Peregrinantes in Spem, trabalho da Cristina Jorge |
O cântico espalha-se na nave, chegando aos ouvidos por camadas suaves, de diferentes tessituras, acariciando os sentidos, relaxando-os, transportando-os para mundos distantes, onde só existe calma e paz. A acústica é extraordinária. O sítio, perfeito para ouvir música coral.
Não é a primeira vez que ouço o Coro
do Mosteiro de Grijó, contudo, esta impressiona mais. Não imaginava que um simples coro de músicos amadores tivesse
tanta qualidade. Esta noite, interpretam músicas corais de várias épocas, de
alguma forma ligadas aos caminhos de Santiago – o tema da exposição deste ano
nos claustros do mosteiro: Peregrinantes in Spem - Peregrinos da Esperança.
Não sei se a música coral
composta ao longo dos séculos teve somente caráter litúrgico. Não sei.
Sei que a música, como a ouvi
esta noite, foi apaziguadora e enleante. Um som vindo das esferas cósmicas, celestial.
O coro foi fundado em 1989. O sítio
na internet é este: (www.coromosteirogrijo.com)
O maestro e diretor artístico,
Joaquim Marçal, faz uma breve apresentação de cada um dos temas, com boa disposição, humor, diplomacia. Assistem
altos dignitários da igreja e da política local: o pároco, D. António Coelho, o
Bispo do Porto, D. Manuel Linda, representantes da Junta de Freguesia e da
Câmara Municipal.
O pároco diz que o número de
obras expostas aumenta todos os anos, este ano são de 64 artistas plásticos. O bispo do Porto alude ao papa. As obras representam a diversidade de
pessoas e de pontos de vista, indo ao
encontro das encíclicas de Sua Santidade,
o papa Francisco.
Na minha opinião, a arte deve ser absolutamente independente. Neste
caso, apesar do empreendedorismo e contribuição da paróquia na divulgação de
artistas locais pode haver, mesmo que inconscientemente, um certo cuidado em não ferir suscetibilidades. Imagino um artista que resolve expor a imagem de uma mulher nua, de
cócoras, a beijar os pés do apóstolo, dificilmente seria aceite. A igreja continua
a ter muita influência e poder em
Portugal, até na arte.
No entanto, também foi assim no
passado. Grandes obras ficaram para a
posteridade, apoiadas pela igreja. Artistas
geniais tiveram como mecenas papas poderosos, que os protegeram e lhes permitiram criar trabalhos
esplendorosos. As pinturas da capela Sistina, de Miguel Ângelo – cujos nus
escandalizaram a igreja, foram tapados com novas pinturas -, as
decorações de Rafael Sânzio, nos aposentos do papa.
Passamos aos claustros, para visitar a inauguração da XIII exposição
anual.
Encontrei a Cristina Jorge. No
seu trabalho, as máscaras em argila
representam as diferentes emoções expressas nas faces dos peregrinos ao chegar
ao túmulo do apóstolo. A base tem, no
meio, um óculo para ser espreitado, ajoelhando-se e
dobrando-se no chão. Os convidados, talvez por pudor e timidez, não o fazem. Observam
as máscaras de frente, apenas, perdendo uma parte do trabalho e do seu
significado. A Cristina pede-me para espreitar o óculo: estendo-me no chão, olho
pelo minúsculo círculo, vejo a cruz de Santiago iluminada. Ela quer representar
a prostração dos peregrinos na chegada a
Santiago e ao túmulo. O conceito da obra não podia estar mais de acordo com o
tema.
Vejo outros trabalhos à pressa, a
pensar observá-los mais tarde, com calma. As inaugurações devem ser os
piores dias, há mais visitantes e ruído.
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