quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Viagens com o Charley

 


A vida é feita de encontros casuais nos quais podem acontecer momentos de intensa comunhão, como que mística, entre pessoas que se vêem uma única vez. É o caso do Cognac partilhado ao fim da tarde com a família de Canadianos Franceses na carrinha Rocinante, batizada por John Steinbeck, em homenagem ao cavalo de Dom Quixote. 

O livro foi escrito em 1960, tinha o escritor 58 anos. Fez a viagem para “conhecer a América” numa carrinha adaptada por si, equipada com tudo o que necessitava para o seu conforto, tendo como companheiro o caniche azul acinzentado, Charley. Descrito  com humor e ironia, como um ser inteligente, revelador de sentimentos e opiniões, demonstradas nas  expressões do olhar, movimento das orelhas, posturas corporais e ruídos.

No início do périplo por alguns estados observa viaturas idênticas que encontra estacionadas nos parques e a circular nas autoestradas.

Em  Portugal não havia nada parecido. Quem viajava da mesma forma  vinha de fora. Um Francês que alguém conheceu aventurou-se nesses anos numa roulotte - vi as fotografias a cores de vinhedos e pessoas do Douro tiradas por ele.  Por outro lado, partia-se de carro de outros países europeus em direção ao Afeganistão e Índia. Estavam na moda,  eram mecas hippies. Países exóticos onde ainda se encontravam homens de sabre, a cavalo. Tudo muito distante.

“As raízes estavam na propriedade da terra, nos bens tangíveis e imóveis”,  reflete o autor  sobre a ambição dos colonos americanos e o seu avanço para oeste.

E se o homem nunca tivesse tomado posse de qualquer terra, quais seriam as suas raízes? Seriam, porventura, o planeta. Não existiriam países, lugares fixos. O planeta seria o seu lugar. Todos os homens teriam a mesma casa e a mesma raiz – a Terra. Não haveria o sentimento de posse, não existiriam guerras e os problemas ambientais seriam sentidos por todos da mesma forma, em qualquer lugar.  

A viagem é um pretexto para falar da história do país, refletir, divagar e filosofar ao sabor dos quilómetros, das paisagens e das pessoas que encontra.

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