sábado, 28 de maio de 2022

Alcofra e Vermilhas

Barragem de Meruje

A Associação para o Desenvolvimento do Ar Livre nas Escolas (ADALE) foi criada pelos Jorge Ferreira e Jorge Campos. Durante 32 anos organizaram caminhadas com professores de forma a incentivarem nas respetivas  escolas  saídas com  alunos. O Jorge Ferreira ponderou os prós e os contras e aos 57 anos decidiu aposentar-se com uma ligeira penalização. Deu aulas na  Augusto Gil no centro do Porto, onde vive, terminou a lecionar os últimos anos em Canelas, Vila Nova de Gaia. A maioria dos professores que participam nas caminhadas estão aposentados, são velhos amigos, “uma família” que se conhece há muitos anos.   Hoje há  docentes  de Vila Nova de Gaia (Avintes, Carvalhos, Canelas), Porto e Paredes.

A ideia é voltar a fazer na pós-pandemia 10 caminhadas por ano, uma por mês. O Jorge continua a organizá-las por gosto, faz o reconhecimento do trajeto, contacta as empresas de transporte e os restaurantes, pede orçamentos e depois envia a newsletter   ao grupo. Aceita as inscrições por ordem de chegada até completar um autocarro. 

O local de encontro foi a habitual Praça Velasques, no Porto. Saímos às 7.30 em ponto com destino à serra do Caramulo,  localidade de Vermilhas,  concelho de Vouzela. Fizemos partes do PR2: Um Olhar Sobre o Mundo Rural e do PR9: Trilho Quercus Robur. O caminho está bem sinalizado. Dirigimo-nos ao carvalho centenário, exemplar frondoso e imponente, cuja copa projetava uma sombra ampla sobre nós.  Muitos encontram-se calcinados pelos incêndios que fustigam sistematicamente a região, os que sobreviveram, e outras espécies autóctones, ficaram isolados  e dispersos,  cercados por  eucaliptos e  matos rasteiros que ocupam a serra. Percorremos  um trajeto diversificado em pisos de terra, lajes de granito com as marcas deixadas pelos aros metálicos dos carros de bois, tufos macios de erva densa rodeados de giestas frondosas, estradas de alcatrão nos espaços mais abertos da serra,  entre muros rústicos, casas de pedra antigas, fachadas abandonadas e campos. Vimos detalhes arquitetónicos que o tempo tornou obsoletos:  o relógio de sol coberto de musgos no pórtico de uma casa senhorial devoluta, a vieira estilizada que assinala o Caminho de Santiago, o pelourinho, vestígios de levadas com alguma água, choupanas de pastores.    Quintais cultivados, muitos mais abandonados, invadidos pelo mato, população idosa. Uma surpresa: num quintal, debaixo do sol inclemente, um jovem casal, a mulher de cabelo loiro, galochas, calções de ganga e top; ele, de cabelo comprido, tronco nu e calção, puxam o arado. Uma colega reformada fica impressionada com o físico do homem. São Portugueses. Vivem cá há pouco tempo. Diz-me ela que o governo está a dar incentivos para atrair e fixar população no interior. Tem sido uma razia. Serão suficientes estas medidas para inverter o inverno demográfico e a desertificação? Nos muros estão marcados os novos símbolos do caminho de Santiago (uma variante do caminho central),  as orientações do PR e do refúgio, em caso de incêndio.

As rochas foram antropomorfizadas: um bloco que se fissurou em duas partes simétricas é a “rocha dos namorados”.  Com alguma imaginação podemos “humanizá-las”, atribuindo-lhes os significados que quisermos.  

Fizemos um desvio propositado para chegar ao PR2 e visitar o parque de lazer da barragem de Meruje. Contornamos a lagoa pelo passadiço.  Ouvia-se uma incrível sinfonia de rãs, coaxavam intensamente em diversos tons. Imensas rãs-verdes, enormes a saltitar para a água ao pressentir os nossos passos. Os moinhos eólicos no horizonte não perturbaram a quietude do momento e a beleza do local. A Lapa da Meruje é um monumento megalítico na margem da lagoa,  em que decorreram, recentemente, escavações que  descobriram artefactos depositados junto dos corpos inumados. Vestígios com milhares de anos. Fizemos o nosso momento de relaxamento à sombra das bétulas na zona de merendas, dormitamos, conversamos, molhamos os pés na água morna, merendamos.

Seguimos para o autocarro que nos levou ao restaurante “Casa Arede”, na freguesia de Alcofra. Comemos opiparamente.  Sopa seca, vitela de Lafões, rojões, bacalhau com batata a murro, confecionados nos alguidares tradicionais de barro. Comida saborosa, quantidades generosas, preço baixo. Fomos brindados ainda com uma mesa de sobremesas diversas. A tarte de noz estava excelente, sem desprimor para o pudim, o queijo com compota, as peças de fruta e os outros doces, igualmente deliciosos. Confeção caseira.  Recomendo e quero voltar.

