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A Pequena Sereia |
Decorria na Radhuspladsen a semana Gay Pride. No palco montado em frente da Câmara Municipal atuariam drag queens burlescas, DJs, haveriam concertos noturnos de música eletrónica com feixes de luzes psicadélicas, em ambiente rave. Estavam programadas atividades e jogos para famílias com crianças, debates, mostra de filmes, exposições de livros e encontros com escritores e artistas. Viam-se por toda a cidade cartazes alusivos ao evento, promovendo a inclusão, o orgulho, a tolerância. À exceção de alguns casais gay e de um fulano quase nú com faixas de cabedal a cobrir o corpo, o ambiente era bastante convencional. Casais idosos, hétero, muçulmanas de hijab, pessoas indiferentes passavam na praça como quem vai beber cerveja ao café do lado ou ver o jogo de futebol. Mendigos de ambos os sexos, andrajosos, sentados no chão duro de granito, alheados, semiescondidos atrás das colunas e dos tapumes que delimitam o espaço. Diria que a semana do orgulho gay é promovida por uma cidade que pretende estar na vanguarda da tolerância e do progresso, porque é fino, fica bem e vende. Tudo tranquilo e normal, como deve ser.
Pela Frederiksbgade, longa rua pedonal, animada de lojas, restaurantes, monumentos e museus, chega-se ao Christiansborg. Se tivesse de conhecer a história da cidade por ordem cronológica, este seria o primeiro palácio a visitar. É o mais antigo, construído no local onde o bispo-guerreiro, Absalom, edificou, por ordem do rei Valdemar, a primeira fortaleza no século XII, que daria origem à cidade. A história do palácio e da cidade está disponível na internet, informação extensa, repleta de acontecimentos empolgantes e momentos trágicos, ao longo de 900 anos. É imprescindível fazer a visita, ver as catacumbas, as cavalarias reais, os coches, a igreja, os salões cerimoniais. Fiquei entusiasmado e por outro lado senti-me um ignorante em relação à rica história da Dinamarca. Portugal é apenas mais um país com uma história interessante, entre outros.
Seguindo a mesma ordem cronológica visitaria de seguida o Rosenborg, obra do rei Frederico IV, observaria os esplendores do absolutismo, salões imponentes, tesouros reais, coroas, joias, armamento. Por fim, o Amalienborg, onde decorre a exposição dedicada ao rei Frederico X. Subitamente entronado por abdicação da mãe, a rainha Margarida II. Retratado como estrela POP: jovem, culto, desportista, humanitário, com a esposa e os quatro filhos, em visitas de estado aos súbditos inuit da gronelândia, esquiando, dançando. Em dezenas de fotografias a preto-e-branco, grandes planos do nascimento à coroação, em janeiro de 2024, aos 56 anos. Em filmes: a gala dos 18 anos, em 1986; o discurso de aceitação na varanda do Christiansborg, com a primeira-ministra, Mette Frederiksen, ao lado.
Considero uma idolatria exagerada. Não seria possível fazer algo do género em Portugal, primeiro, porque não é uma monarquia, segundo, porque o país não tem o hábito de celebrar e glorificar da mesma forma as suas figuras públicas, nem em vida nem em morte. Os Dinamarqueses não são complexados a este respeito como os Portugueses, mostram-se mais orgulhosos dos seus símbolos e, ao que parece, bastante fervorosos da monarquia. Dezenas de milhares de pessoas ovacionaram da rua o novo rei em Janeiro de 2024.
O monumento à Pequena Sereia, homenagem ao escritor Hans Christian Anderson, baseada num conto com o mesmo nome. Esculpida em bronze em 1913, colocada em cima da rocha ao pé dos jardins do kastelet. Depois de ter visto edifícios imponentes e conhecer uma cidade diversificada, colorida e rica em história, intrigava-me o facto de uma pequena escultura ser o ex-libris da cidade, provavelmente o mais conhecido e visitado. Talvez fosse exagero causado pelo turismo de massas, amplificando o número de visitas, ignorando monumentos mais merecedores e representativos da história da cidade.
