sábado, 11 de julho de 2020

Drave, Arouca



Drave fica nos confins de Arouca. A viagem de carro de Santa Maria da Feira ao centro de Arouca é tão demorada como a viagem de Arouca a Drave. É um concelho enorme e,  depois do centro, em direção a Moldes e Regoufe, a estrada tem muitas curvas. Eucaliptos nas encostas,  os “desertos verdes”, e cada vez mais torres eólicas. Uma paisagem descaracterizada e empobrecida.
Estacionamos os carros em Regoufe, que se mantém igual ao que era da última vez que aqui estive, há quatro anos. Não vejo ninguém nas ruas, sinto o cheiro característico da bosta de vaca. Local onde os animais estão habituados a conviver com os humanos,  onde se vive do que se cultiva e cria. Cruzo-me com uma vaca Arouquesa a comer ervas de um canteiro ao lado da estrada, um galo com três galinhas, um gato esquelético, perus e muitas cabras nas encostas. As casas da aldeia são de xisto e os telhados em lajes de ardósia, por vezes é difícil distinguir se é uma casa ou um curral. Julgo que,  em muitos casos, são as duas ao mesmo tempo: curral no rés-do-chão e habitação no primeiro piso.
Depois de atravessarmos a ribeira de Regoufe, quase seca, iniciamos uma  íngreme subida  de 20 minutos até ao topo da serra. Temos uma panorâmica global da aldeia, estendendo-se como um presépio de xisto na encosta, os milheirais  na margem da ribeira, o casario abandonado dos mineiros do Volfrâmio, no cimo da aldeia. O velho e enorme castanheiro, que já conheço de outras caminhadas, com a sua imensa copa, os galhos sinuosos e largos.
O perfil da serra muda: vegetação rasteira, poucas árvores, penedos despidos nos cumes. Serras estendendo-se pelo horizonte. No fundo do vale, o rio Paivó dividido em  poças de água e num leito rochoso e seco.
Um sardão atravessa o  caminho, por pouco não o calco, mas não parece preocupado. Continua devagar até desaparecer na erva.

Depois de uma curva,  Drave aparece pela primeira vez, sombria e em ruínas. A aldeia ficou desabitada no fim do século XX, pouco depois dos seus últimos moradores terem recebido pela primeira vez o telefone e a energia solar em 1993. Não há vestígios de painéis solares, nem de linha telefónica. Não tenho rede no meu telemóvel. Todo o tempo que aqui estiver estarei incontactável.  Não se julgue, contudo,  que a aldeia está deserta. Ela é muito frequentada,  principalmente aos fins-de-semana. Surpreendo-me com os vários grupos com que me vou cruzando: escuteiros,  amigos em caminhada,  casais com filhos. Uma romaria em direção a Drave e outros que retornam a Regoufe.
Nas margens da ribeira e nos prados mais escondidos pelos sobreiros  vejo tendas montadas, hippies,  fogareiros acesos, pastas de dentes e roupa a secar nas rochas da ribeira. Gente que encontra uma liberdade e um contacto com a natureza que se perdeu nas cidades. Queremos mergulhar. Estamos empoeirados da caminhada. As poças de água têm muitos grupos a tomar banho. Caminhamos ao longo da Ribeira, encontramos uma com algumas pessoas,  mas ainda com espaço para nós.  Água translúcida e funda. Largamos as mochilas no prado e fomos mergulhar.
E assim o tempo foi passando maravilhosamente, em conversa, sentados com água pela barriga, encostados na rocha quente e lisa a secar.
O almoço foi um desfilar de iguarias que cada um levou e partilhou: peixinhos da horta, tarte de vegetais,  coxas de frango (muito apreciadas!), azeitonas, rissóis, empanadas, vinho tinto, sobremesa de bolo, queijo e  frutas, estendidas na toalha que alguém trouxe.  Uma soneca à sombra do carvalho, outro mergulho.
Fomos explorar a ribeira subindo o leito. Encontramos poças de água límpida com rãs pachorrentas ao sol, até que por fim chegamos a um leito de cascalho seco e voltamos atrás. O céu começava a encobrir e estava na hora de preparar o regresso. Ainda um breve passeio pela aldeia: o solar dos Martins, “onde se reuniram 600 dos seus parentes em 12-9-1946, a convite do Padre João Nepomuceno Martins. Pároco de Carvalhais.”
Fizemos o sentido inverso mais silenciosos e introspetivos.  Cansados, alguns mais magoados após uma queda. Brisa refrescante, pingos de chuva e o som da trovoada seca ao longe. A descida íngreme para Regoufe, o cascalho solto a obrigar a pousar os pés com cuidado.  Combinamos uma cervejinha fresquinha no café da aldeia. Revemos outros grupos com que nos cruzamos em Drave. Pessoal simpático que nos cumprimenta e se despede novamente de nós.
Partilhamos os carros e regressamos à nossa origem citadina, cada vez mais distantes de Drave.
Regoufe

Saída de Regoufe



Rio Paivó


Poça de água em Drave


Leito seco da ribeira


Igreja de Drave


Algumas personagens com que me cruzei


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