sexta-feira, 19 de julho de 2024

Peregrinantes In Spem

Peregrinantes in Spem, trabalho da Cristina Jorge

O cântico espalha-se na nave, chegando aos ouvidos por camadas suaves, de  diferentes tessituras, acariciando os sentidos, relaxando-os, transportando-os para mundos distantes, onde só existe calma e paz. A acústica é extraordinária. O sítio, perfeito para ouvir música coral.

Não é a primeira vez que ouço o Coro do Mosteiro de Grijó, contudo,  esta impressiona mais. Não imaginava que um simples coro de músicos amadores tivesse tanta qualidade. Esta noite, interpretam músicas corais de várias épocas, de alguma forma ligadas aos caminhos de Santiago – o tema da exposição deste ano nos claustros do mosteiro: Peregrinantes in Spem - Peregrinos da Esperança.

Não sei se a música coral composta ao longo dos séculos teve somente caráter litúrgico. Não sei.

Sei que a música, como a ouvi esta noite, foi apaziguadora e enleante. Um som vindo das esferas cósmicas, celestial.

O coro foi fundado em 1989. O sítio na internet é este: (www.coromosteirogrijo.com)  

O maestro e diretor artístico, Joaquim Marçal, faz uma breve apresentação de cada um dos temas,  com boa disposição, humor, diplomacia. Assistem altos dignitários da igreja e da política local: o pároco, D. António Coelho, o Bispo do Porto, D. Manuel Linda, representantes da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal.

O pároco diz que o número de obras expostas aumenta todos os anos, este ano são de 64 artistas plásticos.  O bispo do Porto alude ao papa.  As obras representam a diversidade de pessoas  e de pontos de vista, indo ao encontro das encíclicas de  Sua Santidade, o papa Francisco.

Na minha opinião, a arte deve ser absolutamente independente. Neste caso, apesar do empreendedorismo e contribuição da paróquia na divulgação de artistas locais pode haver, mesmo que inconscientemente, um certo cuidado em não ferir  suscetibilidades. Imagino um artista que resolve expor a imagem  de uma mulher nua, de cócoras, a beijar os pés do apóstolo, dificilmente seria aceite. A igreja continua a ter muita  influência e poder em Portugal, até na arte.

No entanto, também foi assim no passado.  Grandes obras ficaram para a posteridade, apoiadas pela  igreja. Artistas geniais tiveram como mecenas papas poderosos, que os protegeram  e lhes permitiram criar trabalhos esplendorosos. As pinturas da capela Sistina, de Miguel Ângelo – cujos nus escandalizaram a igreja, foram tapados com novas pinturas -, as decorações de Rafael Sânzio, nos aposentos do papa.

Passamos aos  claustros, para visitar a inauguração da XIII exposição anual.

Encontrei a Cristina Jorge. No seu trabalho,  as máscaras em argila representam as diferentes emoções expressas nas faces dos peregrinos ao chegar ao túmulo do apóstolo.  A base tem, no meio, um óculo para ser espreitado, ajoelhando-se e dobrando-se no chão. Os convidados, talvez por pudor e timidez, não o fazem. Observam as máscaras de frente, apenas,  perdendo uma parte do trabalho  e do   seu significado. A Cristina pede-me para espreitar o óculo: estendo-me no chão, olho pelo minúsculo círculo, vejo a cruz de Santiago iluminada. Ela quer representar  a prostração dos peregrinos na chegada a Santiago e ao túmulo. O conceito da obra não podia estar mais de acordo com o tema.

Vejo outros trabalhos à pressa, a pensar observá-los mais tarde, com calma. As inaugurações devem ser os piores dias, há mais visitantes e ruído.





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