domingo, 19 de julho de 2020

São Rafael, Albufeira

Praia de São Rafael, Albufeira
É o postal típico do Algarve, um areal  entre as falésias rochosas, reentrâncias e pequenas  grutas que se tornam visíveis na baixa mar. Praia muito bonita, tipicamente Algarvia. Lembra-me o filme, dos mais belos do cinema Português,  “À Flor do Mar”, de João César Monteiro (JCM).  Laura, uma bela e jovem viúva Italiana,  está no Algarve na casa de família  do seu falecido marido. Vai tomar banho a uma praia isolada, parecida com esta,  mas sem ninguém. Subitamente,  vê um barco de borracha à deriva, lá dentro vem um   homem,   quase desfalecido,  que lhe pede ajuda. Laura vai a  casa buscar provisões, no auto rádio ouve as notícias do assassinato, num hotel de  Albufeira,  de um líder palestiniano e que o presumível autor  se encontra em fuga... 
É a partir deste acontecimento verídico, que ocorreu em 1980, que o realizador JCM constrói o filme.   Quem é este náufrago que Laura, uma mulher  carente,  decide ajudar? O que vai acontecer entre ambos? É nesta dúvida que o filme cresce. O  enredo é envolvente. A banda sonora,  composta por temas de autores como Bach e Haendel,  conjugada com a maravilhosa  luz e cores azuis do Algarve, com  as suas paisagens  e diálogos, muitas vezes poéticos,  cria  momentos, na minha opinião, verdadeiramente sublimes. 

Regresso ao Norte ao fim da tarde.  Uma tirada de 6 horas com duas paragens em estações de serviço para desentorpecer os músculos, ainda com o  sal do mar de São Rafael no corpo e com ele dormirei até ao dia seguinte.   



Fotograma do filme "À Flor do Mar"



sábado, 18 de julho de 2020

Olhão - Ilha do Farol




O ambiente muda nos 400 km de distância, que separam o Norte do Algarve. Saio das praias ventosas e frias, e das habituais neblinas matinais,  para o calor e luz do Sul. As esplanadas estão cheias de pessoas, há músicos de rua, falam-se várias línguas. Parece um verão normal, não fossem algumas caras com máscara. É quase como se não houvesse COVID. O meu espírito muda em poucas horas, bastou viajar umas centenas de quilómetros mais para sul. 
O centro de Olhão é labiríntico, estilo medina. Casas brancas de três pisos e açoteias dispersas por ruelas estreitas, onde dificilmente passa um carro. 
A Guest House é gerida por um casal israelo-belga, escondida numa viela pedonal do centro. Nos terraços exteriores vê-se a marina, os telhados da cidade velha e o campanário - bastava trocá-lo por um minarete e estaríamos no Norte de África. 
No dia seguinte pela manhã, visitamos o buliçoso  mercado de Olhão. Uma das bancas tem um fio com pimentos de várias cores pendurados e um cartaz a fazer-lhes  publicidade,  que diz:   "Tudo vai PICAR bem". 
Apanhamos o barco para a ilha do Farol. Falamos com o sr. João,  que  veio ao mercado comprar peixe e regressa à ilha, onde passa alguns dias de férias. 
O primeiro de alguns mergulhos. Água tépida, ondulação suave, cor azul esverdeada do mar. Deito-me na espreguiçadeira a ler "José",  de Rúben Fonseca, e depois dormito debaixo da sombrinha,  embalado pelo som da ondulação.  
Com os amigos partilho as coisas boas da vida. Fazemos uma bela almoçarada no "À do João" - não podia deixar de ser aqui neste sítio! - vinho branco fresquinho a celebrar o momento, alegria, boa conversa -  um bife  de atum divinal: "Não conheço melhor em mais lado nenhum", diz o meu amigo e talvez tenha razão.   O restaurante fica em cima do areal e em poucos minutos estamos novamente nas sombrinhas. 
Ao fim da tarde apanhamos o barco de regresso a Olhão. 

