Drave fica nos confins de Arouca.
A viagem de carro de Santa Maria da Feira ao centro de Arouca é tão demorada
como a viagem de Arouca a Drave. É um concelho enorme e, depois do centro, em direção a Moldes e
Regoufe, a estrada tem muitas curvas. Eucaliptos nas encostas, os “desertos verdes”, e cada vez mais torres
eólicas. Uma paisagem descaracterizada e empobrecida.
Estacionamos os carros em Regoufe,
que se mantém igual ao que era da última vez que aqui estive, há quatro anos. Não
vejo ninguém nas ruas, sinto o cheiro característico da bosta de vaca. Local onde os animais estão habituados a conviver com os humanos, onde se vive do que se cultiva e cria. Cruzo-me com uma vaca Arouquesa a comer ervas de um canteiro ao lado da
estrada, um galo com três galinhas, um gato esquelético, perus e muitas cabras
nas encostas. As casas da aldeia são de xisto e os telhados em lajes de ardósia,
por vezes é difícil distinguir se é uma casa ou um curral. Julgo que, em muitos
casos, são as duas ao mesmo tempo: curral no rés-do-chão e habitação no primeiro piso.
Depois de atravessarmos a ribeira
de Regoufe, quase seca, iniciamos uma íngreme subida de 20 minutos até ao topo da serra. Temos uma
panorâmica global da aldeia, estendendo-se como um presépio de xisto na encosta,
os milheirais na margem da ribeira, o casario abandonado dos
mineiros do Volfrâmio, no cimo da aldeia. O velho e enorme castanheiro, que já
conheço de outras caminhadas, com a sua imensa copa, os galhos sinuosos e largos.
O perfil da serra muda: vegetação
rasteira, poucas árvores, penedos despidos nos cumes. Serras estendendo-se
pelo horizonte. No fundo do vale, o rio Paivó dividido em poças de água
e num leito rochoso e seco.
Um sardão atravessa o caminho, por pouco não o calco, mas não parece preocupado. Continua devagar
até desaparecer na erva.
Depois de uma curva, Drave aparece
pela primeira vez, sombria e em ruínas. A aldeia ficou desabitada no fim do
século XX, pouco depois dos seus últimos moradores terem recebido pela primeira
vez o telefone e a energia solar em 1993. Não há vestígios de painéis solares,
nem de linha telefónica. Não tenho rede no meu telemóvel. Todo o tempo que aqui
estiver estarei incontactável. Não se julgue,
contudo, que a aldeia está deserta. Ela
é muito frequentada, principalmente aos
fins-de-semana. Surpreendo-me com os vários grupos com que me vou cruzando: escuteiros,
amigos em caminhada, casais com filhos. Uma romaria em direção a
Drave e outros que retornam a Regoufe.
Nas margens da ribeira e nos
prados mais escondidos pelos sobreiros vejo tendas montadas, hippies, fogareiros acesos, pastas de dentes e roupa a
secar nas rochas da ribeira. Gente que encontra uma liberdade e um contacto
com a natureza que se perdeu nas cidades. Queremos mergulhar. Estamos
empoeirados da caminhada. As poças de água têm muitos grupos a tomar banho.
Caminhamos ao longo da Ribeira, encontramos uma com algumas pessoas, mas ainda com espaço para
nós. Água translúcida e funda. Largamos
as mochilas no prado e fomos mergulhar.
E assim o tempo foi passando
maravilhosamente, em conversa, sentados com água pela barriga, encostados na
rocha quente e lisa a secar.
O almoço foi um desfilar de
iguarias que cada um levou e partilhou: peixinhos da horta, tarte de vegetais, coxas de frango (muito apreciadas!), azeitonas,
rissóis, empanadas, vinho tinto, sobremesa de bolo, queijo e frutas, estendidas na toalha que alguém
trouxe. Uma soneca à sombra do carvalho,
outro mergulho.
Fomos explorar a ribeira subindo o
leito. Encontramos poças de água límpida com rãs pachorrentas ao sol, até que
por fim chegamos a um leito de cascalho seco e voltamos atrás. O céu começava a
encobrir e estava na hora de preparar o regresso. Ainda um breve passeio pela
aldeia: o solar dos Martins, “onde se reuniram 600 dos seus parentes em 12-9-1946,
a convite do Padre João Nepomuceno Martins. Pároco de Carvalhais.”
Fizemos o sentido inverso mais
silenciosos e introspetivos. Cansados, alguns mais magoados
após uma queda. Brisa refrescante, pingos de chuva e o som da trovoada seca ao
longe. A descida íngreme para Regoufe, o cascalho solto a obrigar a pousar os
pés com cuidado. Combinamos uma
cervejinha fresquinha no café da aldeia. Revemos outros grupos com que nos
cruzamos em Drave. Pessoal simpático que nos cumprimenta e se despede novamente
de nós.