A escultura não tem nada a ver com Copenhaga, podia ter sido colocada noutro local, conquanto fosse na Dinamarca, país natal de H.C.A., ou em Odense, cidade onde nasceu. Li alguns contos do escritor quando era miúdo, vi filmes animados inspirados neles. As crianças são as principais personagens, aquelas que pela sua ingenuidade e pureza descobrem as malfeitorias dos adultos, como no conto “O fato do rei”. Cujas histórias, esperançosas e redentoras, comovem leitores em todo o mundo, que inspiraram o bailado clássico “O quebra-nozes”. A estatueta é singela e suave, delicada, distante do rebuliço dos locais centrais, solitária e nostálgica como muitas personagens. Vê-la trouxe-me a emoção dos contos infantis, compreendi o motivo de ser tão visitada, de se ter tornado num símbolo da cidade e do país. Contudo, a relação da estátua com a cidade e os turistas tem sido tumultuosa, várias vezes lhe deceparam a cabeça e os braços, a vandalizaram com tinta. Diz-nos a bela Pernille.
Fomos recebidos por ela à entrada do barco. Sorridente, loira, olhos azuis – I, welcome! - Nos museus e visitas que fizemos, jovens bem-dispostos, minuciosos e atentos, receberam-nos com gestos ensaiados, repetidos centenas de vezes com profissionalismo. Foi dos momentos mais relaxantes passado em Copenhaga – confortavelmente sentado no convés, sentindo a brisa suave da água, contemplando a cidade a partir dos seus canais, ouvindo as explicações da cativante Pernille. Desfilavam perante os nossos olhos combinações harmoniosas de edifícios de design moderno e torres centenárias de igrejas, praças antigas e fachadas clássicas. Pessoas mergulhavam nos canais dos cais de madeira suspensos sobre a água, passavam tranquilamente ao lado do barco a remar e apoiados nas pranchas de padelboard. Grupos de amigos, com mulheres elegantes e sedutoras, conviviam em lanchas, bebendo cocktails e vinho branco, intencionalmente indiferentes aos turistas do barco. Nas margens mais distantes e abertas do bairro de Christiania faziam-se picnics em toalhas sobre a relva.
Copenhaga gaba-se de ser uma das cidades mais sustentáveis do planeta. Mergulhei em Kalvebod Brygge na última tarde. Cais delimitado por redes, de águas profundas, sem fundo à vista. Mistura de água doce e salgada, temperatura aceitável. Depois de mais um intenso dia de visitas foi agradável encontrar no centro da cidade um sítio para mergulhar, dar braçadas, ficar sentado na plataforma de madeira com a toalha de praia pelos ombros a conversar, a ver a vida urbana a desfilar tranquilamente nos canal, pontes e edifícios modernos que circundam a área.
O Kastelet é uma fortaleza renascentista, construída em forma de estrela, como as de Elvas, Valença do Minho ou Almeida. Relvada, rodeada de água e, como é apanágio na cidade, mais um local perfeito e tranquilo para caminhar. Tive o prazer de percorrer o perímetro de terra sob nuances de luz e cores esbatidas, apreciando quadros naturais de aquarelas diversas que ia encontrando nos reflexos da água, vendo diversas projeções da torre da igreja e dos choupos, das aspas do moinho voltadas para o céu, do quartel e respetivas arrecadações. Havia a ilusão de que tudo se manteve igual nos últimos séculos, que o tempo não se mexeu, propositadamente parado para apreciar o seu encanto.
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Kalvebod Brygge |
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Kastelet |
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Museu do Design Dinamarquês |
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Christiansborg |
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Tivoli |
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Rosenborg |
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Rosenborg |
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Caminhada pelo perímetro do Kastelet |
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Caminhada pelo perímetro do Kastelet |
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Caminhada pelo perímetro do Kastelet |
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Caminhada pelo perímetro do Kastelet |
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Caminhada pelo perímetro do Kastelet |
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Interior da fortaleza do Kastelet |
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Museu do design |
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Christiansborg |
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Estátua de Absalom, fundador da cidade |
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Nyhavn |
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Nyhavn |
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Amalienborg |
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A igreja de mármore |
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Rosenborg |
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Christiansborg |
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