Apesar de gostar da minha
condição de turista sou sempre um estranho onde quer que vá, por esse motivo a
necessidade de deambulação permanente, de encontrar constantemente sítios novos para esquecer a estranheza e o
desconforto de não estar na minha terra. Ao fim de dois dias em Copenhaga soube
bem sair da cidade e ver outra Dinamarca, mais genuína porventura. Conhecer os
meios de transporte para outros lugares e verificar com agrado que continuam a ser eficientes e confortáveis. O
comboio tinha “Carruagens de Silêncio” anunciadas por um cartaz na porta de entrada que exorta os
passageiros a fazer silêncio absoluto, a não usar telemóvel, ouvir música e
conversar com os colegas do lado. Como se as restantes carruagens não fossem já suficientemente silenciosas!
Viajamos numa dessas carruagens, os passageiros liam, mantinham-se calados e nós, mais uma vez, tivemos de cochichar - o
estritamente necessário - movendo-nos o mínimo possível no banco, com receio de
fazer ruídos perturbadores.
Saímos da camioneta numa paragem afastada da entrada no museu, caminhamos ao lado do jardim onde se realiza o festival de música de Roskilde, dos
mais antigos e importantes da Europa. Sentia-se
o ambiente pesado, heavy, fulanos
de roupa preta e casacos de cabedal moviam-se furtivamente, bebendo cerveja nas
mesas como se estivessem num evento clandestino. Mal os ouvíamos. A Dinamarca é assim: as pessoas fazem
silêncio. Eu, que aprecio o silêncio, penso que começaria a achar monótono
tanto silêncio.
O museu do Rock, Ragnarock, foi dos mais loucos e divertidos que visitei até hoje. Fica num edifício bizarro, visível ao longe, de cores garridas. Ao entrar no elevador para o segundo piso, a musica psicadélica começa imediatamente a tocar preparando os visitantes para a viagem alucinante prestes a começar. O primeiro encontro, após a abertura do elevador, é a sala de luzes fluorescentes, dedicada à influência das drogas e ácidos no mundo da música. Interagimos com o painel eletrónico, escolhemos cores e padrões geométricos, brancos e verdes fluorescentes, que põem a cabeça zonza. Vimos a história da música moderna, do jazz ao rock, da musica POP à techno, as principais bandas da Dinamarca e fora dela, acompanhamos interactivamente as exposições nas várias salas.
Tive a oportunidade de fazer uma gravação em estúdio e de enviar o filme para o meu email, testemunho de um momento bem disposto.
Os estudantes saiam da escola politécnica em pequenos grupos, envergando macacões, fatos de trabalho das oficinas sujos de tinta e poeira. Passaram ordeiramente à nossa frente, indiferentes a nós. Conversavam pouco e murmuravam inaudíveis. Estes adolescentes seriam o equivalente aos nossos CEFs: problemáticos, avessos à escola. Em Portugal, o normal seria ouvi-los a berrar e a gesticular, encavalitando-se e dando tabefes uns nos outros. Aguardávamos o autocarro, eles entraram na paragem anterior. Quando parou, vinha apinhado. Ocupavam todos os lugares sentados e o corredor, pareciam pilhas de legos encaixados na caixa, bonecos estáticos. A minha filha chamou-lhes NPC – O que significa isso? – perguntei – No Playable Characters – disse ela - personagens dos videojogos sem qualquer intervenção na ação, ocupam espaço, são cenário. - Não entramos, preferimos caminhar 45 minutos até ao centro da cidade e ao Museu Viking.
Comecei a ouvir uma melodia francesa conhecida, fiquei
encantado com o ambiente sonoro, espontâneo
e tranquilo que saia do piano no centro da praça, lateral à catedral. Lamentei em Portugal não haver pianos nos centros das
cidades disponíveis para serem tocados por todos. Ouço falar Português e não é
que quem toca é uma Portuguesa?!
Não há um único carro estacionado ao redor da catedral. Espaços amplos e abertos para serem caminhados tranquilamente. Casas medievais de paredes garridas e varandins de madeira. Chão de tijoleira. A luz do sol a incidir no fiorde por trás das chaminés. Tudo calmo. O tempo parado.
Entramos no museu Viking. O
esqueleto de um dos barcos no grande salão pertenceu a um chefe, ao mesmo tempo
líder religioso e militar. O barco foi
enviado numa expedição às costas da Irlanda, onde naufragou e foi encontrado séculos mais tarde, perto de Dublin.
Os Vikings eram guerreiros,
mercenários, piratas e saqueadores. A maioria das pessoas nos seus aldeamentos dedicava-se, porém, à agricultura, pesca e artesanato. Viviam em
autossubsistência, isolados nos fiordes, protegendo-se dos inimigos com
barcaças e postes que colocavam a unir as margens, impedindo-lhes a entrada.
Quando os bens escasseavam, a
fertilidade da terra e do mar era insuficiente, os chefes organizavam expedições, raziando costas longínquas. Chegaram ao mar Negro, a
Itália, à península Ibérica, estabeleceram colónias na Ásia Central, criaram a base das futuras nações Russa e Ucraniana. Estabeleceram-se na América do Norte, Groenlândia, Islândia.
Estavam divididos em 4 grandes grupos, falavam uma língua parecida com o
Dinamarquês: Suecos, Dinamarqueses, Noruegueses e Gautos. Eram politeístas, os deuses comportavam-se como os humanos,
irascíveis e vingativos. Adoravam seres sobrenaturais, integrados na mitologia e imaginário de romances contemporâneos como “O Senhor dos Anéis”: elfos, anões, gigantes, valquírias. Não foram romanizados como outros povos germânicos por se encontraram mais distantes do centro do império,
mais a norte. Foram os últimos a serem cristianizados, mantiveram os rituais
pagãos até ao dealbar do
primeiro milénio.
Era um navio de guerra, um Skeid,
levava 60 a 70 remadores. Avançava no mar sem vento e vela desfraldada. Navegadores
intrépidos e temíveis, atacavam as costas, raptavam e violavam mulheres – li algures que a
predominância de pessoas loiras em muitos lugares da costa portuguesa deve-se ao contacto com os Vikings.
O chefe foi sepultado com 11 cavalos, os cães de estimação, as suas mais finas peças de roupa feitas dos melhores tecidos importados de Bizâncio, o
tabuleiro de madeira do seu jogo favorito. Uma mulher velha, o anjo da morte, empilhou os
pertences sobre a sepultura, serviu cerveja sagrada à tribo que velou o corpo dias seguidos. Matou a jovem escrava que se voluntariou para acompanhar o
chefe na vida do além. Ao fim de alguns dias os bens do morto foram soterrados
sob uma meda de terra onde permanecerem até serem saqueados pelos ladrões de
túmulos.
Catedral |
Museu Viking |
Ragnarock |
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