O Jorge Ferreira fez o discurso final da praxe, com interrupções provocadas pelo ruído que chegava de algumas mesas. Os jarros de vinho tinto e os digestivos estavam a fazer o seu efeito. “Atenção, Atenção, Silêncio”. Com um sorriso e alguma paciência anuncia a próxima saída - a Tendais - e o picnic final no Soajo. Agradece a cozinha soberba e a generosidade da dona “é precisamente por isto que escolhi vir cá, temos que retribuir e voltar no próximo ano”. Há risadas e boa disposição na mesa, parece uma turma malcomportada que interrompe o professor: “Calem-se, ouçam-no, deixem-no falar. Vocês às vezes são piores do que os alunos!”

Descemos a pé à torre medieval de Vermilhas - edifício que no passado foi a residência do senhorio, servia como posto de taxação de impostos e de vigilância - por um caminho estreito de terra e erva capinada, agradável e bucólico.

Ponte medieval de Vermilhas

Dirigimo-nos ao Carvalho centenário de Vermilhas

O pelourinho

Nos muros estão marcados os novos símbolos do caminho de Santiago, uma variante do caminho central, as orientações do PR e da casa de refúgio em caso de incêndio.



No entanto, uma surpresa, num quintal, debaixo do sol inclemente, um jovem casal, a mulher de cabelo loiro, galochas, calções de ganga e top, ele, de cabelo comprido, tronco nu e calção, puxam o arado.

Dirigimo-nos ao Carvalho centenário de Vermilhas, exemplar frondoso e imponente, tapando com os seus ramos uma parte do céu azul que avistávamos entre a copa.

Muitos carvalhos, que dão o nome ao percurso, encontram-se calcinados pelos incêndios que fustigam sistematicamente a região, os que sobreviveram, e outras espécies autóctones, foram-se dispersando por bolsas rodeadas de eucaliptos e matos rasteiros que ocupam a serra.

Fizemos um desvio propositado para chegar ao PR2 e visitar o parque de lazer da barragem de Meruje.


Trajeto diversificado com pisos de terra batida, lajes de granito, tufos macios de erva densa entre giestas frondosas, estradas de alcatrão nos espaços mais abertos da serra.


Contornamos a lagoa pelo passadiço.  

  Imensas rãs-verdes, enormes a saltitar para a água ao pressentir o nosso movimento. 

 Os moinhos eólicos no horizonte não perturbaram a quietude do momento e a beleza do local. 




A Lapa da Meruje é um monumento megalítico na margem da lagoa, 

As rochas foram antropomorfizadas
...um bloco que se fissurou em duas partes simétricas é a “rocha dos namorados”.  





Comemos opiparamente.  Sopa seca, 

Descemos a pé à Torre Medieval de Vermilhas

por um caminho estreito de terra e erva capinada, agradável e bucólico.


Torre Medieval de Vermilhas - edifício que no passado foi a residência do senhorio, servia como posto de taxação de impostos e de vigilância


sábado, 7 de maio de 2022

Cabedelo

 


Terminamos a formação “Aprender no Campo”. Caminhamos junto à foz do Douro, no lado de Gaia, pelas da freguesias da Afurada, “A Furada”, e Canidelo. Vimos resquícios de uma ruralidade que está a desaparecer rapidamente, substituída por uma urbanização galopante de novos empreendimentos, polémicos alguns por serem autorizados muito próximo de zonas protegidas e do leito do rio que, como se sabe, subirá com o nível do mar.    Tem sido avassalador o ritmo de construção, sempre com  mais um mamarracho que despontou na encosta e guindastes a preparar futuros empreendimentos, ocupando matos, quintas, locais com vistas espetaculares, por isso tão apetecíveis e sobrevalorizados.   