Olhão 



Ilha do Farol (com ele mesmo) 

sábado, 11 de julho de 2020

Drave, Arouca



Drave fica nos confins de Arouca. A viagem de carro de Santa Maria da Feira ao centro de Arouca é tão demorada como a viagem de Arouca a Drave. É um concelho enorme e,  depois do centro, em direção a Moldes e Regoufe, a estrada tem muitas curvas. Eucaliptos nas encostas,  os “desertos verdes”, e cada vez mais torres eólicas. Uma paisagem descaracterizada e empobrecida.
Estacionamos os carros em Regoufe, que se mantém igual ao que era da última vez que aqui estive, há quatro anos. Não vejo ninguém nas ruas, sinto o cheiro característico da bosta de vaca. Local onde os animais estão habituados a conviver com os humanos,  onde se vive do que se cultiva e cria. Cruzo-me com uma vaca Arouquesa a comer ervas de um canteiro ao lado da estrada, um galo com três galinhas, um gato esquelético, perus e muitas cabras nas encostas. As casas da aldeia são de xisto e os telhados em lajes de ardósia, por vezes é difícil distinguir se é uma casa ou um curral. Julgo que,  em muitos casos, são as duas ao mesmo tempo: curral no rés-do-chão e habitação no primeiro piso.
Depois de atravessarmos a ribeira de Regoufe, quase seca, iniciamos uma  íngreme subida  de 20 minutos até ao topo da serra. Temos uma panorâmica global da aldeia, estendendo-se como um presépio de xisto na encosta, os milheirais  na margem da ribeira, o casario abandonado dos mineiros do Volfrâmio, no cimo da aldeia. O velho e enorme castanheiro, que já conheço de outras caminhadas, com a sua imensa copa, os galhos sinuosos e largos.
O perfil da serra muda: vegetação rasteira, poucas árvores, penedos despidos nos cumes. Serras estendendo-se pelo horizonte. No fundo do vale, o rio Paivó dividido em  poças de água e num leito rochoso e seco.
Um sardão atravessa o  caminho, por pouco não o calco, mas não parece preocupado. Continua devagar até desaparecer na erva.

Depois de uma curva,  Drave aparece pela primeira vez, sombria e em ruínas. A aldeia ficou desabitada no fim do século XX, pouco depois dos seus últimos moradores terem recebido pela primeira vez o telefone e a energia solar em 1993. Não há vestígios de painéis solares, nem de linha telefónica. Não tenho rede no meu telemóvel. Todo o tempo que aqui estiver estarei incontactável.  Não se julgue, contudo,  que a aldeia está deserta. Ela é muito frequentada,  principalmente aos fins-de-semana. Surpreendo-me com os vários grupos com que me vou cruzando: escuteiros,  amigos em caminhada,  casais com filhos. Uma romaria em direção a Drave e outros que retornam a Regoufe.
Nas margens da ribeira e nos prados mais escondidos pelos sobreiros  vejo tendas montadas, hippies,  fogareiros acesos, pastas de dentes e roupa a secar nas rochas da ribeira. Gente que encontra uma liberdade e um contacto com a natureza que se perdeu nas cidades. Queremos mergulhar. Estamos empoeirados da caminhada. As poças de água têm muitos grupos a tomar banho. Caminhamos ao longo da Ribeira, encontramos uma com algumas pessoas,  mas ainda com espaço para nós.  Água translúcida e funda. Largamos as mochilas no prado e fomos mergulhar.
E assim o tempo foi passando maravilhosamente, em conversa, sentados com água pela barriga, encostados na rocha quente e lisa a secar.
O almoço foi um desfilar de iguarias que cada um levou e partilhou: peixinhos da horta, tarte de vegetais,  coxas de frango (muito apreciadas!), azeitonas, rissóis, empanadas, vinho tinto, sobremesa de bolo, queijo e  frutas, estendidas na toalha que alguém trouxe.  Uma soneca à sombra do carvalho, outro mergulho.
Fomos explorar a ribeira subindo o leito. Encontramos poças de água límpida com rãs pachorrentas ao sol, até que por fim chegamos a um leito de cascalho seco e voltamos atrás. O céu começava a encobrir e estava na hora de preparar o regresso. Ainda um breve passeio pela aldeia: o solar dos Martins, “onde se reuniram 600 dos seus parentes em 12-9-1946, a convite do Padre João Nepomuceno Martins. Pároco de Carvalhais.”
Fizemos o sentido inverso mais silenciosos e introspetivos.  Cansados, alguns mais magoados após uma queda. Brisa refrescante, pingos de chuva e o som da trovoada seca ao longe. A descida íngreme para Regoufe, o cascalho solto a obrigar a pousar os pés com cuidado.  Combinamos uma cervejinha fresquinha no café da aldeia. Revemos outros grupos com que nos cruzamos em Drave. Pessoal simpático que nos cumprimenta e se despede novamente de nós.
Partilhamos os carros e regressamos à nossa origem citadina, cada vez mais distantes de Drave.
Regoufe

Saída de Regoufe



Rio Paivó


Poça de água em Drave


Leito seco da ribeira


Igreja de Drave


Algumas personagens com que me cruzei