias e a que encontram quando regressam  com os seus  parcos haveres. O sentimento de abandono, traição e esquecimento em relação aos políticos responsáveis pela descolonização  atravessa o romance, recorrente nas  expressões de desdém  -  o “Bochechas”,  o “Rosa Coitadinho” -  usadas pelos retornados.

A metrópole vivia o PREC, tempos verdadeiramente “conturbados”, referidos frequentemente por uma das personagens. DMC transmite uma imagem sensível do drama vivido por meio milhão de portugueses. Quem não veio de Angola com a descolonização tem pelo menos algum familiar, amigo ou  colega de trabalho  que veio.

Os retornados deram a volta, integraram-se, melhoraram Portugal. Trouxeram uma experiência de vida e abertura mental que não existia no país pobre e atrofiado por uma longa ditadura. O livro termina  com a mensagem esperançosa da iniciativa e vontade de ultrapassar a adversidade.

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