sábado, 9 de outubro de 2021

A Rota da Cabra e do Lobo


Naturalmente há uma razão para que este percurso circular de pequena rota, na serra de São Macário,  concelho de São Pedro do Sul, tenha este nome. Vimos as cabras  pastar em rebanhos nas bermas das estradas, equilibradas no cimo dos rochedos, nervosas e tímidas com a aproximação dos humanos, evitando-os quando eram surpreendidas nas ruas estreitas das aldeias, contornando-os e escapulindo-se encostadas às paredes. Quanto aos lobos, claro que não os vimos. O pastor com quem falamos disse não ter medo deles, não são perigosos de dia, basta espantá-los com sons  e afastam-se. De noite, atacam para comer. Está mais preocupado com as matilhas de  cães que deambulam pela serra, essas sim atacam de dia e, se estiverem com fome, não há ruído que as afaste. 

O painel informativo na entrada da aldeia de Covas do Monte refere a importância do lobo no equilíbrio dos ecossistemas e a  campanha para preservar  o seu habitat na região. 

O percurso ofereceu-nos  momentos privilegiados de contacto próximo com animais em estado quase selvagem que, de outra forma, só seriam vistos em filmes, presos em estábulos e quintas. As vacas arouquesas, indiferentes à nossa aproximação, impuseram  respeito pelo seu peso e cornos afiados, pastando  pachorrentamente no prado, escondidas atrás dos sobreiros, emitindo sons relaxantes com os chocalhos. O único touro lambia delicadamente o focinho de uma vitela, parecendo que a beijava. 

Chegando à aldeia da Pena, vindo de Covas do Rio, entra-se na rua Principal por um portão com um aviso - Não se esqueça de o fechar. Animais domésticos à solta. 

Cães, galinhas, ovelhas, cabras,  porcos, coabitam com os poucos humanos que aqui vivem permanentemente. As cabras são comunitárias e o rebanho, com mais de mil animais, é pastado alternadamente por diferentes pastores. 

Recentemente abriu o segundo restaurante da aldeia,  “O caminho do morto que matou o vivo“. Já contei a história deste nome no blog. Um grupo  de homens de Castro Daire e de São Pedro do Sul almoça numa mesa comprida - fazendo uma estimativa rápida da média das idades, 60 anos. Quando terminam, um deles toca concertina e canta  músicas populares com letras brejeiras e Quim Barreiros. Bem afinado. A nossa mesa acompanha as músicas e as senhoras decidem dançar. Há animação. Os jarros de vinho tinto da casa escorregam mais depressa, acompanhando a vitela e o bacalhau no forno. 

O restaurante vende licores e mel da Serra, de castanheiro, mais escuro que o de outras flores.

 A parte final do trajeto entre Covas do Rio e a aldeia da Pena é muito íngreme e por vezes um caminho estreito ao lado da ravina, com lajes de xisto, escorregadias da humidade e dos musgos. É necessário  cuidado e por este motivo deve-se evitar fazê-lo em dias de chuva e no inverno. 

A subida é puxada, mas com muita  sombra propiciada pela vegetação frondosa  - árvores autóctones que nos dão fruta da época gratuita e sem químicos: medronhos, castanhas, figos e, dentro das aldeias, uvas e maçãs que se apanham dos ramos inclinados pelo seu peso. 

Por vezes é necessário parar para descansar, contemplar a paisagem,ouvir o riacho e o silêncio também, sentindo a imponência da natureza, que nem mesmo as torres eólicas, que lenta e insidiosamente se vão intrometendo, conseguem ofuscar. 

No regresso à aldeia de Covas do Monte, onde iniciamos este trilho circular de 12 km, o caminho é mais aberto, vêem - se as serras circundantes, os seus cumes suspensos sobre as nuvens, a vegetação rasteira que cobre as encostas, estendendo-se até  longe. Nos recantos mais arborizados colhem-se os  tortulhos que despontam sobre a manta de agulhas dos pinheiros bravos e  carqueja para  o arroz.