Encontramos os restantes colegas na marina. Parecia hora de ponta no início da tarde de Sábado.  Dois autocarros recolhiam turistas de um iate fluvial, idosos de sotaque americano. Ali começamos com a primeira explicação do José Fernandes, em frente de nós fica a antiga “brévia”, local de repouso dos monges da serra do Pilar. “Não se esqueçam do ano de 1834”, diz-nos, "quando foram extintas as ordens religiosas". O edifício passou para o estado, que o vendeu a um civil, "um tal de Antero", um dos primeiros em Portugal a introduzir na fachada motivos neogóticos (séc. XIX). Passamos ao lado da capela que pertenceu aos monges e subimos ao palácio de Manuel Marques Gomes. Empresário de origem desconhecida, casou no Brasil com uma mulher muito rica e mais velha, rapidamente fez fortuna, regressou a Vila Nova de Gaia e tornou-se benemérito local.  Construiu-o no séc. XIX. Após a sua morte, devido a problemas de partilhas entre os descendentes, ficou abandonado muito tempo.   Estive aqui com um grupo de amigos no aniversário de um deles.  Compramos grades de cerveja, fizemos uma fogueira no exterior e bebemos até tarde. Hoje seria impossível voltar ao palácio furtivamente como o fizemos há trinta anos. Depois disso, um fundo imobiliário comprou o terreno, vedou-o e recuperou-o. É provável que brevemente se comecem a construir vivendas ou apartamentos nos lotes, tudo indica que será um condomínio de luxo privado. A Câmara de Gaia reconheceu a filantropia do empresário, atribuindo o seu nome à toponímia local.

A rua e a ribeira do Linho, que desagua no Douro, recordam atividades do passado.   Foi um sítio rural, desvalorizado, afastado dos centros do Porto e de Gaia, de povoamento disperso.   As póvoas piscatórias da Afurada e da Aguda eram pouco relevantes. Espinho estava mais afastado e foi, durante muitos séculos, um simples areal com cabanas de pescadores, que começou a crescer com a construção da linha de comboio. Com o advento do automóvel o local foi-se tornando gradualmente mais apelativo, a proximidade do mar, as vistas soberbas e o investimento imobiliário fizeram o resto.

Seguimos pela rua da Bélgica até ao edifício da antiga seca do bacalhau, construído no Estado Novo (1940). O terreno envolvente, descampado e ventoso, em breve estará ocupado com mais construções, tapando as vistas umas dos outras sobre o Douro e o atlântico.

Descemos  ao Parque de São Paio pela escadaria em madeira.  Inaugurado em abril de 2021 (projetado pelo arquiteto Sidónio Pardal).  Chegamos ao observatório de aves da Reserva Natural do Estuário do Douro. Esperava-nos  o Nuno Oliveira, diretor do FAPAS, ambientalista de longa data, responsável pela criação, e o primeiro diretor do Parque Biológico de Gaia, assim como do Parque de Vinhais e desta Reserva Local -  cuja homologação só foi possível a partir de 2008, quando um Decreto_lei permitiu a criação pelos municípios de reservas naturais, sem autorização do governo central.  Tinha o binóculo montado no estrado, falou-nos da importância das zonas húmidas de sapal para proteger as aves migratórias e sedentárias “É uma zona muito frágil, ainda há pouco um indivíduo veio para aqui pescar e espantou as andorinhas-do-mar”. São as “estações de serviço” das aves, onde param para se “reabastecer” nos longos voos entre a o Norte da Europa e África. Sem zonas húmidas entrarão em declínio e desaparecerão, como infelizmente está a acontecer com muitas espécies. A construção do pontão está a contribuir para o assoreamento do sapal. Fiquei com a impressão de que o Nuno Oliveira poderia ficar indefinidamente a falar de muitos assuntos ligados à conservação da natureza, sobre as aves e as plantas autóctones e exóticas que povoam a reserva,  se houvesse mais tempo.    Tínhamos que terminar antes das 18h 00, alguns colegas queriam assistir ao Benfica-Porto. Havia um certo frisson no ar pela possível conquista de mais um campeonato já neste jogo, e assim foi. Mais tarde ouviria as buzinadelas na rua e gritos de "Bibó Pueerto!"  

Tiramos uma fotografia do grupo que será colocado na fb e na página do FAPAS, preenchemos o inquérito de satisfação e despedimo-nos até uma próxima formação.

A creche em frente  era uma brévia,  local de repouso dos monges da serra do Pilar. 


Subimos ao palácio de Manuel Marques Gomes, empresário de origem humilde,  casou no Brasil com uma mulher mais velha, rapidamente fez fortuna e  no regresso tornou-se benemérito em   Vila Nova de Gaia.  Construiu o palácio no séc. XIX,  depois    esteve  abandonado muitos anos

a proximidade do mar e as vistas soberbas fizeram o resto.

Seguimos pela rua da Bélgica até ao edifício da antiga seca do bacalhau (1940), cujos terrenos circundantes  em breve estarão ocupados com mais construções tapando as vistas umas dos outras  sobre o Douro e o atlântico.

A reserva é um local frágil, a construção do pontão na foz contribuí para o assoreamento do sapal. 

Descemos a escadaria em madeira até ao Parque de São Paio, inaugurado em abril de 2021 (projetado pelo arquiteto Sidónio Pardal)





Fiquei com a impressão que o Nuno Oliveira poderia ficar indefinidamente a falar de assuntos ligados à natureza 



Ribeira do Linho